STJ: Recurso especial – Direito civil – Ação de anulação de testamento público – Formalidades legais – Prevalência da vontade do testador – Reexame de prova – Impossibilidade – Súmula 7⁄STJ – Ofensa ao art. 535 do CPC não configurada – Honorários advocatícios – Modificação em razão da reforma da sentença de procedência – Possibilidade – Ausência de ofensa aos art. 460 e 515 do CPC – 1. Em matéria testamentária, a interpretação deve ser voltada no sentido da prevalência da manifestação de vontade do testador, orientando, inclusive, o magistrado quanto à aplicação do sistema de nulidades, que apenas não poderá ser mitigado, diante da existência de fato concreto, passível de ensejar dúvida acerca da própria faculdade que tem o testador de livremente dispor acerca de seus bens, o que não se faz presente nos autos – 2. A verificação da nulidade do testamento, pela não observância dos requisitos legais de validade, exige o revolvimento do suporte fático probatório da demanda, o que é vedado pela Súmula 07⁄STJ – 3. Inocorrência de violação ao princípio da unidade do ato notarial (art. 1632 do CC⁄16) – 4. Recurso especial desprovido.

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO PÚBLICO. FORMALIDADES LEGAIS. PREVALÊNCIA DA VONTADE DO TESTADOR. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7⁄STJ. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MODIFICAÇÃO EM RAZÃO DA REFORMA DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE OFENSA AOS ART. 460 E 515 DO CPC. 1. Em matéria testamentária, a interpretação deve ser voltada no sentido da prevalência da manifestação de vontade do testador, orientando, inclusive, o magistrado quanto à aplicação do sistema de nulidades, que apenas não poderá ser mitigado, diante da existência de fato concreto, passível de ensejar dúvida acerca da própria faculdade que tem o testador de livremente dispor acerca de seus bens, o que não se faz presente nos autos. 2. A verificação da nulidade do testamento, pela não observância dos requisitos legais de validade, exige o revolvimento do suporte fático probatório da demanda, o que é vedado pela Súmula 07⁄STJ. 3. Inocorrência de violação ao princípio da unidade do ato notarial (art. 1632 do CC⁄16). 4. Recurso especial desprovido. (STJ – REsp nº 753.261 – SP – 3ª Turma – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJ 05.04.2011)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Vasco Della Giustina,por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ⁄RS), Nancy Andrighi, Massami Uyeda e Sidnei Beneti votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 23 de novembro de 2010 (Data do Julgamento)

Ministro Paulo de Tarso Sanseverino – Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

Trata-se de recurso especial, interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, em ação ordinária buscando a anulação de testamento, por maioria, deu provimento à apelação dos réus, em acórdão assim ementado:

TESTAMENTO – Nulidade – Não se reveste de nulidade testamento elaborado pelo Tabelião, consoante minuta do testador, e que, perante as testemunhas instrumentárias, foi lido pelo Tabelião, com ratificação expressa do testador – Exegese do art. 1.632, I do C.Ci.

TESTAMENTO – Anulabilidade perseguida por doença mental do testador – Se o laudo retrospectivo não traz certeza absoluta sobre ser o “de cujus” portador de doença de Binswanger e do grau de declínio cognitivo quando do ato notarial, na dúvida, prevalecerá a vontade indesmentida do testador – Provas conflitantes desautorizadoras de nulidade.

LIBELO – Não constando do libelo pedido de nulidade da cláusula excludente de legítimas e da doação infringente do art. 1.176 do C.Ci., fica a ressalva de que deve a primeira ser discutida nos autos de inventário e a segunda, ou nestes ou em ação própria – Recursos dos réus e testamenteiro providos e prejudicado o dos autores. (fl. 2093)

Opostos embargos de declaração pelas partes, foram rejeitados (fls. 2167⁄2171).

Irresignados com o julgamento da apelação, com base no voto vencido, os autores opuseram embargos infringentes buscando a reforma do julgado com a prevalência do voto vencido, que mantinha a sentença de procedência do pedido. O acórdão dos embargos infringentes foi assim ementado:

TESTAMENTO – Ação de nulidade – Embargos Infringentes – Pretensão dos embargantes, autores, de prevalecimento do voto minoritário que confirmava a sentença de procedência da ação de nulidade, proferida em primeiro grau – Prova, no entanto, insuficiente à declaração de nulidade do testamento – Prevalência da decisão majoritária – Embargos rejeitados. (fl. 2349)

Opostos embargos de declaração pelos autores, foram rejeitados (fl. 2383⁄2385).

