STJ: Homologação de Sentença Estrangeira. Inventário e Partilha. Renúncia de Herdeira. Competência exclusiva da Autoridade Judicial Brasileira. Precedente.

Ementa

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. INVENTÁRIO E PARTILHA. RENÚNCIA DE HERDEIRA. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA AUTORIDADE JUDICIAL BRASILEIRA. PRECEDENTE. 1. A jurisprudência desta Corte e do STF autoriza a homologação de sentença estrangeira que, decretando o divórcio, convalida acordo celebrado pelos ex-cônjuges quanto à partilha de bens situados no Brasil, assim como na hipótese em que a decisão alienígena cumpre a vontade última manifestada pelo de cujus e transmite bens também localizados no território nacional à pessoa indicada no testamento. 2. No caso que se examina, o testamento legou bens única e exclusivamente à filha do falecido a qual, por sua vez, renunciou à herança sem ressalvas. 3. Diante disto, a autoridade judicial helvética promoveu a liquidação da herança conforme as normas jurídicas estrangeiras e, na sequência, cedeu ao ora requerente bens deixados pelo de cujus em troca do valor de CHF 20.000,00 (vinte mil francos suíços).4. Asituação estampada nos autos não se confunde com a mera transmissão de bens em virtude de desejo manifestado em testamento, já que, recusada a herança pela pessoa indicada pelo falecido, a autoridade judiciária estrangeira transferiu de forma onerosa a

propriedade de bem localizado no Brasil a terceiro totalmente estranho à última vontade do de cujus, isto é, dispôs sobre bem situado em território nacional em processo relativo à sucessão mortis causa, o que vai de encontro ao art. 89, II, do Código de Processo Civil-CPC. 5. Pedido de homologação indeferido.

Íntegra

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

SENTENÇA ESTRANGEIRA CONTESTADA Nº 3.532 – EX (2011/0104173-3)

RELATOR: MINISTRO CASTRO MEIRA

REQUERENTE: URS LEIMANN

ADVOGADO: CLÓVIS ALEXANDRE DE ARRAES ALENCAR E OUTRO(S)

REQUERIDO: NADINE AEBI

ADVOGADO: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIÃO – CURADOR ESPECIAL

REQUERIDO: HIDERALDOLUIZ CABRAL DE CARVALHO

EMENTA: HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. INVENTÁRIO E PARTILHA. RENÚNCIA DE HERDEIRA. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA AUTORIDADE JUDICIAL BRASILEIRA. PRECEDENTE.

1. A jurisprudência desta Corte e do STF autoriza a homologação de sentença estrangeira que, decretando o divórcio, convalida acordo celebrado pelos ex-cônjuges quanto à partilha de bens situados no Brasil, assim como na hipótese em que a decisão alienígena cumpre a vontade última manifestada pelo de cujus e transmite bens também localizados no território nacional à pessoa indicada no testamento.

2. No caso que se examina, o testamento legou bens única e exclusivamente à filha do falecido a qual, por sua vez, renunciou à herança sem ressalvas.

3. Diante disto, a autoridade judicial helvética promoveu a liquidação da herança conforme as normas jurídicas estrangeiras e, na sequência, cedeu ao ora requerente bens deixados pelo de cujus em troca do valor de CHF 20.000,00 (vinte mil francos suíços).

4. Asituação estampada nos autos não se confunde com a mera transmissão de bens em virtude de desejo manifestado em testamento, já que, recusada a herança pela pessoa indicada pelo falecido, a autoridade judiciária estrangeira transferiu de forma onerosa a propriedade de bem localizado no Brasil a terceiro totalmente estranho à última vontade do de cujus, isto é, dispôs sobre bem situado em território nacional em processo relativo à sucessão mortis causa, o que vai de encontro ao art. 89, II, do Código de Processo Civil-CPC.

5. Pedido de homologação indeferido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, indeferir o pedido de homologação de sentença estrangeira, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros ArnaldoEsteves Lima,Massami Uyeda, Maria Thereza de Assis Moura, Sidnei Beneti, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer, Gilson Dipp, Nancy Andrighi, Laurita Vaz e Teori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, João Otávio de Noronha e Humberto Martins. Convocado o Sr. Ministro Sidnei Beneti para compor quórum.

