1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – Ausência da via original do título – Dúvida prejudicada – Erro sobre o objeto – Re-ratificação – Participação de todas as partes do ato primitivo, sem risco de prejuízo a terceiros – Forma menos onerosa que a permuta – Correção direta pelo Oficial.

Processo nº 0013544-66.2011.8.26.0100
CP-104
Dúvida Requerente: 6º Oficial de Registro de Imóveis
Cuida-se de dúvida suscitada pelo 6º Oficial de Registro de Imóveis, que recusou o registro do instrumento particular de reti-ratificação de compra e venda (datado de 21.05.03), por meio do qual os interessados e as demais partes contratantes confessam ter havido erro na identificação do nome do edifício em que situada a unidade vendida, e convencionam a alteração para que: a) seja averbada a ocorrência do erro na matrícula mãe nº 141.447; e b) efetuar novos registros fazendo constar que o aparamento nº 12 situa-se no “Edifício Jatobá Amarelo Torre 2 Bloco D” e não no “Edifício Jatobá do Campo Torre 2 Bloco C”; c) em virtude dessa alteração, o cancelamento dos registros 319 e 320 na matrícula 141.447, registrando-se que a hipoteca em favor da Caixa recai sobre a unidade situada no “Edifício Jatobá Amarelo Torre 2 Bloco D”.
Aduz, em preliminar, que os interessados apresentaram cópia autenticada do título que pretendem registrar e, no mérito, que o registro não é viável porque altera elemento essencial do contrato de compra e venda.
A dúvida foi impugnada pelos interessados às fls. 81/86.
O Ministério Público opinou pela procedência da exigência, caso não acolhida a preliminar de prejudicialidade da dúvida (fls. 107/109).
É o relatório.
Fundamento e decido.
Observe-se, de início, que os interessados não apresentaram ao Oficial a via original do título que pretendem registrar. Ocorre que, conforme reiterada jurisprudência do E. Conselho Superior da Magistratura, a ausência da via original do título que se pretende registrar torna a dúvida prejudicada, mesmo que se trate de cópia autenticada:
“Acerca de hipóteses quejandas este Conselho tem posição firmada, da qual é representativo o V. Acórdão proferido na Apelação Cível nº43.728-0/7, da Comarca de Batatais, publicado D.O.E., Poder Judiciário, Caderno I, Parte I, de 13 de outubro de 1998, página 04, e relatado pelo eminente Des. Sérgio Augusto Nigro Conceição. Eis sua ementa: “REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversamente suscitada – Falta do título original e de prenotação – Inadmissibilidade – Prejudicialidade – Recurso não conhecido”.
O texto do julgado, no qual há referência a outro precedente, é esclarecedor: “Pacífica a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da necessidade de apresentação do título original, como decidido na Apelação Cível n.º30.728-0/7. da Comarca de Ribeirão Preto, Relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha, nos seguintes termos: Ora, sem a apresentação do título original, não admite a discussão do quanto mais se venha a deduzir nos autos, porque o registro, em hipótese alguma, poderá ser autorizado, nos termos do artigo 203, II, da Lei6.015/73. Não é demasiado observar que no tocante à exigência de autenticidade, o requisito da exibição imediata do original diz respeito ao direito obtido com a prenotação do título, direito que não enseja prazo reflexo de saneamento extrajudicial de deficiências da documentação apresentada’ “. Conclui-se: “Não tendo sido mantido nos autos, no original, nem oportunamente prenotado, o título cujo registro pretende a recorrente, não é de ser conhecido o recurso, prejudicadas as demais questões suscitadas pelas partes”. Imprescindível, deveras, em situações como a presente, o exame material do próprio título original, não apenas para que se venha a ter certeza de sua autenticidade e regularidade, mas, ainda, para que, caso autorizado o registro, este possa efetivamente se concretizar. Do contrário, tal concretização dependeria de evento futuro e incerto, consistente na apresentação, ao registrador, daquele original faltante. Ou seja, este Conselho estaria a proferir decisão condicionada.” (Ap. Civ.1.085-6/6).
Ainda em sede preliminar, anote-se que também prejudica a dúvida a juntada de documento durante seu trâmite com o escopo de sanar exigência do Oficial de Registro de Imóveis, como fizeram os interessados com a juntada do documento de fls. 87/102.
Ainda que assim não fosse, o título não poderia ser registrado.
A despeito disso, a peculiaridade do caso recomenda algumas ponderações.
O título registrado menciona que a unidade vendida (apartamento nº 12) localiza-se no Edifício Jatobá do Campo (v matrícula nº 149.024 fl. 58).
Assim, como o registro refletiu o teor do título que lhe deu suporte, não há que se falar em erro de registro.
Pretendem os interessados, com a apresentação do instrumento particular de reti-ratificação com força de escritura pública (art. 38, da Lei nº 9.514/97), alterar a descrição do imóvel objeto do contrato, para que o domínio recaia sobre o “apartamento nº 12, Edifício Jatobá Amarelo (Torre 2 – Bloco D)”, no lugar do “apartamento nº 12, Edifício Jatobá do Campo (Torre e Bloco C)” (fls. 49/50).
O erro do título, segundo os interessados, consiste na descrição do apartamento nº 12, que constou como se situado estivesse no “Edifício Jatobá do Campo” quando, em verdade, encontra-se no “Edifício Jatobá Amarelo”.
Daí a lavratura do instrumento de reti-ratificação, ora recusado, com o intuito de desfazer o equívoco.
Aduz o Oficial que esse tipo de erro, por versar sobre o objeto do contrato de compra e venda, que é um de seus elementos essenciais, não pode ser corrigido por meio de retificação do título causal, sendo necessária a permuta com o atual titular de domínio do imóvel localizado no “Edifício Jatobá Amarelo”.
