CSM/SP: Carta de Adjudicação. Imóveis já penhorados em execução pela Fazenda Nacional. Bens indisponíveis. Registro inviável. Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.233-6/2, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante VIOLETA CURY CHAMMAS e apelado o 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com os votos do Desembargador Relator e do Desembargador Revisor que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores MARCO CÉSAR MÜLLER VALENTE, Presidente do Tribunal de Justiça, em exercício, e REIS KUNTZ, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, em exercício.

São Paulo, 16 de março de 2010.

(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Carta de Adjudicação – Imóveis já penhorados em execuções promovidas pela Fazenda Nacional – Indisponibilidade decorrente do art. 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91 – Impossibilidade de ingresso do título – Irrelevância da alegada anterioridade de penhora a favor do adjudicatário – Alegações de privilégio de crédito com garantia real e de suficiência patrimonial do executado que só podem ser discutidas na via jurisdicional, garantido o contraditório, e não neste procedimento de natureza administrativa – Impossibilidade de nele se acolher, por ausência de ressalva legal, a tese de que a indisponibilidade só atinge o proprietário do bem, mas não o credor que o adjudica – Negado provimento ao recurso.

Cuida-se de apelação interposta por Violeta Cury Chammas contra sentença que julgou procedente a dúvida suscitada pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, o qual recusou o registro de Carta de Adjudicação a favor do Banco do Estado de São Paulo S/A., oriunda de ação de execução movida por este contra Indústrias Reunidas São Jorge e outros (proc. nº 583.00.1995.802498-6, da 3ª Vara Cível Central da Capital), referente aos imóveis das matrículas de nºs. 935 a 941, das quais constam penhoras a favor da Fazenda Nacional. Segundo decidido, tais penhoras, “feitas com base no art. 53, §1º, da Lei nº 8.212/91, tornam os imóveis indisponíveis, de modo que, enquanto não levantadas, a carta de adjudicação não terá acesso ao fólio real” (fls.165/167).

Embargos de declaração foram rejeitados (fls. 172).

Em razões de apelo, alega a recorrente que a penhora a favor do adjudicatário é mais antiga; que este “além da penhora”, “detém a condição de credor hipotecário”; que os “antigos proprietários” dos imóveis têm “patrimônio suficiente para fazer frente a execução fiscal”; que a indisponibilidade “atinge somente o proprietário do bem, mas não o credor que adjudica”; e que o registro da adjudicação não impede que a penhora fiscal seja mantida, para futura discussão. Requer a reforma da decisão recorrida (fls. 174/177).

O Ministério Público considera “impertinente o reclamo”, destaca que a indisponibilidade decorre de lei e opina pelo “improvimento” (fls. 183/184).

É o relatório.

Imperativo explicitar, à guisa de premissa, que a origem judicial do título não o isenta de qualificação. Trata-se de posicionamento pacífico e bem conhecido.

Nesse diapasão, já se deixou assentado, em reiteração a pronunciamentos anteriores, que “também os títulos judiciais submetem-se à qualificação do oficial registrador, principalmente para a verificação de sua conformidade com os postulados e princípios registrários” (Apelação Cível nº 39.487-0/1, Catanduva, rel. Des. Márcio Martins Bonilha, j. 31/07/97).

Quanto à preponderância da indisponibilidade vislumbrada pelo Oficial, impeditiva do ingresso do título em comento, convém observar que tem alicerce na jurisprudência tranqüila deste Conselho (Apelações Cíveis nºs. 29.886-0/4, 96.485-0/0, 911-6/6, 03-6/6, 854-6/9, 646-6/0 e 584-6/6).