Brasília, 15 de junho de 2011 (data do julgamento).

Ministro Ari Pargendler, Presidente

Ministro Castro Meira, Relator

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator): URS LEIMANN requer a homologação de sentença proferida pela Presidência do Tribunal de Laufenburg do Cantão da Argóvia – Kanton Aargau –, Confederação Helvética, em demanda sucessória na qual foram inventariados os bens deixados por MARKUS VELLA a sua filha e única herdeira, NADINE AEBI.

Aduz que operadas a abertura da sucessão e a renúncia sem ressalvas da descendente requerida, a herança foi liquidada por meio da sentença que se busca homologar e, após seu trânsito em julgado, o ora requerente adquiriu “da Junta de Falência de Laufenburg, Cantão de Aargau, a cessão oriunda do espólio de Markus Vella em seu favor, a receita da venda do apartamento em Fortaleza/CE, Brasil” (fl. 03), passando a narrar o seguinte:

Consta, ainda, na aludida cessão que tal receita se encontraem poder do Dr. HilderaldoLuiz Cabralde Carvalho, que na qualidade de advogado do senhor Markus Vella ficou com o valor referido correspondendo à receita da venda do objeto cedido.

Consta, outrossim, na aludida cessão de espólio que o Dr. HilderaldoLuiz Cabralde Carvalho deverá entregar ao cessionário/comprador, Sr. Urs Leimann, a receita da venda do bem imóvel referido o qual é objeto da mencionada cessão, independentemente de processo judicial (fl. 04).

Assim, solicita, primeiramente, a citação de NADINE AEBI e de HILDERALDOLUIZ CABRALDE CARVALHO para que, querendo, apresentem contestação.

Por fim, postula a homologação da sentença estrangeira que promoveu a liquidação da herança do de cujus, de tal modo que lhe seja autorizado perseguir os valores correspondentes ao imóvel cujos direitos adquiriu perante a Junta de Falências de Laufenburg, Confederação Suíça, em razão da renúncia da sucessora.

Em sua contestação, HILDERALDO LUIZ CABRALDE CARVALHO questionou a homologaçãosob o argumento de que “a competência territorial para tramitar a transferência de propriedade de bens, é em nosso país e no local que se encontra tal bem imóvel (art. 95, CPC)” (fl. 124).

A seu turno, diante da ausência de manifestação de NADINE AEBI, citada por carta precatória, a Defensoria Pública da União-DPU indicou defensor para atuar em favor da requerida, o qual manejou contestação que, com amparo no art. 89, II, do CPC, pugnou pelo indeferimento da pretensão sob a justificativa da falta de competência da “autoridade judicial suíça para decidir sobre propriedade de bens imóveis situados no Brasil, sendo certo que nenhum efeito tal provimento judicial pode produzir em nosso país” (fl. 218).

Em parecer firmado pelo Subprocurador-Geral da República Dr. Edson Oliveirade Almeida, o Ministério Público Federal opina pelo deferimento da homologação, porquanto referendando as palavras do requerente, “trata-se de uma sentença meramente declaratória reconhecendo o direito do autor do crédito nela enunciado através de uma cessão de direitos” (fl. 222).

É o relatório.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO MEIRA (Relator):Retratam os autos que após o falecimento do cidadão suíço Sr. Markus Vella, o Tribunal de Laufenburg do Cantão da Argóvia, Confederação Helvética, proferiu decisão de natureza sucessória (fls. 15-18) que pode ser assim resumida:

a) o de cujus deixou como herdeira legal única sua filha, Sra. Nadine Aebi;

b) após requerer a instituição de inventário público – pedido deferido pela autoridade judiciária –, a herdeira renunciou à herança sem ressalvas;

c) “como a herdeira única renunciou à herança sem ressalva, a herança deve ser liquidada pela junta de falência (art. 573 alínea 1 do código civil em combinação com art. 193 da lei sobre exações e falências)” – fl. 16.

