Firma individual – Ausência de personalidade jurídica – Precedentes do CSM – Mudança de posicionamento – 1ª Vara da Capital – Admissibilidade do registro

FIRMA INDIVIDUAL – Ausência de personalidade jurídica – Precedentes – relevante consignar que o empresário individual, além do nome civil previsto no art. 16 do Código Civil de 2.002 tem o direito a um nome empresarial (firma) pelo qual será conhecido em suas relações negociais, nome esse cuja inscrição é obrigatória no registro do comércio para fins de publicidade me relação a terceiros nos termos dos arts. 967 e 968 – Após o referido registro, deverá ser feita uma averbação junto ao assentamento registrário, em que deverá constar que o adquirente “Sergio Krikor Arakelian, já qualificado, é empresário individual, tendo adotado a firma Sergio K. Arakelian, inscrito no CNPJ sob o nº 08.108.471/0001-20, e que o imóvel objeto da presente matrícula integra o patrimônio da empresa do adquirente” (1ª Vara de Registros Públicos da Capital, DOE 15/01/2007)

Processo nº: 583.00.2006.215013-5

Vistos.

Cuida-se de procedimento de DÚVIDA suscitada pelo 12º Oficial de Registro de Imóveis da Capital em relação ao interessado Sergio K. Arakelian. Sustenta o Sr. Oficial que a escritura de venda e compra de imóvel em que figura como adquirente a firma individual Sergio K. Arakelian foi qualificada negativamente em atenção ao entendimento do Colendo Conselho Superior da Magistratura, no sentido da impossibilidade firma individual figurar como proprietária no fólio real. O interessado apresentou impugnação às fls. 17/21, pugnando pelo ingresso do título ao fólio real, sob o argumento de que o empresário individual pode constituir patrimônio próprio. A Representante do Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 29).

É o relatório.

DECIDO.

A presente dúvida deve ser julgada improcedente, nos termos a seguir determinados. Não há dúvidas a respeito do acerto do posicionamento perfilhado pelo Sr. Oficial quando sustenta que a firma individual não detém personalidade jurídica para figurar no fólio real como proprietária, orientação que já foi firmada em decisões do Conselho Superior da Magistratura (apelação cível nº 93.875-0/8).

Ocorre que dos autos resulta a possibilidade de acesso do título ao fólio real, já que a leitura do traslado da escritura pública de venda e compra de fls. 11/12 torna evidente duas significativas considerações: a primeira, no sentido de que o imóvel foi adquirido por Sergio Krikor Arakelian na condição de empresário individual da empresa individual Sergio K. Arakelian, imóvel que integrará o patrimônio da pessoa jurídica (empresa), algo que ficou bem expresso no título; a segunda, no sentido de que o empresário individual é casado sob o regime da separação total de bens com Márcia Arakelian.

As razões de impugnação apresentada pelo interessado, aliás, bem demonstram a finalidade da aquisição do bem. Tais observações, a meu ver, permitem, com algum esforço, o ingresso do título ao fólio real porque não se vislumbra ofensa ao ordenamento jurídico vigente, tampouco aos princípios registrários que norteiam as atividades das Serventias Imobiliárias.

Assim, a despeito de no título ter constado a aquisição do imóvel pela empresa individual denominada Sergio K. Arakelian, a bem da verdade, o que se extrai do título é que a aquisição foi feita por Sergio Krikor Arakelian, que é qualificado como empresário individual. Neste passo, perfeitamente possível dar ao título essa interpretação, de modo a permitir o seu acesso ao fólio real, sem que isso represente ofensa aos princípios registrários, sobretudo porque no registro tabular não constará o nome da firma individual como adquirente, mas sim o nome da pessoa física (Sergio Krikor Arakelian), qualificado como empresário individual. Como se sabe, toda a problemática envolvendo a firma individual e a pessoa física tem origem no fato da confusão patrimonial criada com o patrimônio das figuras do “empresário individual” e da pessoa física que o compõe.

Entretanto, não há impedimento para que o empresário individual adquira um bem a ser destinado exclusivamente à sua atividade empresarial, desde que, obviamente, obtenha a outorga conjugal dependendo do regime de bens adotado. Paulo de Freitas, no artigo “O patrimônio comercial do comerciante”, publicado na Revista dos Tribunais, vol. 191, pg. 593-591, conclui que “o comerciante, como toda pessoa física ou jurídica, só possui um patrimônio. Dele separa os bens necessários e adequados ao giro comercial, de que alheia os bens restantes, enquanto não reclamados para a exploração do fundo, ou exigidos para a satisfação de dívidas conseqüentes à exploração”.

Por conseqüência, depreende-se que a expressão “patrimônio da empresa” contida no art. 978 não se confunde com o termo técnico jurídico “patrimônio”, caracterizado como uma universalidade de direito. Isto porque, pode o empresário individual adquirir um imóvel e dar a ele três destinações, o primeiro como ativo circulante, o segundo como ativo fixo e o terceiro para fins meramente civis, como residência, por exemplo.

Nos dois primeiros exemplos, em face de sua destinação, pode ser tranqüilamente afirmado que o imóvel é parte integrante do patrimônio da empresa. Assim, há possibilidade (porque o sistema jurídico assim permite) de aquisição de bem como patrimônio exclusivo do empresário individual, na medida em que os bens distinguem-se em duas categorias: a dos que estão destinados à atividade empresarial do empresário individual e as dos que são destinadas à sua vida civil, do que resulta a conclusão de que, apesar de os imóveis integrantes de ambas as categorias serem parte integrante do patrimônio único do empresário, eles estão sujeitos a regimes jurídicos diferentes, com evidente repercussão no registro.

De outra parte, relevante consignar que o empresário individual, além do nome civil previsto no art. 16 do Código Civil de 2.002 tem o direito a um nome empresarial (firma) pelo qual será conhecido em suas relações negociais, nome esse cuja inscrição é obrigatória no registro do comércio para fins de publicidade me relação a terceiros nos termos dos arts. 967 e 968. Aliás, o art. 966 do Código civil define o empresário como aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.

Por fim, dos autos resulta a evidência de que o empresário individual pode realmente destinar parte de seus bens como parte do patrimônio da pessoa jurídica, desde que tais bens destinem-se à atividade desenvolvida. A outorga conjugal, no presente caso, é dispensada porque o regime de bens adotado é o da separação total.

Assim, em atenção ao posicionamento do Conselho Superior da Magistratura já afirmado, quando do ingresso do título ao fólio real, o Sr. Oficial deverá observar que o adquirente do bem é Sergio Krikor Arakelian. Após o referido registro, deverá ser feita uma averbação junto ao assentamento registrário, em que deverá constar que o adquirente “Sergio Krikor Arakelian, já qualificado, é empresário individual, tendo adotado a firma Sergio K. Arakelian, inscrito no CNPJ sob o nº 08.108.471/0001-20, e que o imóvel objeto da presente matrícula integra o patrimônio da empresa do adquirente”. (Grifo nosso)

Nestes termos específicos é que se julga improcedente a dúvida.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida para permitir o ingresso do título ao fólio real, nos termos aqui determinados.

Cumpra-se o disposto no art. 203 da Lei de Registros Públicos. Transitada em julgado, expeça-se mandado.

P.R.I.C.

São Paulo, 11 de dezembro de 2006.

MARIA ISABEL ROMERO RODRIGUES HENRIQUES

Juíza de Direito