O argumento de que a penhora a favor do adjudicatário é mais antiga de nada vale para vulnerar a r. sentença, pois, como explanado no V. Acórdão proferido na Apelação Cível nº 854-6/9, da Comarca de Jundiaí (j. 01/07/2008), relatado pelo E. Des. Ruy Camilo, “os registros das penhoras promovidas em favor da Fazenda Nacional, em execução da dívida ativa, tornam o imóvel indisponível, na forma do parágrafo 1º do art. 53 da Lei nº 8.212/91, o que, por si só, impediria o registro da carta de adjudicação apresentada em momento subseqüente […]. A indisponibilidade assim imposta, como decidido por este Colendo Conselho Superior da Magistratura em ocasião anterior, prevalece mesmo quando o imóvel já se encontra penhorado em outra execução e naquela é objeto de alienação forçada”.

Trata-se, deveras, de orientação aqui pacificada, da qual são exemplos as seguintes ementas:

Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Negativa de acesso ao registro de carta de arrematação expedida em ação de execução fiscal movida pela Fazenda Estadual. Imóveis penhorados em outras ações de execução fiscal movidas pela Fazenda Nacional e pelo INSS. Indisponibilidade resultante do disposto no art. 53, § 1º, da Lei n. 8.212/1991. Irrelevância de a penhora e a arrematação terem se dado anteriormente às penhoras que ensejaram a indisponibilidade. Carta de arrematação apresentada a registro após a indisponibilidade. Registro inviável. Recurso não provido” (Apelação Cível nº 646-6/0, da Comarca de São Vicente, rel. Des. Gilberto Passos de Freitas).

“Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Negativa de acesso ao registro de carta de adjudicação expedida em ação de execução hipotecária. Imóveis penhorados em outras ações de execução fiscal movidas pela Fazenda Nacional e pelo INSS. Indisponibilidade resultante do disposto no art. 53, § 1º, da Lei n. 8.212/1991. Irrelevante investigar se a penhora e a adjudicação se deram anteriormente às penhoras que ensejaram a indisponibilidade. Carta de adjudicação apresentada a registro após a indisponibilidade. Registro inviável. Recurso não provido (Apelação Cível nº 584-6/6, da Comarca de Araçatuba, rel. Desembargador Gilberto Passos de Freitas)”.

Não merece guarida, igualmente, a alegação de que “além da penhora, o adjudicante detém a condição de credor hipotecário” (fls. 176). Conforme já se decidiu, com clareza, na anteriormente mencionada Apelação Cível nº 854-6/9, “diante do disposto no artigo 186 do Código Tributário Nacional, a alegação de privilégio do crédito com garantia real sobre o crédito tributário deve ser formulada na via própria, jurisdicional, em concurso de credores ou por outra forma em que preservado em favor da Fazenda Nacional o direito ao contraditório e ampla defesa”.

O mesmo raciocínio vale no tocante à assertiva de que os “antigos proprietários” dos imóveis têm “patrimônio suficiente para fazer frente a execução fiscal”. Aliás, a demonstração disto depende, por óbvio, de dilação probatória incabível nos estreitos lindes do procedimento de dúvida registrária, cuja natureza é eminentemente administrativa.

Quanto à tese de que a indisponibilidade só atinge o proprietário do bem, mas não o credor que o adjudica, está claro que não pode ser acolhida no bojo do presente procedimento, dada a ausência de ressalva legal. Impera, nesta peculiar seara, a legalidade estrita. E o parágrafo 1º do art. 53 da Lei nº 8.212/91 é categórico ao estabelecer que “os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis”. Como sobejamente sabido, ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus.

Por derradeiro, no que tange à idéia de que o registro da adjudicação não impediria que a penhora fiscal fosse mantida, para futura discussão, exposta pela apelante a partir de uma decisão de outro Tribunal, cumpre observar que tal julgado não afirma, propriamente, a possibilidade de registro de adjudicação em hipóteses quejandas, mas, apenas, que “subsiste a penhora que grava imóvel anteriormente constritado em garantia de execução fiscal, ainda que adjudicado por terceiro em execução diversa” (fls. 176). De qualquer modo, é patente que não faria sentido, ante a indisponibilidade expressamente prevista em lei, permitir o registro de título de transferência da propriedade, relegando qualquer discussão para o futuro.

Como se percebe, por qualquer prisma, a recusa do registrador há de ser mantida, assim como a r. sentença que a prestigiou.

Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

(a) MUNHOZ SOARES, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

Acompanho o nobre Relator.

Trata-se de recurso interposto por Violeta Cury Chammas contra a r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, recusando o registro de carta de adjudicação, por constar das respectivas matrículas penhoras a favor da Fazenda Nacional, geradoras da indisponibilidade dos bens.

É pacífico que título judicial, para ter acesso ao fólio real, sujeita-se à qualificação registrária, com rigorosa observância dos princípios que a regem.

Nos termos do artigo 53 da Lei nº 8.212/91, na execução judicial de dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas, será facultado ao exeqüente indicar bens à penhora, a qual será efetivada concomitantemente com a citação inicial do devedor, determinando o seu § 1º que “os bens penhorados nos termos deste artigo ficam desde logo indisponíveis”.

Desta feita, bens penhorados em execução judicial da dívida ativa da União, suas autarquias e fundações públicas se tornam indisponíveis desde a penhora.

De acordo com Maria Helena Diniz, indisponibilidade consiste na “qualidade do direito ou do bem de que não se pode dispor, ou seja, alienar ou transferir de um patrimônio a outro” (in Dicionário Jurídico. Vol. 2. Ed. Saraiva. São Paulo: 1998, p. 823.)

Resta saber se, como pretendido, adjudicação de bens indisponíveis por força do citado dispositivo legal pode ter acesso ao registro imobiliário.

A resposta é negativa, de acordo com sólida jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura. Como destacado no julgamento da Apelação Cível n º 03-6/6, Relator Des. Luiz Tâmbara, j. 04 de setembro de 2003:

“Nesse sentido, já se decidiu, no julgamento da Apelação Cível nº 75.066-0/4: A existência de indisponibilidade imposta por lei é o suficiente para impedir o registro do título em questão. É situação que cerceia atributo essencial da propriedade, ou seja, a faculdade de disposição do bem por seu titular, acarretando, em conseqüência, a incomunicabilidade e impenhorabilidade. Enquanto não vier o levantamento da indisponibilidade na esfera jurisdicional, persiste o óbice. “Em precedente do E. Conselho Superior da Magistratura decidiu-se que: ‘O outro óbice, contudo, não pode ser superado enquanto não liberadas as constrições decorrentes de penhoras concretizadas em execuções fiscais movidas pela Fazenda Nacional contra a pessoa jurídica que figura no registro como titular do domínio. A indisponibilidade a que se refere a Lei 8.212/91 não é aquela decorrente exclusivamente de ato jurídico bilateral, voluntário, e envolve inclusive a expropriação forçada e conseqüente de venda judicial para pagamento de obrigações do devedor. ‘ “A indisponibilidade é forma especial da inalienabilidade e de impenhorabilidade (cfr. Walter Ceneviva, “in” “Manual do Registro de Imóveis”, p. 143), impedindo, a exemplo do que ocorre com os casos de bens de diretores e sócios de sociedades e empresas em regime de liquidação extrajudicial, acesso de todo e qualquer título de disposição ou de oneração, ainda que confeccionado em data anterior à liquidação propriamente dita. O dispositivo tem caráter amplo e genérico, e não compete ao registrador interpretá-lo restritivamente” (Ap. Cív. nº 29.886-0/4 – SP, Rel. Des. Márcio Bonilha, j. 16.2.96).

“Sendo a inscrição da constrição preexistente à apresentação do novo título para registro, momento em que aferidas as condições para seu ingresso no fólio real, verifica-se, por força de expressa previsão legal de indisponibilidade dos bens, a inviabilidade do registro das novas constrições…”O fato de as duas penhoras nas execuções fiscais terem sido posteriores à penhora em discussão (8.3.96 – f. 17) em nada altera a situação dos autos, uma vez que a segunda constrição foi registrada primeiramente. Mesmo porque, “a indisponibilidade de bens é forma especial de inalienabilidade e impenhorabilidade, impedindo o acesso de títulos de disposição ou oneração, ainda que formalizados anteriormente à ordem de inalienabilidade” (CSM, Ap. Cív. nº 29.886-0/4 – SP, Rel. Des. Márcio Bonilha). “

