CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Escritura pública de separação consensual lavrada antes da averbação da indisponibilidade de bens, porém, apresentada para registro posteriormente – Impossibilidade do registro, em observância ao princípio “tempus regit actum” – Necessidade de prévio cancelamento da averbação, autorizado por quem a decretou – Recusa correta da Oficial – Dúvida procedente – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0001748-75.2013.8.26.0337, da Comarca de Mairinque, em que é apelante CLEYDE REYKO MIYAMOTO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MAIRINQUE.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 19 de dezembro de 2014.

ELLIOT AKEL,RELATOR

Apelação Cível nº 0001748-75.2013.8.26.0337

Apelante: Cleyde Reyko Miyamoto

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mairinque

Voto nº 34.138

REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ESCRITURA PÚBLICA DE SEPARAÇÃO CONSENSUAL LAVRADA ANTES DA AVERBAÇÃO DA INDISPONIBILIDADE DE BENS, PORÉM, APRESENTADA PARA REGISTRO POSTERIORMENTE – IMPOSSIBILIDADE DO REGISTRO, EM OBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO “TEMPUS REGIT ACTUM” – NECESSIDADE DE PRÉVIO CANCELAMENTO DA AVERBAÇÃO, AUTORIZADO POR QUEM A DECRETOU – RECUSA CORRETA DA OFICIAL – DÚVIDA PROCEDENTE – RECURSO NÃO PROVIDO.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Mairinque, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a recusa de registro da escritura pública de separação consensual, referente ao imóvel matriculado sob número 3.957, fundada em averbação realizada em maio de 2011 decorrente da indisponibilidade dos bens de Sérgio Miyamoto, decretada nos termos do Comunicado n.419/2011 da Corregedoria Geral da Justiça, expedido em 08/04/2011, nos autos do Processo CG 2011/29942, por solicitação do Banco Central do Brasil (Ato-Presi n. 1.183 de 04/03/2011, publicado no DOU de 09/03/2011) e sob o entendimento de que a lavratura da escritura pública antes do decreto de indisponibilidade não garante o ingresso do título no registro, por força do princípio da anterioridade.

A apelante afirma que há muito tempo, desde a aquisição do imóvel, era titular da metade ideal em razão do seu casamento com Sérgio Miyamoto, e que, em razão da separação ocorrida no ano de 2009 e partilha dos bens, passou a ser titular do domínio da totalidade do imóvel, o que autoriza o registro, porque na época da decretação e averbação da indisponibilidade de bens de seu ex-cônjuge, o bem não mais integrava o patrimônio deste último.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Estava sedimentado no Conselho Superior da Magistratura o entendimento de que a averbação de indisponibilidade de bens impedia o ingresso de qualquer título no fólio real, quer o decorrente de alienação forçada, quer o decorrente de alienação voluntária, a exemplo do decidido pelo Desembargador José Mário Antônio Cardinale, então Corregedor Geral da Justiça, na Apelação Cível n. 386-6/2, julgada em 06.10.2005. Transcreve-se o trecho do aresto de interesse ao caso em tela:

“O imóvel objeto da arrematação judicial foi penhorado em processo executivo ajuizado pela Fazenda Nacional, tornando-se, portanto, indisponível. Neste sentido é o entendimento pacífico do Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n° 76.562-0/5, Americana e na Apelação Cível n° 79.730-0/4, Capital.

A lei não faz distinção quanto à abrangência da indisponibilidade, que atinge tanto os atos voluntários de alienação, quanto os de venda judicial forçada, e nem haveria motivo para tal diferenciação.

O Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de decidir que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade e que o dispositivo legal tem caráter genérico, e não compete ao registrador interpretá-lo restritivamente (Ap. Cível n. 76.562-0/5, j. 23.05.2001, Rel. Luís de Macedo).

Esse entendimento sofreu modificação e passou a prevalecer o de que a indisponibilidade incide apenas sobre a alienação voluntária e não sobre a forçada, isso à vista de decisão do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n° 512.398, cujo voto do eminente relator Ministro Felix Fischer traz a seguinte consideração:

“Tenho contudo que, a indisponibilidade a que se refere o dispositivo(referindo-se ao § 1º, do art. 53, da Lei 8.212/91) traduz-se na invalidade, em relação ao ente Fazendário, de qualquer ato de alienação do bem penhorado, praticado sponte própria pelo devedor-executado após a efetivação da constrição judicial. Sendo assim, a referida indisponibilidade não impede que haja a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto.” (Apelação n° 0007969-54.2010.8.26.0604 – Relator Desembargador Renato Nalini).

Nesse mesmo sentido:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversa – Imóvel penhorado com base no art. 53, §1°, da Lei 8.212/91 – Indisponibilidade que obsta apenas a alienação voluntária – Possibilidade de registro da Carta de Arrematação – Recurso provido.” (Apelação Cível nº 0004717-40.2010.8.26.0411 – Relator Desembargador Renato Nalini).

A apelante não discute acerca da impossibilidade de registro de título decorrente de alienação voluntária na hipótese de existência de averbação de indisponibilidade, mas sustenta que o fato de a data da lavratura da escritura pública de separação consensual, pela qual foi-lhe atribuída a metade ideal do imóvel que pertencia a seu cônjuge Sérgio Miyamoto ser anterior à decretação e registro da indisponibilidade dos bens deste, restou assegurado seu direito de registro do título, com a conseqüente transmissão da propriedade, a qual, na realidade, já havia sido transmitida ao tempo da separação.

Está sedimentado neste Conselho Superior da Magistratura que, para fins de registro, o que importa é a data da apresentação do título para tal fim, porque é nesse momento que será feita a análise e qualificação, em atenção ao princípio “tempus regit actum”, sujeitando-se o título à lei vigente ao tempo da sua apresentação.

Assim sendo, embora a escritura pública tenha sido lavrada em data anterior à da averbação da indisponibilidade, ao tempo de sua apresentação perante o Registro de Imóveis a averbação já estava inscrita na matrícula, impedindo o registro.

Neste sentido: “…a indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à decretação da inalienabilidade” (Conselho Superior da Magistratura, Apelação Cível nº 29.886-0/4, São Paulo, Rel. Des. Márcio Martins Bonilha, fls. 28/29 e 53/54).

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de Compra e Venda lavrada antes da averbação da indisponibilidade, mas apresentado a registro depois dela – Impossibilidade de registro até que a indisponibilidade seja cancelada por quem a decretou – Tempus regit actum – Precedentes do CSM – Recurso não provido. (Apelação Cível nº 0015089-03.2012.8.26.0565 – rel. José Renato Nalini).

Este último julgado cita os seguintes precedentes no mesmo sentido: Apelação Cível nº 115-6/7, rel. José Mário Antônio Cardinale, nº 777-6/7, rel. Ruy Camilo, nº 530-6/0, rel. Gilberto Passos de Freitas, e nº 0004535-52.2011.8.26.0562, rel. José Renato Nalini).

Verifica-se, pois, que o ingresso do titulo no fólio real reclama o prévio cancelamento da averbação da indisponibilidade, mediante autorização de quem a decretou.

À vista do exposto, nega provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça e Relator

(Data de registro: 15.01.2015)