De fato, a identificação da coisa vendida é elemento essencial do negócio jurídico.
Sucede que, no caso em exame, a coisa vendida foi efetivamente o apartamento nº 12 situado na Edifício Jatobá Amarelo, e não a que constou em apenas um dos contratos firmados por todos os envolvidos que, em razão de sua natureza (instrumento particular com força de escritura pública), foi o que terminou sendo registrado no Registro de Imóveis, prevalecendo sobre os demais.
Essa afirmação não decorre de dedução ou do exame da intenção das partes contratantes o que é vedado em sede de qualificação registral, que se restringe ao exame dos elementos formais do título – mas da análise dos contratos constantes dos autos que foram apresentados ao Oficial, ainda que em cópias. Nas “condições básicas do compromisso”, de 02.08.00 (fls. 15/23), constou às fls. 21 que o objeto era o “apartamento nº 12 da Torre 2 (Bloco D).
Em seu “quadro resumo”, da mesma forma, fez-se ressalva nesse sentido, mencionando-se expressamente que a unidade situava-se no “Edifício Jatobá Amarelo, Torre 2 Bloco D”. (fl. 23).
Na cláusula 1ª do “instrumento de reconhecimento de dívida pré-existente e outras avenças” (fls. 24/28) ficou convencionado que o compromisso de compra e venda de fração ideal do terreno referia-se ao “aparamento nº 12, integrante do bloco (torre) Jatobá Amarelo com direito à guarda de um automóvel” (fl. 24).
Verifica-se, à vista de todos esses contratos, que a manifestação de vontade dos interessados recaiu efetivamente sobre a unidade localizada no edifício Jatobá Amarelo.
Ocorre que, no instrumento particular de compra e venda com força de escritura pública (fls. 29/45) – do qual participaram: a) Gafisa S/A, como vendedora; b) Evolução Empr. Imob. e Constr. Ltda, como construtora/fiadora; c) Flavio Roberto Mota e Valderez de Jesus Pelozo, como compradores; e d) Caixa Econômica Federal, como credora constou no campo “informações adicionais/ressalvas”, por equívoco, que referida unidade localizava-se no Edifício Jatobá do Campo- Bloco C.
É importante observar que referido contrato, enquanto de adesão, é padronizado e elaborado em grande quantidade, com alterações em apenas alguns campos, como o da unidade vendida.
Assim, não pode contar com a mesma segurança da escritura pública lavrada pelo Tabelião de Notas.
Em razão disso, provavelmente por mero erro de digitação, nele constou que a unidade vendida situava-se no Edifício Jatobá do Campo.
É certo que isso não justifica o erro, pois os contratos devem conter, mormente em seus elementos essenciais, exatamente o que as partes convencionaram.
Contudo, serve para ao menos explicar a origem e a causa do erro, o que é vital para o adequado entendimento da questão jurídica ora em exame, na medida em que revela que a manifestação de vontade das partes de todas recaiu efetivamente sobre a unidade nº 12, do Edifício Jatobá Amarelo, e não a do Jatobá do Campo.
À vista dessa realidade, não se pode conferir valor absoluto ao único documento, ainda que se trate do instrumento particular registrado, em que constou o Edifício errado, sendo desnecessária a realização da permuta sugerida pelo Oficial, que de fato é a solução adequada para a maioria dos casos semelhantes.
Mas a peculiaridade deste autoriza adoção de solução diversa.
Isto porque, para contornar referido erro, todos os envolvidos no instrumento particular de compra e venda com força de escritura pública (fls. 29/45) participaram do instrumento particular de reti-ratificação solicitando as devidas anotações registrais para que a unidade do contrato passa a ser a de nº 12 do Edifício Jatobá Amarelo.
Como todos os contratantes, até mesmo a credora hipotecária Caixa Econômica Federal, estão de acordo com a retificação e como o titular de domínio da matrícula aberta para a unidade nº 12, do Edifício Jatobá Amarelo, é a Gafisa S/A (fl. 105), não há que se falar em risco de prejuízo a terceiros, podendo a questão ser resolvida de maneira mais simples, sobretudo menos onerosa para os interessados que, de todos os contratantes, são os que menos concorreram para o erro, mas os que mais foram atingidos.
Deste modo, em vez de se realizar a permuta, bastará que o Oficial, à vista do instrumento de reti-ratificação, faça as transposições registrárias necessárias em todas as matrículas envolvidas (141.447, 149.024 e 149.078), de modo que o domínio dos interessados, que continuará gravado com a hipoteca, recaia sobre a unidade nº 12 localizada no Edifício Jatobá Amarelo (Torre 2 – Bloco D) e o da Gafisa, sobre a unidade situada no Edifício Jatobá do Campo.
Para tanto, deverão os interessados e os demais contratantes, quando da reapresentação da via original do título ao Registro de Imóveis, arcar com eventuais custas e emolumentos haja vista que o Oficial em nada concorreu para o vício que, relembre-se, é do título e não de registro.
Em razão de todas as peculiaridades ora demonstradas é que, a despeito do r parecer do Ministério Público, o título, se reapresentado nas condições ora delineadas, poderá ingressar no fólio real.
Diante do exposto, com as ressalvas acima, JULGO PREJUDICADA a dúvida suscitada pelo 6º Oficial de Registro de Imóveis.
Oportunamente cumpra-se o art. 203, I, da Lei6.015/73.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 24 de maio de 2011.
Gustavo Henrique Bretas Marzagão
Juiz de Direito.
(D.J.E. de 06.06.2011)