No recurso especial, os recorrentes apontam, além de dissídio jurisprudencial, ofensa aos seguintes dispositivos: (I) art. 535 do CPC, porquanto o acórdão recorrido foi omisso na análise de um dos pontos principais da ação, qual seja, a inobservância do princípio da unidade do ato na lavratura do testamento, visto que teria vindo pronto do Cartório, conforme afirmado pela própria Ré Cleide; (II) arts. 165 e 458 do CPC, porque, não tendo sido enfrentada a questão da nulidade do testamento por inobservância do referido princípio, o acórdão é carente de fundamentação; (III) art. 1.632 do CC⁄16, porquanto referido dispositivo condiciona a validade do testamento ao cumprimento de quatro requisitos indispensáveis e cumulativos, sendo que, no caso, o testamento foi lavrado no Cartório de Notas, “sem a presença indispensável do testador e das cinco testemunhas, para só depois, em outro dia e em outro local, serem colhidas as assinaturas daqueles que, por força da lei violada pelo v. acórdão recorrido, deveriam ter presenciado todo o ato do começo ao fim, ato esse que não poderia ser cindido” (fl. 2413); (IV) arts. 460 e 515 do CPC, pois o acórdão recorrido, ao dar provimento ao apelo dos réus, majorou a verba honorária sem que houvesse pedido expresso por parte dos ora recorridos; e na hipótese deveria ter se limitado a inverter os ônus da sucumbência. Em contrarrazões, os recorridos pugnam, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso especial por força do óbice da Súmula 07⁄STJ. No mérito, pedem a manutenção do julgado.

No parecer de fls. 2715⁄2721, o MPF opinou pelo conhecimento parcial do recurso especial e, na parte conhecida, pelo seu desprovimento.

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO (Relator):

1. Não ofende o art. 535 do CPC, tampouco importa negativa de prestação jurisdicional ou ausência de fundamentação, o acórdão que, mesmo não examinando individualmente cada um dos argumentos trazidos pela parte, decide de modo integral e com fundamentação suficiente a controvérsia posta.

Os recorrentes sustentam que o acórdão é nulo porquanto foi omisso na análise de uma de suas teses, qual seja, a de que o testamento não observou o princípio da unidade do ato, o que acabou por acarretar, também, a sua ausência de fundamentação.

Contudo, tanto o acórdão que julgou a apelação quanto o acórdão dos embargos infringentes analisaram a questão referente à observância dos requisitos formais do testamento, conforme se observa dos seguintes excertos:

Acórdão da apelação:

2. Quanto ao pleito de nulidade do testamento, por alegada inobservância das formalidades legais, tenho que também não comporta guarida.

(…)

Ora, não só o oficial que lavrou o testamento portou por fé pública haverem sido obedecidas as formalidades legais, de sorte que aos autores, a teor do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil, competia produzir prova em contrário, como não há dúvida alguma de que o testador, previamente, lhe entregou a minuta do testamento, que aprovou por excrito (cf. fls. 299⁄300).

Ademais, restou comprovado, por meio dos depoimentos dos Dra. Fernando Menezes Braga e Paulo Bobadilha de Carvalho Fontes, ambos testemunhas da lavratura do testamento, que o testador, à ocasião, não só estava lúcido, como o ato representava a sua vontade (fls. 1.487⁄1.488 e 1.517), ratificando o que já haviam afirmado quando foram entrevistados pelo Dr. Alvaro Pacheco e Silva, assistente técnico dos réus (fls. 902 e 906).

O que faz irrelevante o fato do Oficial, de posse da minuta que lhe fora entregue pelo testador, haver se dirigido inicialmente ao tabelionato, para fazer imprimir o testamento no livro próprio do cartório, e depois com ele voltar à residência do Sr. Amador Aguiar, para dar cumprimento às demais formalidade legais.

