CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida inversa – Escritura pública de venda e compra de fração ideal adquirida, a seu turno, através de arrematação – Impossibilidade de recusa com base na suspeita de desmembramento irregular – Escritura que espelha alienação que já havia sido permitida na esfera jurisdicional – Recurso, porém, não conhecido, em face da não apresentação de título original.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0001432-90.2013.8.26.0360, da Comarca de Mococa, em que são apelantes APARECIDO CÉSAR QUILICE e GISLENE CRISTINA DE SISTO QUILICE, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MOCOCA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “JULGARAM PREJUDICADA A DÚVIDA, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 3 de março de 2015.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n° 0001432-90.2013.8.26.0100
Apelante: Aparecido César Quilice e Gislene Cristina de Sisto Quilice
Apelado: Oficial do Cartório de Registro de Imóveis de Mococa
VOTO N° 34.154
Registro de imóveis – Dúvida inversa – Escritura pública de venda e compra de fração ideal adquirida, a seu turno, através de arrematação – Impossibilidade de recusa com base na suspeita de desmembramento irregular – Escritura que espelha alienação que já havia sido permitida na esfera jurisdicional – Recurso, porém, não conhecido, em face da não apresentação de título original.
Trata-se de dúvida inversa, suscitada pelos interessados, em que se discute a recusa do Oficial do Registro de Imóveis de Mococa em registrar a escritura pública de venda e compra de fls. 05/06, por meio da qual adquiriram 3/62 avós de uma gleba de terra, com área de 16,01,22 hectares, desmembrada do imóvel denominado ‘Estância Três Marias’.
O registro da escritura foi negado com base na possibilidade de traduzir desmembramento irregular, com afronta à Lei n° 6.766/79. A sentença adotou esse mesmo entendimento.
Os interessados alegam que não houve qualquer irregularidade, ressaltando que a própria Prefeitura Municipal cobra IPTU individual dos lotes, asseverando, mais, que a arrematação que antecedeu a escritura – e que teve por objeto a mesma fração ideal – foi registrada sem nenhum óbice.
A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
A dúvida está prejudicada, porquanto a escritura pública de venda e compra de fls. 05/06 é uma cópia, não a via original.
Inobstante, tenho por conveniente que se analise a questão de fundo, evitando-se que, apresentada a via original, os interessados tenham de se valer novamente do procedimento.
Não se trata de exame de consulta a respeito de direito em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua, aqui, como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.
Ao contrário do exercício de função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, exercida no âmbito do julgamento das dúvidas, tem caráter disciplinador. Enquanto, na função jurisdicional, visa-se ao julgamento do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o julgamento das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas a servir de orientação aos registradores para casos análogos.
Logo, por esses dois ângulos é importante a análise do mérito, ainda que prejudicada a dúvida: a) evita-se a nova suscitação; b) fixa-se orientação para casos similares.
A solução afigura-se ainda mais correta no presente caso, em que se verifica que o MM. Juiz de Primeiro Grau não atendeu ao que determina o item 41.1.1, do Capítulo XX, das NSCGJ:
41.1.1. Caso o requerimento tenha sido instruído apenas com cópia do título, mesmo autêntica, o procedimento deverá ser convertido em diligência, para juntada do original, no prazo de 10 (dez) dias, sob pena de arquivamento.
Passa-se ao exame do caso, portanto.
O recurso, se conhecido, mereceria provimento.
O Oficial fundou sua recusa em item das Normas que, embora em vigor à época da recusa, já foi revogado. Tratava-se o item 151, assim redigido:
151. É vedado proceder a registro de venda de frações ideais, com localização, numeração e metragem certa, ou de qualquer outra forma de constituição de condomínio ordinário que desatenda aos princípios da legislação civil, caracterizadores, de modo oblíquo e irregular, de loteamentos ou desmembramentos.
O que pretendiam as Normas, nesse ponto, era evitar que odetentor de gleba a desmembrasse irregularmente, em afronta à Lei deParcelamento do Solo, alienando frações ideais.
A mesma preocupação foi repetida, agora, no item 170.4:
170.4. Nos desmembramentos, o oficial, sempre com o propósito de obstar expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da Lei n° 6.766, de 19 de dezembro de 1979, cuidará de examinar, com seu prudente critério e baseado em elementos de ordem objetiva, especialmente na quantidade de lotes parcelados, se se trata ou não de hipótese de incidência do registro especial. Na dúvida, submeterá o caso à apreciação do Juiz Corregedor Permanente.
No entanto, a hipótese sob análise é completamente diferente.
Os interessados adquiriram a fração ideal de um casal de arrematantes (Renato Figueiredo Miachon e sua esposa – fl. 24), que, por sua vez, haviam adquirido essa mesma fração ideal em hasta pública. Em termos simples: o casal arrematou 3/62 avós do imóvel, registrou a carta de arrematação – sem nenhum óbice, frise-se – e, depois, alienou a fração arrematada.
Não se compreende por qual razão a carta de arrematação – que retrata a alienação, embora forçada, da mesma fração ideal – foi registrada sem qualquer resistência, e que não se procede da mesma forma com a escritura de venda e compra.
Em segundo lugar, os alienantes não poderiam, sequer em tese, ter a intenção de fazer desmembramento irregular da área, pelo simples fato de que só dispunham da fração alienada. Ou seja, tinham 3/62 avós e venderam esses 3/62 avós. Nem eles nem os compradores foram responsáveis originários por qualquer desmembramento. Ao contrário, os vendedores arremataram, com o aval do Estado-Juiz, a área alienada.
Afasta-se, assim, completamente, a suspeita de que as partes da escritura tenham utilizado ‘expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da Lei n° 6.766, de 19 de dezembro de 1979′.
Por essa razão, não há como, após apresentada a via original da escritura pública de venda e compra, impedir o seu registro.
Nesses termos, pelo meu voto, com as considerações supra, julgo prejudicada a dúvida.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
(DJe de 29.04.2015 – SP)