Passo seguinte, consta dos autos documento oficial da Junta de Falência de Laufenburg (fl. 21) por meio do qual se promoveu a cessão ao requerente, Sr. Urs Leimann, das

receitas oriundas da venda de um apartamento na cidade de Fortaleza/CE de propriedade do falecido Sr. Markus Vella, como se confere do seguinte trecho:

Junta de falência de Laufenburg, Hauptstrasse 8, 5201 Brugg. Baden, dia 17 de dezembro de 2007. Cessão oriunda do espólio de Markus Vella a favor de Urs Leimann: receita da venda do apartamento em Fortaleza – Brasil. Cedente/vendedor: Junta de falência de Laufenburg no Cantão de Aargão (Suiça) que representa por força legal o espólio do testador Markus Vella, cidadão suíço, numero do passaporte J01145573, nascido aos 11 de dezembro de 1946, de Langenbruck BL, falecido aos 2 de novembro de 2004. Objeto do espólio/objeto da venda: receita da venda de um apartamento, na cidade de Fortaleza, Estado do Ceara (Brasil), na Rua Marcos Mecedo 1301, apartamento n° 1301, bairro Aldeota, declaração de reconhecimento ver matricula n° 18.627 junto ao registro de imóveis do 4° oficio de Fortaleza, Estado do Ceara. A receita da venda no valor bruto de R$ 175.000,00 (em extenso: cento e setenta e cinco mil reais) encontra-se em mãos do senhor Hideraldo Luiz Cabral de Carvalho, cidadão brasileiro, casado, advogado, OAB/CE numero 5527, CPFIMF n° 122.375.663-72 (Cadastro de pessoas físicas junto ao Ministério da Fazenda), que na qualidade de advogado do senhor Markus Vella ficou com o valor referido correspondendo à receita da venda do objeto cedido. Cessionário/comprador: o senhor HideraldoLuiz Cabral de Carvalho, supra-referido, entregara ao cessionário/comprador, o senhor Urs Leimann, cidadão suíço, numero do passaporte F1223271, nascido aos 19 de fevereiro de 1958, de Zurique, a receita da venda do bem imóvel referido o qual e objeto desta cessão; o valor esta sujeito à correção monetária; deste devem ser deduzidas – independente de processo judicial – as despesas comprovadamente incorridas como impostos e taxas (fl. 21).

Encontra-se acostado nos autos recibo emitido pela Junta de Falência de Laufenburg no valor de CHF 20.000,00 (vinte mil francos suíços) “referente à cessão da receita da venda de um apartamento em Fortaleza – Brasil, conforme acordo entre o espólio de Markus Vella, representado pela Junta de Falência da Laufenburg, e Urs Leimann, residente na Florastr. 28, 8610 Uster” (fls. 24).

Nesse panorama, tenho que a homologação não pode ser deferida.

É indene de dúvidas que tanto esta Corte quanto o Supremo Tribunal Federal reconhecem que não ofende a soberania nacional, tampouco a ordem pública, sentença estrangeira dispondo sobre bem localizado no território brasileiro que tão somente ratifica acordo celebrado entre as partes, como preconizam os seguintes precedentes:

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. SUÍÇA. DIVÓRCIO, COM ACORDO SOBRE A GUARDA E PENSÃO DE FILHO MENOR, E PARTILHA DE BENS. REQUISITOS PREENCHIDOS.

1. Não se constitui em óbice à homologação de sentença estrangeira questionamento acerca da estrutura formal do pronunciamento judicial, que, evidentemente, deve observar o regramento do país de origem. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

2.’Tanto a CorteSuprema quanto este Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram pela ausência de ofensa à soberania nacional e à ordem pública a sentença estrangeira que dispõe acerca de bem localizado no território brasileiro, sobre o qual tenha havido acordo entre as partes, e que tão somente ratifica o que restou pactuado’ (SEC 1.304/US, CORTE ESPECIAL, Rel. Ministro GILSON DIPP, DJe de 03/03/2008).

3. Restaram atendidos os requisitos regimentais com a constatação da regularidade da citação para processo julgado por juiz competente, cuja sentença, transitada em julgado, foi autenticada pela autoridade consular brasileira e traduzida por profissional juramentado no Brasil, com o preenchimento das demais formalidades legais.