Pois como decidiu o Colendo Superior Tribunal de Justiça, “o testamento é um ato solene que deve submeter-se a numerosas formalidades que não podem ser descuradas ou postergadas, sob pena de nulidade. Mas todas essas formalidades não podem ser consagradas de modo exacerbado, pois a sua exigibilidade deve ser acentuada ou minorada em razão da preservação dos dois valores a que elas se destinam – razão mesma de ser do testamento -, na seguinte ordem de importância: o primeiro, para assegurar a vontade do testador, que já não poderá mais, após o seu falecimento, por óbvio, confirmar a sua vontade ou corrigir distorções, nem explicitar o seu querer que possa ter sido expresso de forma obscura ou confusa. O segundo, para proteger o direito dos herdeiros do testador, sobretudo dos seus filhos” (RSTJ 148⁄467, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha). (fls. 2114)

Acórdão dos embargos de declaração:

Outrossim, quanto à nulidade por inobservância da unidade do ato, a questão foi analisada em detalhes. O testamento atendeu os requisitos legais, a forma solene exigida, e a presença de um testador, à ocasião com lucidez, confirmando-o integralmente. (fl. 2170)

Acórdão dos embargos infringentes:

No caso em espécie, o ato testamentário se revelou formalmente perfeito, como certificado pelo oficial. Tal certidão porta fé pública, até prova em contrário (fls. 41⁄43).

Outrossim, os embargantes não trouxeram elementos probatórios suficientes à desconstituição do ato, permanecendo, portanto, a presunção de sua veracidade e regularidade. (fl. 2352)

Acórdão dos embargos de declaração:

No vertente caso, pretendem os embargantes discutir o peso probatório da declaração prestada pela co-ré Cleide. O aresto embargado, examinando não apenas o referido depoimento mas todo o conjunto probatório, concluiu inexistir irregularidade formal capaz de ensejar a anulação do testamento, afirmando que os elementos constantes dos autos são insuficientes para esse mister. (fl. 2384)

Percebe-se, portanto, que o Tribunal de origem julgou, com fundamentação suficiente, a matéria devolvida à sua apreciação, razão pela qual não há que se falar em nulidade do acórdão recorrido.

2. No que tange à nulidade do testamento, por ofensa ao art. 1.632 do CC⁄16, entendo que deve ser mantido o acórdão recorrido.

A tese dos recorrentes é no sentido de que houve confissão, por parte da ré Cleide, de que o testamento teria vindo pronto do Cartório, o que resultaria na não observância do princípio da unidade do ato. Não merece acolhida essa alegação.

Inicialmente, não restou demonstrado que o testador, ao tempo da elaboração do testamento, sofria de doença mental que o impedisse de ter o devido discernimento acerca do que estava declarando, devendo prevalecer a vontade do testador, ainda que se sustente a ocorrência de eventual inobservância aos requisitos formais do testamento que, no caso, não restou comprovada.

Já tive a oportunidade de me manifestar sobre o tema no julgamento do RESP 1001674⁄SC, 3ª Turma, DJe de 15⁄10⁄2010, assim ementado:

AÇÃO DE ANULAÇÃO DE TESTAMENTO CERRADO. INOBSERVÂNCIA DE FORMALIDADES LEGAIS. INCAPACIDADE DA AUTORA. QUEBRA DO SIGILO. CAPTAÇÃO DA VONTADE. PRESENÇA SIMULTÂNEA DAS TESTEMUNHAS. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7⁄STJ.

1. Em matéria testamentária, a interpretação deve ser voltada no sentido da prevalência da manifestação de vontade do testador, orientando, inclusive, o magistrado quanto à aplicação do sistema de nulidades, que apenas não poderá ser mitigado, diante da existência de fato concreto, passível de colocar em dúvida a própria faculdade que tem o testador de livremente dispor acerca de seus bens, o que não se faz presente nos autos.

2. O acórdão recorrido, forte na análise do acervo fático-probatório dos autos, afastou as alegações da incapacidade física e mental da testadora; de captação de sua vontade; de quebra do sigilo do testamento, e da não simultaneidade das testemunhas ao ato de assinatura do termo de encerramento.

3. A questão da nulidade do testamento pela não observância dos requisitos legais à sua validade, no caso, não prescinde do reexame do acervo fático-probatório carreado ao processo, o que é vedado em âmbito de especial, em consonância com o enunciado 7 da Súmula desta Corte.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

No voto condutor do acórdão, me manifestei nos seguintes termos, na parte em que interessa ao julgamento do presente recurso:

De início, a respeito do pouco uso instituto do testamento em nosso meio, convém trazer à baila os elucidativos comentários de Sílvio de Salvo Venosa:

“No entanto, ao lado das causas que comumente se apontam tais como a exigência da sucessão legítima, como tendência natural dos titulares de patrimônio, ou o apego à vida, porque testar é se lembrar da morte, há o fato de que o excesso de solenidades do testamento, com o risco sempre latente de o ato poder sofrer ataques de anulação após a morte, afugenta os menos esclarecidos e mesmo aqueles que, por comodismo, ou receio de ferir suscetibilidades, não se abalam em pensar em disposições de última vontade.”

