CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura de Compra e Venda de Imóvel – Vendedor representado pelo próprio comprador – Nulidade relativa – Inviabilidade de reconhecimento de ofício – Recurso provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 3002501-95.2013.8.26.0590, da Comarca de São Vicente, em que é apelante ANTONIO CARLOS ALVES DA SILVA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SÃO VICENTE.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA, REFORMANDO A DECISÃO APELADA, ADMITIR O INGRESSO DO TÍTULO APRESENTADO AO FÓLIO REAL, V.U. DECLARARÃO VOTOS VENCEDORES OS DESEMBARGADORES ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO E RICARDO MAIR ANAFE.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 7 de outubro de 2014.
ELLIOT AKEL, RELATOR
Voto nº 34.084
REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ESCRITURA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – VENDEDOR REPRESENTADO PELO PRÓPRIO COMPRADOR – NULIDADE RELATIVA – INVIABILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFÍCIO – RECURSO PROVIDO.
Trata-se de apelação interposta contra a sentença de fl. 51/53 que reconheceu a impossibilidade do registro de escritura de venda e compra de imóvel na qual a vendedora foi representada pelo próprio comprador.
Sustenta, o apelante, que a vendedora outorgante da escritura já recebeu o preço e que a procuração foi lavrada em caráter irrevogável e irretratável, sem prestação de contas. A forma como foi redigida a procuração representaria ínsita autorização para o autocontrato e inexistiria qualquer conflito de interesses (fls. 56/63).
A Douta Procuradoria opinou pelo provimento do recurso (fls. 78/79).
É o relatório.
A proprietária Claudia Maria Albuquerque outorgou procuração a Edmilson Francisco de Oliveira para que alienasse o imóvel. Utilizando-se dos poderes conferidos pela procuração, Edmilson celebrou compromisso de compra e venda do bem com Ricardo Manoel Mota.
Depois, Edmilson substabeleceu os poderes para Erika Maria Mota Pereira, que por sua vez substabeleceu em favor de Antônio Carlos Alves da Silva.
Foi então que se lavrou a escritura de compra e venda pela qual a proprietária Claudia, representada por Antonio Carlos Alves da Silva, a ele vendeu o imóvel, com a anuência do compromissário comprador Ricardo Manoel Mota e sua esposa.
Como observado pelo Douto Procurador de Justiça, na dicção do artigo 117 do Código Civil “é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo”.
Trata-se de nulidade relativa, que não pode ser pronunciada de ofício pelo juiz, tampouco pelo registrador.
Nesse sentido já se pronunciou este Conselho:
REGISTRO DE IMÓVEIS – Compromisso de compra e venda celebrado sem anuência dos demais descendentes – Negócio jurídico anulável – Interesse privado – Inviabilidade do exame da validade do contrato em processo administrativo – Necessidade de processo jurisdicional – Cabimento do registro – Recurso não provido (Apelação 0029136-53.2011.8.26.0100, Conselho Superior da Magistratura de São Paulo, j. 31.05.2012).
Por todo o exposto, dou provimento ao recurso para, reformando a decisão apelada, admitir o ingresso do título apresentado ao fólio real.
HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível nº 3002501-95.2013.8.26.0590
Apelante: Antonio Carlos Alves da Silva
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, de Títulos e Documentos, e Civil de Pessoas Jurídicas de São Vicente
DECLARACÃO DE VOTO VENCEDOR
VOTO N. 28.661
1. Nestes autos de dúvida, foi interposta apelação contra sentença dada pelo Juízo Corregedor Permanente do Ofício de Registro de Imóveis, de Títulos e Documentos, e Civil de Pessoas Jurídicas de São Vicente. Essa sentença manteve a negativa de registro stricto sensu de uma compra e venda celebrada por escritura pública, negócio jurídico em que a vendedora fora representada pelo próprio comprador.
2. O eminente Desembargador Relator provê à apelação para que, reformada a sentença, se afaste o óbice levantado e se proceda ao registro stricto sensu.
Ainda que alguma falha houvesse no negócio jurídico, existiria, ainda assim, mera anulabilidade (CC/2002, art. 117, caput, c. c. arts. 171-179). Ora, a anulabilidade não pode ser conhecida de ofício nem opera antes de julgada por sentença (CC/2002, art. 177). Logo, à falta de qualquer notícia sobre eventual
decreto de anulabilidade, o registro stricto sensu realmente não podia ter sido denegado nesse caso.
3. Ante o exposto, dou provimento à apelação.
ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO, Presidente da Seção de Direito Privado
Apelação Cível nº 3002501-95.2013.8.26.0590
Apelante: Antonio Carlos Alves da Silva
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Vicente
TJSP – Voto nº 19.571
DECLARAÇÃO DE VOTO
Registro de Imóveis.