4. Pedido de homologação deferido. Custas ex lege. Condenação da Requerida ao pagamento dos honorários advocatícios (SEC 4.223/CH, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 16.02.11);

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. PARTILHA DE BENS IMÓVEIS SITUADOS NO BRASIL. SENTENÇA HOMOLOGANDA. RATIFICAÇÃO DE VONTADE ÚLTIMA REGISTRADAEM TESTAMENTO. CITAÇÃO COMPROVADA. CONCORDÂNCIAEXPRESSA DOS REQUERIDOS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO POSTERIOR. CARÁTER DEFINITIVO DO JULGADO. ART. 89 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E ART. 12 DA LEI DE INTRODUÇÃO

AO CÓDIGO CIVIL. OFENSA. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. PEDIDO DE HOMOLOGAÇÃO DEFERIDO.

I – O requisito da citação válida ou revelia decretada restou devidamente cumprido, pois os então requeridos foram comprovadamente cientificados da ação, não promovendo impugnação, ou, sequer, comparecendo ao juízo. O próprio decisum foi intitulado “Sentença Declaratória à Revelia”.

II – O feito caracterizou-se pela a inexistência de litígio, comprovada, primeiramente, pelo não comparecimento dos ora requeridos ao processo e não impugnação do pleito, bem como pela anuência expressa ao conteúdo do decisum e conseqüente não interposição de recurso face a sentença que aqui se pretende homologar.

III- A anuênciados ora requeridos em relação ao decidido pela sentença homologanda, além da não interposição de recurso, confere natureza jurídica equivalente à do trânsito em julgado, para os fins perseguidos no presente feito. Precedentes do Supremo Tribunal Federal.

IV- A jurisprudênciado Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido de que compete exclusivamente à Justiça brasileira decidir sobre a partilha de bens imóveis situados no Brasil.

V – Tanto a Corte Suprema quanto este Superior Tribunal de Justiça já se manifestaram pela ausência de ofensa à soberania nacional e à ordem pública na sentença estrangeira que dispõe acerca de bem localizado no território brasileiro, sobre o qual tenha havido acordo entre as partes, e que tão somente ratifica o que restou pactuado. Precedentes.

VI – Na hipótese dos autos, não há que se falar em ofensa ao art. 89 do Código de Processo Civil, tampouco ao art. 12, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, posto que os bens situados no Brasil tiveram a sua transmissão ao primeiro requerente prevista no testamento deixado por Thomas B. Honsen e confirmada pela sentença homologanda, a qual tão somente ratificou a vontade última do testador, bem como a

dos ora requeridos, o que ficou claramente evidenciado em razão da não impugnação ao decisum alienígena.

VII – Pedido de homologação deferido (SEC 1.304/US, Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 03.03.08).

Conclui-se, pois, que a jurisprudência pátria autoriza a homologação de sentença estrangeira que, decretando o divórcio, convalida acordo celebrado pelos ex-cônjuges quanto à partilha de bens situados no Brasil, assim como na hipótese em que a decisão alienígena cumpre a vontade última manifestada pelo de cujus e transmite bens também localizados no território nacional à pessoa indicada no testamento.

Sucede que, no caso vertente, o testamento legou bens única e exclusivamente à filha do falecido, Sra. Nadine Aebi, a qual, por sua vez, renunciou à herança sem ressalvas.

Diante disto, a autoridade judicial helvética promoveu a liquidação da herança conforme as normas jurídicas estrangeiras e, na sequência, cedeu ao ora requerente bens deixados pelo de cujus em troca do valor de CHF 20.000,00 (vinte mil francos suíços).

Com efeito, a situação estampada nos autos não se confunde com a mera transmissão de bens em virtude de desejo manifestado em testamento, já que, recusada a herança pela pessoa indicada pelo falecido, a autoridade judiciária estrangeira transferiu de forma onerosa a propriedade de bem localizado no Brasil a terceiro totalmente estranho à última vontade do de cujus, isto é, dispôs sobre bem situado em território nacional em processo relativo à sucessão mortis causa, o que vai de encontro ao art. 89, II, do Código de Processo Civil-CPC.

