CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Título judicial – Qualificação registrária – Necessidade – Inventário – Renúncia translativa ou in favorem – Ausência de instrumento público ou termo nos autos – Carta de adjudicação do imóvel diretamente à donatária – Sentença em que não se explicitou a transmissão do imóvel à herdeira necessária – Oficial de registro que não pode, por sua iniciativa, atribuir o domínio, excedendo o limite formal do título – Pretensão recursal incompatível com o princípio da continuidade (Lei nº 6.015/73, arts. 195 e 237) – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 990.10.423.737-8, da Comarca de CARAPICUÍBA, em que é apelante o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores JOSÉ ROBERTO BEDRAN, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ SANTANA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, ANTONIO LUIZ REIS KUNTZ, Decano, CIRO PINHEIRO E CAMPOS, LUIS ANTONIO GANZERLA e FERNANDO ANTONIO MAIA DA CUNHA, respectivamente, Presidentes da Seção Criminal, de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 19 de abril de 2011.

(a) Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida – Título judicial – Qualificação registrária – Necessidade – Inventário – Renúncia translativa ou in favorem – Ausência de instrumento público ou termo nos autos – Carta de adjudicação do imóvel diretamente à donatária – Sentença em que não se explicitou a transmissão do imóvel à herdeira necessária – Oficial de registro que não pode, por sua iniciativa, atribuir o domínio, excedendo o limite formal do título – Pretensão recursal incompatível com o princípio da continuidade (Lei nº 6.015/73, arts. 195 e 237) – Recurso não provido.

Da sentença de procedência de dúvida registrária exarada pelo Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Carapicuíba, cujo relatório se adota (fl. 27), interpôs apelação o Ministério Público (fls. 32-41).

Alegou-se, em essência, que no curso do inventário foi praticada renúncia translativa ou in favorem, configurando cessão de direitos hereditários gratuita ou doação e que a ausência de lavratura do respectivo termo nos autos não pode redundar em prejuízo à parte interessada. Ainda, sustentou-se que a decisão homologatória, fundada em manifestação inequívoca de vontade da herdeira, transitou em julgado, concretizando “o sentido teleológico do formalismo exigido pela norma legal”.

A Procuradoria Geral da Justiça se manifestou pelo provimento (fls. 50-51).

Esse o relatório.

O oficial de registro suscitou dúvida porque da carta de adjudicação do imóvel matriculado sob nº 125102 no Registro de Imóveis de Barueri, expedida em autos de inventário (nº 127.01.2008.016122-1/000000-000, da 1ª Vara Cível da Comarca de Carapicuíba), constou como adjudicatária Daiane Silva Rosa Figueiredo, que não é herdeira do autor da herança nem cessionária de direitos hereditários (Código Civil, art. 1.793, caput), de modo que o ingresso do título violaria o princípio da continuidade (fls. 2-4).

É cediço que o título judicial se submete à qualificação registrária (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, Capítulo XX, item 106).

Com efeito, a aferição efetivada pelo oficial não implica reexame do mérito da decisão do juiz, mas apenas apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e da conexão dos seus dados com o registro, conforme jurisprudência remansosa do Conselho Superior da Magistratura (Apelações números 801-6/8, Rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, j. 14.12.07, e 22.417-0/4, Rel. Des. Antonio Carlos Alves Braga, j. 31.8.95).

Assim, não obstante o trânsito em julgado da decisão, é dever do oficial qualificar o título respectivo; ao fazê-lo, não desrespeita a força e autoridade do decisum, e sim apenas vela pela segurança registrária.

No caso, o título provém do inventário dos bens de Carlos Alberto Ribeiro da Silva.

A ascendente e única herdeira, Sra. Maria José da Silva, renunciou à herança em favor de Daiane Silva Rosa Figueiredo, noiva do de cujus.

Houve o que se denomina em doutrina como renúncia translativa ou in favorem, consistente de alienação que se segue à aceitação da herança. São dois atos, suscetíveis de duas tributações. Em verdade, não se trata propriamente de renúncia, mas sim aceitação tácita e subsequente cessão expressa (compra e venda ou doação, conforme seja onerosa ou gratuita).

Embora recolhidos os impostos referentes à transmissão causa mortis e doação inter vivos, não se formalizou a liberalidade por instrumento público ou termo judicial, como preceitua o art. 1.806 do Código Civil.

Além disso, não se explicitou na sentença a transmissão do imóvel à herdeira necessária; houve simples adjudicação à donatária (fl. 55 do apenso).

Ora, o oficial não poderia, sponte sua, atribuir o domínio à herdeira necessária, excedendo o limite formal do título.

Tampouco lhe seria lícito registrar diretamente a carta de adjudicação do imóvel a Daiane Silva Rosa Figueiredo sem que antes, na matrícula, se refletisse o princípio de saisine (Código Civil, art. 1.784), por força da continuidade essencial ao sistema imobiliário (Lei nº 6.015/73, arts. 195 e 237).

A solução seria a retificação do título, pelo juízo do inventário, a fim de se atribuir expressamente o imóvel a Maria José da Silva e em seguida a Daiane Silva Rosa Figueiredo.

Enfim, nos termos em que deduzida, a pretensão recursal não se compatibiliza com o princípio da continuidade.

O pleito do apelante se assimila à partilha per saltum, proscrita em precedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura (Apelação nº 917-6/7, Rel. Des. Ruy Camilo, j. 4.11.08; Apelação nº 1.067-6/4, Rel. Des. Ruy Camilo, j. 14.4.09).

Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.

(a) Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 06.07.2011)