(…)

“Destarte, o direito testamentário deve voltar-se para as transformações que sofrem hoje a família e a propriedade, procurando a lei acompanhar agora os novos fenômenos sociais.

Assim, sem esquecer do formalismo inerente ao testamento, invólucro que tem em mira validamente proteger a vontade do morto, tal formalismo deve ser adaptado à época do computador, para servir àquelas duas instituições, dinamizando-se as disposições do Código Civil, já anacrônicas, hoje mero exemplo de academismo jurídico.

Daí porque plenamente dispensável o excessivo número de regras para interpretar a linguagem testamentária.” (cf. “Direito Civil; 3ª ed., Ed. Atlas, vol.VII, pp. 127⁄128, São Paulo, 2003).

Com isso em mente, devemos observar que, em matéria testamentária, a interpretação volta-se no intuito de fazer prevalecer a vontade do testador, que deverá orientar, inclusive, o magistrado quanto à aplicação do sistema de nulidades, que somente não poderá ser afastado, diante da existência de fato concreto, passível de colocar em dúvida a própria faculdade que tem o testador de livremente dispor acerca de seus bens.

Confiram-se, a esse respeito, os seguintes precedentes:

TESTAMENTO CERRADO. Auto de aprovação. Falta de assinatura do testador.

Inexistindo qualquer impugnação à manifestação da vontade, com a efetiva entrega do documento ao oficial, tudo confirmado na presença das testemunhas numerarias, a falta de assinatura do testador no auto de aprovação é irregularidade insuficiente para, na espécie, causar a invalidade do ato. Art. 1638 do CCivil.

Recurso não conhecido.” (REsp 223799⁄SP, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, DJ 17⁄12⁄1999 p. 379)

TESTAMENTO CERRADO. ESCRITURA A ROGO.

NÃO IMPORTA EM NULIDADE DO TESTAMENTO CERRADO O FATO DE NÃO HAVER SIDO CONSIGNADO, NA CEDULA TESTAMENTARIA, NEM NO AUTO DE APROVAÇÃO, O NOME DA PESSOA QUE, A ROGO DO TESTADOR, O DATILOGRAFOU.

INEXISTENCIA, NOS AUTOS, DE QUALQUER ELEMENTO PROBATORIO NO SENTIDO DE QUE QUALQUER DOS BENEFICIARIOS HAJA SIDO O ESCRITOR DO TESTAMENTO, OU SEU CONJUGE, OU PARENTE SEU. EXEGESE RAZOAVEL DOS ARTIGOS 1638, I, E 1719, I, COMBINADOS, DO CODIGO CIVIL.

ENTENDE-SE CUMPRIDA A FORMALIDADE DO ARTIGO 1638, XI, DO CODIGO CIVIL, SE O ENVELOPE QUE CONTEM O TESTAMENTO ESTA CERRADO, COSTURADO E LACRADO, CONSIGNANDO O TERMO DE APRESENTAÇÃO SUA ENTREGA AO MAGISTRADO SEM VESTIGIO ALGUM DE VIOLAÇÃO.

RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.” (REsp 228⁄MG, Rel. Ministro ATHOS CARNEIRO, QUARTA TURMA, DJ 04⁄12⁄1989 p. 17884)

Aliás, vetusta é a lição, advinda do Supremo Tribunal Federal, de que “a insanidade mental do testador, causa de anulação do testamento tem de ser provada inequívoca e completamente, pois a capacidade é sempre presumida.” (RE 21731, Relator(a): Min. LUIZ GALLOTTI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20⁄04⁄1953, ADJ DATA 05-10-1953 PP-02934).

Seguindo esse eixo interpretativo é que o tribunal a quo decidiu a lide, sopesando o depoimento das testemunhas que participaram do encerramento do testamento em questão, para então concluir:

Nada se provou acerca da captação da vontade da testadora, a não ser que se dotasse as meras insinuações vertidas dos autos de parâmetros de prova cabal e irrefutável” (fls. 609).

