CSM|SP: Registro de imóveis – Loteamento urbano – Negativa de registro – Artigo 18, § 2º, da lei n° 6.766/79 – Dívida ativa – Adesão ao programa especial de parcelamento – Inexistência de comprovação de suspensão da execução fiscal e de existência de patrimônio suficiente para fazer frente ao débito – Ônus do loteador – Recurso não provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000001-54.2013.8.26.0201, da Comarca de Garça, em que são apelantes ALESSANDRO DE FREITAS FERREIRA, CARLA DE FREITAS FERREIRA DIAS e EVANDRO DE FREITAS FERREIRA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE GARÇA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE (DECANO), ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 2 de dezembro de 2014.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n° 9000001-54.2013.8.26.0201
Apelante: Alessandro de Freitas Ferreira e outros
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Garça
VOTO N° 34.126
Registro de imóveis – Loteamento urbano – Negativa de registro – Artigo 18, § 2º, da lei n° 6.766/79 – Dívida ativa – Adesão ao programa especial de parcelamento – Inexistência de comprovação de suspensão da execução fiscal e de existência de patrimônio suficiente para fazer frente ao débito – Ônus do loteador – Recurso não provido.
Trata-se de apelação interposta por Alessandro de Freitas Ferreira e outros contra a r. decisão de fls. 250/252, que manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Garça em registrar loteamento urbano, ante a existência de ações propostas em face de Evandro Freitas Ferreira sugerirem riscos potenciais aos futuros adquirentes.
Alegam, os recorrentes, em síntese, que todas as exigências para a implementação do projeto foram cumpridas pelos apelantes, que estão habilitados a assim proceder. Sustentam que foram apresentados todos os documentos exigidos pelo artigo 18 da Lei n° 6.766/79, ressaltando que todas as ações noticiadas na Certidão Positiva expedida pelo distribuidor cível de Pirajuí já se encontram quitadas ou parceladas, tanto que as certidões expedidas pelos credores (Fazenda do Estado de São Paulo e da União) são negativas. Aduzem, por fim, que o apelante Evandro é proprietário de apenas 33% da área em que será implantado o loteamento, além de ser proprietário de outros bens que garantem a sua quota parte do objeto em discussão.
A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 280/281).
É o relatório.
A recusa do registrador quanto ao registro do loteamento “Jardim Anita II”, localizado na Comarca de Garça, baseia-se no fato de existirem execuções fiscais ajuizadas pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo e pela União contra um dos loteadores, o Sr. Evandro de Freitas Ferreira.
O MM. Juiz Corregedor Permanente manteve a recusa do registrador por entender que os loteadores não comprovaram possuir patrimônio bastante para fazer frente aos valores cobrados nas ações judiciais movidas contra o loteador Evandro de Freitas Ferreira, de modo que o requisito da comprovação de ausência de dano potencial aos adquirentes dos lotes, previsto no art. 18, § 2º [1], da Lei n° 6.766/79, não restou atendido.
Como bem sinalizou o MM. Juiz Corregedor Permanente, o loteador Evandro é titular de 33% de imóvel avaliado em R$ 500.000,00, valor suficiente para garantir as execuções movidas por Indeplás Embalagens Plásticas LTDA ME e pela União Federal, haja vista que o total executado gira em torno de R$ 20.000,00.
Contudo, pende uma execução fiscal estadual (n° 0010598-66.2010.8.26.0543) movida também contra o loteador Evandro, em que o valor da dívida é R$ 1.643.035,08.
É bem verdade que a coexecutada Aquecimex Indústria e Comércio, por meio de requerimento formulado pelo loteador Evandro, aderiu ao Programa Especial de Parcelamento do ICMS (PEP), conforme termo de aceite acostado às fls. 71/76, do qual se verifica que a dívida foi parcelada em 120 parcelas de R$ 22.885,80, totalizando R$ 2.746.296,00.
De acordo com o art. 8º, I, do Decreto n° 58.811, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu o PEP no Estado de São Paulo, a concessão dos benefícios do Programa Especial de Parcelamento não dispensa, na hipótese de débitos ajuizados, a efetivação de garantia integral da execução fiscal, bem como o pagamento das custas, das despesas judiciais e dos honorários advocatícios, ficando estes reduzidos para 5% (cinco por cento) do valor do débito fiscal;
Ou seja, o aceite ao PEP, sem a garantia integral do juízo, não enseja a suspensão da execução.