No mesmo sentido, a Apelação Cível nº 749-6/0, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, j. 29 de novembro de 2007:

“Registre-se, de outra banda, que o entendimento ora adotado não se contrapõe à orientação atual deste Colendo Conselho, segundo a qual se mostra viável o registro de penhora de imóvel com indisponibilidade decorrente de dívida da União ou suas autarquias, já que ressalvada, de maneira expressa, nessa orientação, a impossibilidade do registro da carta de arrematação ou adjudicação eventualmente expedida.

“Pertinente, no ponto, transcrever trecho de aresto relatado pelo eminente Desembargador José Mário Antonio Cardinale, então Corregedor Geral da Justiça, na Apelação Cível n. 386-6/2, julgada em 06.10.2005:

“O imóvel objeto da arrematação judicial foi penhorado em processo executivo ajuizado pela Fazenda Nacional, tornandose, portanto, indisponível.

“Neste sentido é o entendimento pacífico do Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível nº 76.562-0/5, Americana e na Apelação Cível nº 79.730-0/4, Capital.

“A lei não faz distinção quanto à abrangência da indisponibilidade, que atinge tanto os atos voluntários de alienação, quanto os de venda judicial forçada, e nem haveria motivo para tal diferenciação.

“O Conselho Superior da Magistratura já teve oportunidade de decidir que a indisponibilidade é forma especial de inalienabilidade e de impenhorabilidade e que o dispositivo legal tem caráter genérico, e não compete ao registrador interpretálo restritivamente (Ap. Cível n. 76.562-0/5, j. 23.05.2001, Rel. Luís de Macedo).

“Convém ressaltar, neste ponto, que a presente decisão não destoa do entendimento recente firmado por este Egrégio Conselho Superior da Magistratura, externado nos autos da Apelação Cível nº 362-6/3, que considerou viável o registro de mandado de penhora de imóvel com indisponibilidade decorrente de dívida da União, porquanto naquela oportunidade ressalvouse, expressamente, que o imóvel objeto da matrícula poderia ser alienado, mas que o registro de eventual carta de arrematação ou adjudicação não teria ingresso no fólio real sem que baixada a restrição.”

Por sua vez, os julgados do Superior Tribunal de Justiça referidos no acórdão juntado na impugnação à dúvida suscitada (confira-se fls. 156/159) e novamente mencionado em razões de apelação (fls. 176), não corroboram a tese recursal, haja vista que tratam de matéria diversa.

No Resp nº 512.398 -SP (2003/0031765-1), Rel. Ministro Felix Fischer, j. 17 de fevereiro de 2004, ao se enfrentar a questão da indisponibilidade de imóvel penhorado em executivo fiscal, admitiu-se a possibilidade de sua alienação forçada em decorrência de segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores atinentes ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto, de conformidade com o artigo 711 do Código de Processo Civil.

Na espécie, em execução de cédulas de crédito industrial, houve adjudicação de imóveis, pelo valor da avaliação (fls. 114), ao exequente Banco Santander Banespa S.A., que cedeu os direitos dela oriundos à ora apelante (fls. 126/128).

Inexiste, desta forma, valor auferido com alienação forçada que possa resguardar o crédito fazendário.

Já o Resp nº 615.678-SP (2003/0220703-0), Rel. Ministra Eliana Calmon, j. em 24 de agosto de 2005, trata apenas da possibilidade de incidir nova penhora sobre imóvel já penhorado em execução fiscal e, portanto, indisponível, a teor do artigo 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91, desde que garantido o crédito da Fazenda Nacional.

Em suma, diante da indisponibilidade dos bens, inviável o registro do título.

Nego, pois, provimento ao recurso.

(a) MARCO CÉSAR MÜLLER VALENTE, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça (D.J.E. de 10.05.2010)