(…)

“Frise-se que o essencial, em sede de testamento cerrado, é que o escrito disponente dos bens do testador encerre o desejo pelo mesmo expressamente manifestado.

Isso, convenhamos, ocorreu na hipótese questionada neste apelo, posto que as testemunhas da apresentação do testamento em cartório presenciaram essa apresentação, tendo ouvido da testadora a declaração de ser aquela a sua vontade” (fls. 611⁄612).

(…)

“Quanto ao possível descumprimento de algumas solenidades previstas em lei, mormente aquela relativa à não presença simultânea de cinco testemunhas no ato da entrega do testamento pela de cujus e quando da lavratura do termo de encerramento do testamento atacado, tem-se que a prova não é firme e precisa a encampar as assertivas das acionantes; nenhum adminículo probante existe, de outro lado, a afirmar que as testemunhas testamentárias tenham assinado o ato de disposição em apreço em dias sucessivos.” (fls. 612).

Ademais, nessa quadra, é de se ponderar, nos termos da jurisprudência desta Casa, que “o rigor formal deve ceder ante a necessidade de se atender à finalidade do ato, regularmente praticado pelo testador.”

Confira-se:

RECURSO ESPECIAL. TESTAMENTO PARTICULAR. VALIDADE. ABRANDAMENTO DO RIGOR FORMAL. RECONHECIMENTO PELAS INSTÂNCIAS DE ORIGEM DA MANIFESTAÇÃO LIVRE DE VONTADE DO TESTADOR E DE SUA CAPACIDADE MENTAL. REAPRECIAÇÃO PROBATÓRIA. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7⁄STJ.

I – A reapreciação das provas que nortearam o acórdão hostilizado é vedada nesta Corte, à luz do enunciado 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

II – Não há falar em nulidade do ato de disposição de última vontade (testamento particular), apontando-se preterição de formalidade essencial (leitura do testamento perante as três testemunhas), quando as provas dos autos confirmam, de forma inequívoca, que o documento foi firmado pelo próprio testador, por livre e espontânea vontade, e por três testemunhas idôneas, não pairando qualquer dúvida quanto à capacidade mental do de cujus, no momento do ato. O rigor formal deve ceder ante a necessidade de se atender à finalidade do ato, regularmente praticado pelo testador.

Recurso especial não conhecido, com ressalva quanto à terminologia.” (REsp 828616⁄MG, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, DJ 23⁄10⁄2006 p. 313)

No caso dos autos, foi afastada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a incapacidade mental do testador no momento da elaboração do testamento, não tendo os recorrentes se insurgido quanto a tal questão.

Em relação ao aspecto formal do testamento, o acórdão recorrido consignou que “o ato testamentário se revelou formalmente perfeito, como certificado pelo oficial. Tal certidão tem fé pública, até prova em contrário” (fl. 2352). Afirmou, ainda, que os autores “não trouxeram elementos probatórios suficientes à desconstituição do ato, permanecendo, portanto, a presunção de sua veracidade e regularidade” (fl. 2352). Além disso, o Desembargador Alfredo Migliore, ao julgar a apelação, referiu o seguinte:

“É evidente que a lucidez do testador deve ser aferida no momento da leitura e da assinatura do testamento. Obviamente, além do advogado que o deve ter assistido à ocasião, e do escrivão, que portou fé ser aquela sua vontade, cinco (5) pessoas testemunharam, que o o Sr. Amador Aguiar sabia o que estava fazendo, era quilo que ele queria” (fl. 2103).

Ora, fica evidente a inocorrência de demonstração de violação às formalidades legais do art. 1632 do CC⁄16, sendo o Tribunal a quo soberano na apreciação das provas, não cabendo a esta Corte, em sede de recurso especial, reapreciar o conjunto fático-probatório da causa na busca de elementos que possam levar à conclusão de que, de fato, não foram observados os requisitos de validade, por força do que dispõe a Súmula 07⁄STJ.

3. Em relação aos honorários advocatícios, sem razão os recorrentes. A sentença condenou os réus ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor corrigido da causa (Cr$ 1.000.000,00 – hum milhão de cruzeiros). Contudo, com o julgamento da apelação, houve a total reforma da sentença que julgou procedente o pedido. Com isso, cabia ao Tribunal enfrentar novamente a questão referente aos honorários advocatícios, não sendo obrigado a simplesmente inverter os encargos da sucumbência. Considerando que o acórdão recorrido julgou improcedente o pedido, a fixação dos honorários advocatícios deve se dar pautada no art. 20, § 4º, do CPC. Por tal razão, entendeu o Tribunal a quo, por apreciação equitativa, fixar os honorários em R$ 150.000,00. Portanto, não há que se falar em ofensa aos arts. 460 e 515 do CPC.