No caso em exame, os recorrentes não fizeram prova de que o juízo encontra-se garantido, limitando-se a juntar o termo de aceite ao PEP, cujo item 3.2.2, aliás, é expresso no sentido de que a garantia integral do juízo é requisito da sustação da execução:
O curso do processo judicial correspondente somente será sustado após a celebração do parcelamento e efetivada a garantia integral do Juízo.
Em consulta nesta data ao sistema de acompanhamento processual do Tribunal de Justiça (print em anexo), verifica-se a inexistência de notícia de que referida execução esteja suspensa. Ao contrário, a análise dos últimos movimentos processuais demonstra que o feito encontra-se em andamento, sendo certo que, no momento, o juízo está tentando citar os sócios da executada.
Se a execução de valor significativo (mais de R$ 1.500.000,00) não está suspensa e se os recorrentes não comprovaram, como lhes cabia, que possuem bens suficientes para fazer frente à dívida fiscal, não há comprovação de inexistência de risco aos adquirentes dos futuros lotes.
É antiga a jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura no sentido de que cabe aos loteadores fazerem prova da ausência de prejuízo aos adquirentes dos lotes quando pendem ações contra eles:
É ônus do loteador a prova da ausência de prejuízo aos adquirentes dos lotes, pois “cabe ao interessado no registro demonstrar que as ações existentes, que pendem contra os antecessores dos titulares do domínio, não poderão trazer qualquer risco ao empreendimento, nem mesmo em potencial” (Ap. Cív. n° 43.577-0/7 – São Joaquim da Barra, Rel. Des. Nigro Conceição). Se tal prova não é apresentada de forma contundente, o registro não se pode efetivar. Na opinião de Marco Aurélio S. Viana: “As certidões poderão ser positivas, e isto não inibirá o registro, se restar provada a ausência de prejuízo para os adquirentes. Já chamamos a atenção para o problema na esfera das incorporações imobiliárias, lembrando a posição de Caio Mário da Silva Pereira no sentido de que bastará ao interessado demonstrar que efetuou o depósito da quantia ou coisa depositada, ou por meio idôneo segurado o juízo, enfim, demonstrado de forma concreta e objetiva que não há prejuízo para os adquirentes. Podemos acrescer outros meios de comprovação de inexistência de prejuízo: demonstração, pelo pretendente, de um patrimônio e de capacidade econômica capazes de cobrir, sobejamente, as obrigações” (“Comentários à Lei sobre Parcelamento do Solo Urbano”, Saraiva, 2ª ed., 1984, pág. 54/55). Não há, enfim, prova robusta de que o estado econômico da recorrente é em muito superior às dívidas objeto das certidões juntadas aos autos e que, em conseqüência, o empreendimento seguirá sem maiores riscos para os adquirentes de lotes e a comunidade em geral. Significa, pois, pelo quadro atual retratado nos autos, a inviabilidade do projeto do parcelamento urbano em tela, enquanto não solucionados em definitivo os débitos apontados. (Ap. 82.230-0/0, rel. Luís de Macedo).
Recentemente, este Conselho reafirmou tal entendimento, no julgamento de apelação por mim relatada:
REGISTRO DE IMÓVEIS DÚVIDA NEGATIVA DE REGISTRO DE LOTEAMENTO ARTIGO 18, § 2º, DA LEI Nº 6.766/79 NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE PATRIMÔNIO SUFICIENTE PARA A GARANTIA DO PAGAMENTO DE DÍVIDA E DE SUA HIGIDEZ POSSIBILIDADE DE DANO A FUTUROS ADQUIRENTES DÚVIDA PROCEDENTE RECURSO NÃO PROVIDO. (Ap. Cível n° 0005919-13.2012.8.26.0272, DJE 04.08.14).
Diante da não comprovação da ausência de risco aos adquirentes dos futuros lotes, o registro não pode ser deferido, sob pena de violar o art. 18, § 2º, da Lei n° 6.766/79.
Ante o exposto, pelos fundamentos ora declinados, nego provimento ao recurso de apelação.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Nota:
[1] § 2º – A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, exceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lotes. Se o Oficial do Registro de Imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente.
(DJe de 02.03.2015 – SP)