CSM|SP: Embargos de declaração – Alegação de contradição (porque o julgado estaria em dissonância com jurisprudência do STJ e do próprio CSM) e omissão (por ter desconsiderado recentes decisões do conselho sobre a matéria) – Jurisprudência do conselho que, na verdade, foi alterada recentemente – Ausência das máculas alegadas pela embargante – Embargos de declaração rejeitados.

ACÓRDÃO                     
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração n° 3005724-43.2013.8.26.0562/50000, da Comarca de Santos, em que é embargante UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO MESQUITA FILHO”, é embargado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE SANTOS.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “REJEITARAM OS EMBARGOS, V.U.“, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 22 de janeiro de 2015.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Embargos de Declaração n° 3005724.43.2013.8.26.0562/50000
Embargante: Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
Embargado: 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Santos
VOTO N° 34.141
Embargos de declaração – Alegação de contradição (porque o julgado estaria em dissonância com jurisprudência do STJ e do próprio CSM) e omissão (por ter desconsiderado recentes decisões do conselho sobre a matéria) – Jurisprudência do conselho que, na verdade, foi alterada recentemente – Ausência das máculas alegadas pela embargante – Embargos de declaração rejeitados.
Cuida-se de embargos de declaração nos quais a embargante, em suma, alega que a decisão estaria em contradição com o entendimento do STJ e com a jurisprudência deste Conselho. Além disso, também teria havido omissão por se desconsiderarem no voto as recentes decisões do Conselho sobre o tema (fls. 176/184).
É o relatório.
Primeiramente, importante salientar que a contradição que autoriza a interposição de embargos é aquela que se verifica nos argumentos da própria decisão, ou entre estes e a conclusão. É a contradição interna. Não, ao contrário, eventual contradição com o que a parte ou outras decisões entendem correto.
Da mesma forma, a omissão ensejadora de embargos é aquela que deixa de rebater um argumento fundamental da parte, um ponto controvertido, não havendo omissão por se deixar de citar ou de rebater outras decisões a respeito do tema.
De qualquer forma, no caso dos autos, o ponto fulcral diz respeito à natureza do modo de aquisição de propriedade na hipótese de adjudicação, se derivado ou originário.
E, nesse sentido, a posição mais recente deste E. Conselho a respeito do tema é de que a arrematação não seria modo originário. À adjudicação, há que se dar tratamento análogo.
Trago trecho de voto por mim proferido na Apelação Cível 9000002-19.2013.8.26.0531, da Comarca de Santa Adélia, julgada pelo Conselho Superior da Magistratura em 02.9.2014:
A arrematação constitui forma de alienação forçada, e que, segundo ARAKEN DE ASSIS, revela negócio jurídico entre o Estado, que detém o poder de dispor e aceitar a declaração de vontade do adquirente (Manual da Execução. 14ª edição. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 819). É ato expropriatório por meio do qual “o órgão judiciário transfere coativamente os bens penhorados do patrimônio do executado para o credor ou para outra pessoa”.
Em relação ao título da aquisição, por se tratar de alienação forçada, há acordo de transmissão e, no caso, o Estado transmite ao adquirente os direitos do executado na coisa penhorada, desde a assinatura do auto, destacando-se o duplo papel desse último, pois constitui a forma e a ultimação do negócio jurídico de adjudicação, e a partir dele é que será originado o título formal, que é a carta de adjudicação.
Diante desse quadro, e respeitadas as opiniões que veem a arrematação e a adjudicação como modos originários de aquisição da propriedade, justamente por entender que o Estado substituiria o proprietário, cindindo a cadeia de transmissões, não vejo como afastar a relação existente entre dívida e responsabilidade em matéria de execução para reconhecer que se trata de modo originário de aquisição.
Vale, nesse sentido, a observação do processualista gaúcho supra mencionado, no sentido de que “respeitando a correlação entre dívida e responsabilidade (art. 591), ao Estado descabe expungir dos bens do executado alguns ônus (v.g., servidão de passagem que grava o imóvel penhorado), que beneficiam a terceiros, ou assegurar, tout court, o domínio apenas aparente do devedor em face do verus dominus. Também aqui calha o velho brocardo: não se transfere mais do que se tem (nemoplus iuris in alios transfere potest quam ipse haberet)” (idem, ib., p. 820).
Não desconheço que, em data relativamente recente, no julgamento da Apelação Cível n.° 0007969-54.2010.8.26.0604 (Relator o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Renato Nalini), este Conselho Superior da Magistratura, alterando posicionamento anterior, reconheceu que a arrematação constituía modo originário de aquisição da propriedade, e isso com fundamento em decisões do Superior Tribunal de Justiça, especialmente o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° AgRg no Ag n° 1.225.813, relatado pela Ministra Eliana Calmon, assim ementado:
EXECUÇÃO FISCAL – IPTU – ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL – AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ARREMATANTE – APLICAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. 1. A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação subrogam-se no preço da hasta. 2. Agravo regimental não provido.
No mesmo sentido, mencionaram-se na ocasião os seguintes precedentes: AgRg no Ag n° 1.225.813/SP, de 23/03/2010 (Relatora Ministra Eliana Calmon); REsp n° 1.059.102/RS, de 03/09/2009 (Relator Ministro Luiz Fux); REsp n° 1038800/RJ, de 20/08/2009 (Relator Ministro Herman Benjamin); REsp n° 807.455/RS, de 28/10/2008 (Relatora Ministra Eliana Calmon); REsp n° 40.191/SP, de 14/12/1993 (Relator Ministro Dias Trindade); e REsp n° 1.179.056/MG, de 07/10/2010 (Relator e Ministro Humberto Martins).