4.Diante do exposto, nego provimento ao recurso especial. É o voto.

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ⁄RS): Em síntese, impugnam os recorrentes o testamento “sub judice”, sob um fundamento básico: não observância do princípio da unidade do ato.

Inicialmente, supero as alegações de violação aos arts. 535, 165, 458, 460 e 515 do CPC, acompanhando o voto do douto Relator, assim como em relação aos honorários.

Também afasto a arguição de deserção, suscitada nas contrarrazões, porquanto eventual constatação da insuficiência do valor recolhido a título de preparo, pelas instâncias ordinárias, ensejaria, necessariamente, oportunidade de complementação, na linha da jurisprudência pacífica desta Corte, como se colhe dos seguintes julgados, representativos do entendimento consolidado:

PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. PREPARO INSUFICIENTE. NÃO COMPROVAÇÃO, NO MOMENTO DA INTERPOSIÇÃO DO RECURSO, DA PARTE RELATIVA AO PORTE DE REMESSA E RETORNO. CPC, ART. 511.

1. O preparo do recurso diz respeito ao pagamento de todas as despesas processuais para que ele possa prosseguir, inserindo-se também nesse conceito genérico o valor correspondente ao porte de remessa e retorno.

2. A insuficiência do valor recolhido a título de preparo, no momento da interposição do recurso, não pode ser compreendida como falta do seu pagamento, devendo ser assegurada à parte a oportunidade para a sua complementação.

3. Embargos de divergência conhecidos, mas rejeitados.

(EREsp 202.682⁄RJ, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, CORTE ESPECIAL, julgado em 02⁄10⁄2002, DJ 19⁄05⁄2003, p. 107).

PROCESSUAL CIVIL. INSUFICIÊNCIA DE PREPARO. ART. 511, § 2º, DO CPC. RECOLHIMENTO DAS CUSTAS. POSSIBILIDADE DE COMPLEMENTAÇÃO DO VALOR CORRESPONDENTE AO PORTE DE REMESSA E RETORNO. DESERÇÃO NÃO CONFIGURADA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS.

1. O preparo do recurso consiste na efetuação, por parte do recorrente, do pagamento dos encargos financeiros que dizem respeito ao recurso interposto, e que englobam: as custas do processamento do recurso nos tribunais, e os portes de remessa e retorno dos autos ou do instrumento, no caso de agravo nesta modalidade.

2. A insuficiência do preparo, in casu, o recolhimento a menor do valor devido a título de porte e retorno dos autos, não implica, em princípio, a incidência automática da pena de deserção, haja vista a previsão de concessão de 5 dias para a complementação do mesmo, a teor do art. 511, § 2°, do CPC. Precedentes jurisprudenciais do STJ: RESP 886502, Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ 15.12.2006; RESP 725549 Ministro Luiz Fux, DJ 27⁄04⁄2006; AG 568109⁄MA, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJU 15⁄04⁄2004; RESP 203675⁄RJ, Relator Ministro Barros Monteiro, DJU 13⁄09⁄1999; RESP 192727⁄RJ, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 15⁄03⁄1999; RESP 262678⁄MG, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJU 11⁄06⁄2001 e RESP 460420⁄MG, Relator Ministro José Delgado, DJU 11⁄09⁄2003.

3. A complementação do preparo deve ser oportunizada antes da decretação da deserção não merecendo reparos o acórdão da Corte de origem que assim procedeu.

4. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no Ag 858.335⁄GO, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04⁄03⁄2008, DJe 07⁄05⁄2008).

Nesse contexto, referida alegação não poderia ensejar o não conhecimento do recurso especial, sob pena de a desídia da Corte a quo, quanto à indispensável intimação dos recorrentes para eventual complementação do preparo, configurar ofensa ao princípio constitucional do devido processo legal.

Já no que diz com a incapacidade mental do testador no momento da elaboração do testamento, os recorrentes não aventaram, no especial, tal fundamento, daí que não enfrento a questão.