Recurso contra decisão que negou o registro de escritura de venda e compra de imóvel na qual a vendedora foi representada pelo próprio comprador – Inteligência do artigo 117 do Código Civil – Procuração em causa própria – Concordância da representada – Ausência de nulidade – Ainda que houvesse nulidade, seria relativa, não se podendo declará-la de ofício.
Dá-se provimento ao recurso.
1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Vicente, que negou pedido de registro de escritura pública de compra e venda, ao argumento de nulidade, ex vi do disposto no artigo 17 do Código Civil.
É o relatório.
2. Consoante mencionado pelo Excelentíssimo Desembargador Relator Corregedor Geral da Justiça, é mesmo o caso de provimento do recurso. Ressalve-se, apenas, que, a meu ver, não haveria, in casu, a nulidade relativa apontada.
Com efeito, assim dispõe o artigo 117 do Código Civil:
Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. (grifei)
Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido subestabelecidos.
Trata-se da chamada “procuração em causa própria” ou “contrato consigo mesmo”.
A esse respeito, leciona Pontes de Miranda:
O que se transfere não é o direito de crédito, ou de propriedade, ou outro direito transferível: é o poder de transferi-lo, com todo o proveito e dano desde o momento em que se deu a procuração em causa própria.
Tanto o procurador pode transferir a outrem como a si mesmo e, se o bem é divisível, a duas ou mais pessoas, dentre as quais se pode pôr. Há, portanto, atribuição de direito formativo dispositivo. Não houve a transferência do direito e que se pôde dispor, houve a transferência ou a constituição do poder de dispor do direito como seu. No Código Civil brasileiro, tal explicação, que tem fontes históricas, é a que se há de sustentar.1
Trata-se de negócio jurídico válido, salvo se o representado não o permitir; e não o permitindo, haveria nulidade relativa, apenas podendo ser alegada pelo próprio prejudicado. Jamais reconhecido de oficio, como bem salientou o Ínclito Desembargador Relator.
Portanto, frise-se, ainda que existisse a alegada nulidade, não poderia o Juiz, nem tampouco o Oficial de Registro de Imóveis, reconhecê-la de ofício.
A proprietária do imóvel em questão lavrou escritura pública em favor de Edmilson Francisco Oliveira de Souza nos seguintes termos: “(…) confere ao outorgado poderes para o fim especial de vender, prometer vender, ceder, prometer ceder, ou por qualquer outra forma, título ou meio alienar em favor de quem quiser, pelo preço, cláusulas e condições que melhor convencionar o imóvel (…)”; “sendo a presente lavrada em caráter irrevogável e irretratável, sem prestação de contas” (p. 38) Na própria procuração, outrossim, autorizou-se o substabelecimento de tais poderes.
Pelo que se observa do teor da procuração pública, a proprietária alienou o direito de disposição do próprio bem. No dizer do mestre Pontes de Miranda, “houve a transferência ou a constituição do poder de dispor do direito como seu”. Em outras palavras, autorizou-se o próprio mandatário a adquirir o bem.
Além disso, o primeiro mandatário celebrou compromisso de compra e venda do imóvel com Ricardo Manoel Mota, o qual participou da escritura de compra e venda como cedente (fl. 26).
Conclui-se, pois, não ter havido fixação de preço de forma exclusiva pelo mandatário, azo pelo qual sequer se poderia sustentar eventual nulidade por subsunção ao disposto no artigo 489 do Código Civil.
A procuração pública não foi revogada (nem poderia, pois lavrada em caráter irrevogável e irretratável), tendo sido realizada “sem prestação de contas”. Nada impede que o próprio mandatário, substabelecido, venha a lavrar a respectiva escritura pública de compra e venda (fl. 26).
De se anotar, por fim, que o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) foi recolhido por duas vezes, uma pela cessão, outra pela compra e venda, consoante documentos a fl. 27, 30/35.
Por epítome, porque autorizado pela mandante, proprietária do imóvel, válida a escritura pública de compra e venda celebrada pelo mandatário em seu favor, tendo como interveniente interessado o compromissário comprador, permitindo-se o registro nos moldes pleiteados.
3. Ante o exposto, pelo arrimo esposado, pelo meu voto, dá-se provimento ao recurso.
RICARDO ANAFE, Presidente da Seção de Direito Público
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1 MIRANDA, Pontes, Tratado de Direito Privado, vol. XLIII, 2ª ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1.963, p. 157.
(Data de registro: 24.10.2014)