Em todos esses precedentes, a solução dada, a meu sentir, foi muito peculiar e relacionada, na quase totalidade dos casos, à responsabilidade tributária, especialmente à vista do disposto no parágrafo único do artigo 130 do Código Tributário Nacional, no sentido de que, no caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação do crédito tributário ocorre sobre o respectivo preço.
O fato de inexistir relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário (executado) e o adquirente (arrematante ou adjudicante) não afasta, contudo, o reconhecimento de que há aquisição derivada da propriedade.
Como destaca Josué Modesto Passos, “diz-se originária a aquisição que, em seu suporte fático, é independente da existência de um outro direito; derivada, a que pressupõe, em seu suporte fático, a existência do direito por adquirir. A inexistência de relação entre titulares, a distinção entre o conteúdo do direito anterior e o do direito adquirido originariamente, a extinção de restrições e limitações, tudo isso pode se passar, mas nada disso é da essência da aquisição originária” (PASSOS, Josué Modesto. A arrematação no registro de imóveis: continuidade do registro e natureza da aquisição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, pp. 111-112).
Como anotado acima, arrematação e adjudicação são negócios jurídicos entre o Estado e os adquirentes. O primeiro detém o poder de dispor e aceita a declaração de vontade dos adquirentes, não se podendo dizer, só por isso, que não houve relação causal entre a propriedade adquirida e a situação anterior da coisa.
Em outras palavras: nos casos de alienação forçada não deixa de haver vínculo entre a situação anterior da coisa e a propriedade adquirida, com a diferença que, nesses casos de transferência coativa, o ato figura mais complexo, justamente diante da participação do Estado.
Por isso, entendo que o fato de na arrematação não haver relação negocial direta entre o anterior proprietário e o adquirente não torna originária a aquisição da propriedade daí decorrente.
É certo que o precedente deste Conselho Superior da Magistratura, acima mencionado, buscou confortar situação bastante delicada, relacionada à indisponibilidade a que se refere o § 1º, do artigo 53, da Lei 8.212/91, ao reconhecer que referida indisponibilidade não impede que haja a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores referentes ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto. De qualquer modo, entendo que tal situação pode e deve ser contornada sem que para isso seja preciso reconhecer como modo originário de aquisição da propriedade a arrematação ou a adjudicação.
Nesse sentido, destaca-se a observação feita por Josué Modesto Passos, no sentido de que“a arrematação não pode serconsiderada um fundamento autônomo do direito que o arrematanteadquire. A arrematação é ato que se dá entre o Estado (o juízo) e o maiorlançador (arrematante), e não entre o mais lançador (arrematante) e oexecutado; isso, porém, não exclui que se exija – como de fato se exige –,no suporte fático da arrematação (e, logo, no suporte fático da aquisiçãoimobiliária fundada na arrematação), a existência do direito que, perdidopara o executado, é então objeto de disposição em favor do arrematante. Ora, se essa existência do direito anterior está pressuposta e é exigida, então – quod erat demonstrandum – a aquisição é derivada (e não originária)” (op. cit., p. 118).
A propósito, não há como simplesmente apagar as ocorrências registrárias anteriores ao ato de transmissão coativa, quando é da essência do registro público justamente resguardar as situações anteriores, situação que não se confunde com mecanismos de modulação dos efeitos da transmissão coativa, para atingir ou mesmo resguardar direitos de terceiros.
Parece-me até mesmo desnecessária qualquer tentativa de flexibilização das regras de continuidade e especialidade, no intuito de desatrelar a alienação forçada dos títulos dominiais pretéritos, porque não há óbice para que convivam harmonicamente, a partir de critérios de modulação de seus efeitos.
Nesse sentido é que o Superior Tribunal de Justiça, nos precedentes que serviram de paradigma para a decisão deste Conselho Superior da Magistratura, reconheceu a inexistência de responsabilidade tributária do arrematante por débitos tributários anteriores, sem que com isso se possa estender o raciocínio para abarcar a prescindibilidade da observância dos princípios da continuidade e da especialidade subjetiva, mesmo porque responsabilidade não se confunde com débito, embora normalmente correlatos (AgRg no Ag n° 1.225.813/SP, de 23/03/2010 (Relatora Ministra Eliana Calmon); REsp n° 1.059.102/RS, de 03/09/2009 (Relator Ministro Luiz Fux); REsp n° 1.038.800/RJ, de 20/08/2009 (Relator Ministro Herman Benjamin); REsp n° 807.455/RS, de 28/10/2008 (Relatora Ministra Eliana Calmon). Do mesmo modo, no REsp n° 40.191/SP, de 14/12/1993 (Relator Ministro Dias Trindade), que tratou da arrematação nos casos de existência de hipoteca; e no REsp n° 1.179.056/MG, de 07/10/2010 (Relator e Ministro Humberto Martins), que ressalvou os casos de obrigação propter rem.
Destaca-se, além disso, que a aventada modulação dos efeitos da transmissão coativa não é novidade, bastando lembrar do direito de sequela, típica hipótese em que não há propriamente o afastamento dos princípios registrários mencionados, mas uma adequação da cadeia registral.
Em suma: a arrematação não constitui modo originário de aquisição da propriedade, caindo por terra as alegações formuladas pelo recorrente.
Ante o exposto, rejeitam-se os presentes embargos.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
(DJe de 19.03.2015 – SP)