Segundo os recorrentes, “o testamento foi adrede preparado em cartório, digitado em computador, sendo impresso no livro de notas, sem a presença indispensável do testador e das testemunhas, e levado já pronto e acabado para a residência da ré, em outro dia (cf. anotação no documento de fls. 300 – 2º vol.), para ali se colher a assinatura do testador e das testemunhas que lá aguardavam o Escrivão Interino” (fl. 2431, vol. 13).

E continuam: “As testemunhas e o testador não assistiram todo o ato. O testamento foi lavrado em Cartório – sem a presença de Amador Aguiar e das testemunhas – para depois, em outro dia e local, serem colhidas as assinaturas daqueles que, para a validade do testamento, deveriam ter presenciado todo o ato, do começo ao fim. Testamento assim lavrado é nulo de pleno direito, porque o art. 1.632 do Código Civil anterior exige que o ato seja uno e presenciado, o tempo todo, pelo testador, pelas testemunhas e pelo Tabelião” (fl. 2431, vol. 13).

Mais adiante arrolam os recorrentes escólio de Orlando Gomes: “O testamento tem de ser escrito em presença das testemunhas, que não podem, portanto, afastar-se do local onde está a ser lavrado. Importa que assistam a todo o ato. Devem permanecer juntas ao tabelião e ao testador até a conclusão da escritura. (…) (In “Sucessões, 2ª. ed. Forense, pags. 130 e 131)” (fl. 2439, vol. 13).

Nesta linha, o parecer do Prof. Rui Geraldo Camargo Viana registra que “há, inequivocamente, quebra da unidade do ato, quando o testamento é redigido no Cartório de Notas, sem a presença do testador e das testemunhas, baseado em minuta previamente elaborada, e, somente depois de dias, ser levado à casa do testador para ser assinado por ele e pelas testemunhas” (fl. 2855, vol. 14).

E acrescenta o citado parecerista: “(…) as declarações do Escrivão Interino não correspondem ao que está certificado no Livro de Notas. (…) quando se examina a certidão extraída do Livro de Notas do Escrivão Interino e por ele autenticada, começa-se a perceber que não foi desse modo que os fatos efetivamente ocorreram. Nota-se que o testamento foi escrito via computador, gravado em disquete próprio, impresso e finalmente prensado no Livro de Notas, ou seja, não houve ditado do testador, pois o testamento veio pronto de Cartório. O testador teria elaborado uma minuta que continha as disposições de última vontade. Essa minuta não foi redigida na presença das testemunhas, nem sua entrega em Cartório foi acompanhada por elas. Não houve ditado do testador, como assegurou o Escrivão. A lavratura do testamento foi feita em Cartório, sem a presença do testador e das testemunhas, e somente dias depois foi levada à casa de Amador Aguiar. Essas afirmações foram também confirmadas por Cleide Aguiar (…)” (parecer de fls. 2856⁄2857, vol. 14).

E arremata o parecer: “A mitigação das formalidades legais deve ser feita apenas excepcionalmente, nunca indiscriminadamente, em razão de ser a única garantia para assegurar a veracidade da vontade manifestada pelo testador (…). Apenas quando não existe dúvida alguma acerca da lisura na elaboração do testamento é que a mitigação das formalidades será admitida, desde que justificada” (fl. 2874, vol. 14).

O douto Relator, em seu voto aduz que “não restando demonstrado que o testador, ao tempo da elaboração do testamento, sofria de doença mental que o impedisse de ter o devido discernimento sobre o que estava declarando, deve prevalecer a vontade do testador, ainda que se sustente a ocorrência de eventual inobservância aos requisitos formais do testamento, que, no caso, não restou comprovada” (fl. 5, do voto).

E prossegue: “o acórdão recorrido consignou que o ‘ato testamentário se revelou formalmente perfeito, como certificado pelo oficial. Tal certidão tem fé pública, até prova em contrário’” (fl. 2352). Asseverou, ainda, que os autores “não trouxeram elementos probatórios suficientes à desconstituição do ato, permanecendo, portanto, a presunção de sua veracidade e regularidade” (fl. 9, do voto).

E conclui: “não cabe a esta Corte, em sede de recurso especial, reapreciar o conjunto fático-probatório” (fl. 9, do voto).

Tenho que razão assiste ao douto Relator.

O parecer encartado pelos próprios recorrentes, a meu sentir, fornece a chave da solução do problema, quando assinala que a mitigação das formalidades pode ser admitida, desde que justificada.

Ora, no caso, o que se acoima o testamento é de não ter seguido o figurino legal.

Todavia, os autos demonstraram que a não subsunção exata dos fatos à norma, nem por isto feriu a lisura na elaboração do testamento.

O ilustrado Prof. Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em seu douto parecer, registra que, em relação à unicidade do ato, “o que se quer é que a manifestação da vontade do testador, a leitura do texto e a sua assinatura por todos (testemunhas, testador e tabelião) aconteçam em um mesmo ato, sem interrupções significativas que possam lançar dúvida sobre a identidade entre o que foi declarado e a final registrado. Por isso, não teria validade o testamento se a declaração de vontade do testador ocorresse em certo dia e local, e as assinaturas das testemunhas fossem colhidas em outro. Na espécie, essa unicidade foi guardada, pois, no dia consignado no instrumento, aconteceu a declaração do testador, a leitura do texto e a sua assinatura, com a participação das pessoas mencionadas na lei” (fls. 2801 e 2802, vol. 14).

Contrapõem, todavia, os recorrentes alegando que o testamento não foi lavrado na presença do testador, nem das testemunhas. Foi lavrado no cartório e levado à residência do testador para que fosse assinado. Não foi ditado pelo testador na presença de cinco testemunhas que, portanto, não assistiram a todo ato.

Ora, o Tribunal paulista respondeu a esta questão, analisando faticamente os autos, para concluir: “o que faz irrelevante o fato do Oficial, de posse da minuta que lhe fora entregue pelo testador, haver se dirigido inicialmente ao tabelionato, para fazer imprimir o testamento no livro próprio do cartório, e depois com ele voltar à residência do Sr. Amador Aguiar, para dar cumprimento às demais formalidades legais” (fl. 2114).

A saúde do testador, homem de mais de 85 anos, justifica que ele não tenha previamente se dirigido ao cartório, e sim, que tenha encaminhado minuta ao cartório, sendo que o Oficial, formalizada esta, tenha voltado à residência e lido o seu conteúdo, perante as pessoas já mencionadas.

Entendo, pois, que a lisura na elaboração do testamento não padece de dúvidas e que a mitigação da formalidade está amplamente justificada.

Ademais, nesta linha já decidiu o STF:

“Não é nulo o testamento feito mediante entrega, pelo testador, de minuta preparada por terceiro, mas com a declaração por ele refeita, perante o notário e as testemunhas, de que aquele é o seu testamento” (Revista Forense, 92⁄393).

“Não é indispensável que a testadora dite sua vontade, se a minuta que entregou ao tabelião é por ela declarada como a contendo assim a ratifica perante as testemunhas (ERE 56.359,RS, Pleno, DJU de 1.12.1967).

No que diz com a incidência da letra “c” do inciso III do art. 105 da Carta Federal, não restou caracterizado o dissídio jurisprudencial, com relação à interpretação do art. 1632 do Código Civil de 1916.

A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles. Indispensável a transcrição de trechos dos relatório e do voto do acórdão recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art. 255 do RI⁄STJ), impede o conhecimento do recurso especial, com base na alínea “c” do inciso III do art. 105 da Constituição Federal. No caso em tela há divergências fáticas entre o acórdão recorrido e os paradigmas, razão pela qual não foi demonstrada a divergência no termos do Regimento Interno do STJ.

Por tais razões acompanho o voto do Relator, com estes subsídios, negando provimento ao recurso especial.

É como voto.

VOTO-VOGAL

EXMO. SR. MINISTRO MASSAMI UYEDA:

Srs. Ministros, também havia recebido antecipadamente o voto do Sr. Ministro Vasco Della Giustina, atentei muito para as sustentações orais que foram aqui apresentadas, mas é inegável que a questão esbarra na Súmula 7. Saber se houve essas falhas na manifestação de vontade do falecido e que a própria prova pericial demonstrou que estava em plena sanidade mental, é um óbice intransponível para a análise, aqui, no recurso. E mesmo porque, também, confortado com essa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, já antiga, mas que espelha a realidade, não há nada de excepcional em se aceitar uma minuta para que se prepare esse testamento.

Acompanho o voto do eminente Relator e nego provimento ao recurso especial.

Fonte: Boletim INR nº 4599 – Grupo Serac – São Paulo, 18 de Maio de 2011.