Ademais, a pretendida homologação se mostra ainda mais descabida na medida em que o art. 1.922 do Código Civil estabelece que, após 5 (cinco) anos da abertura da sucessão, os bens arrecadados na herança vacante passarão ao domínio do Município, do Distrito Federal ou da União, não sendo admissível que autoridade judiciária estrangeira interfira nesse procedimento para transmitir a título oneroso bem

localizado no Brasil a terceiro, sob pena de grave afronta à soberania nacional e à ordem pública, como ficou decidido nos seguintes precedentes:

SENTENÇA ESTRANGEIRA. INVENTARIO. BEM IMÓVEL SITUADO NO BRASIL. NÃO SE PODE HOMOLOGAR SENTENÇA ESTRANGEIRA QUE,EM PROCESSO RELATIVO A SUCESSÃOMORTIS CAUSA, DISPÕE SOBRE BEM IMÓVEL SITUADO NO BRASIL ART. 89-II DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (SE 3.780, Supremo Tribunal Federal, Rel. Min. Francisco Rezek, DJU 22.05.87);

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. REQUISITOS DESATENDIDOS. INVENTÁRIO E PARTILHA. RECONHECIMENTO DE HERDEIRA. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA AUTORIDADE BRASILEIRA. PRECEDENTE DESTA CORTE. HOMOLOGAÇÃO INDEFERIDA.

1. Não providencioua requerente a anuênciados demais interessados, tampouco indicou o responsável pelas custas da Carta Rogatória de citação.

2. Ainda que assim não fosse, estando a homologação arrimada em ato relacionado a inventário e partilha de bens situados no Brasil, a competência para tal é da autoridade judiciária brasileira, consoante art. 89, II do CPC.

3. Pedido de homologação indeferido (SEC 1.032/GB, Corte Especial, Rel. Min. ArnaldoEsteves Lima,DJe 13.03.08).

Em outras palavras, ainda que o requerente afirme tratar-se de decisão meramente declaratória – uma vez que a herdeira legítima teria renunciado ao monte –, é inegável que o provimento jurisdicional estrangeiro que repousa na origem da discussão não se harmoniza com a dicção do art. 89, II, do CPC, visto que, bem ou mal, promoveu atividades reservadas à Justiça nacional.

Para maior clareza, relembro o teor do dispositivo legal:

Art. 89. Compete à autoridade judiciária brasileira, com exclusão de qualquer outra:

(…)

II – proceder a inventário e partilha de bens, situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja estrangeiro e tenha residido fora do território nacional.

Com efeito, Costa Machado ensina:

Se o inciso I exclui da jurisdição alienígena os imóveis brasileiros, este inciso II subtrai às Justiças estrangeiras todo e qualquer bem situado no Brasil que haja de ser transmitido a alguém por força de herança. Assim, basta que um bem da herança (ou espólio), imóvel ou não, esteja situado no Brasil para que nenhuma adjudicação ou partilha estrangeira tenha eficácia perante a ordem jurídica nacional. Neste caso, o processo de inventário de tais bens só aqui pode ter lugar, sendo irrelevante o fato de o morto (autor da herança) ser estrangeira e nunca ter sequer estado no Brasil (Código de Processo Civil Interpretado e Anotado. Barueri: Ed. Manole, 2ª ed., 2008, p. 362).

Vale ressaltar que a situação sob exame não se confunde com o caso apreciado pelo Supremo Tribunal Federal na SEC nº 4.944/República do Peru – da relatoria do ilustre Sr. Ministro Ilmar Galvão, aresto publicado no DJ de 28.02.97 –, no qual se considerou admissível a homologação de sentença estrangeira que se restringiu a declarar os então requerentes como únicos herdeiros do de cujus, como ficou registrado na seguinte ementa:

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA. DECISÃO QUE RECONHECE LEGÍTIMOS HERDEIROS. REQUISITOS REGIMENTAIS SATISFEITOS.

Não ofende a ordem jurídica brasileira a homologação de sentença estrangeira de natureza meramente declaratória, que reconhece os requerentes como legítimos herdeiros. Deferimento da homologação, ressalvando-se ao juízo do inventário e partilha, ou às vias ordinárias – caso haja bens de acervo situados no Brasil – o exame de eventuais questões sobre a qualidade dos herdeiros incluídos no título homologado.

Como se observa, naquela demanda submetida ao Pretório Excelso a decisão judicial não dispôs sobre o inventário dos bens.

Na verdade, a compatibilidade do comando sentencial com o ordenamento pátrio derivou da constatação de que a mera declaração que reconheceu os herdeiros do falecido não produz quaisquer efeitos sobre o inventário, uma vez que “o fato de se dar ao documento execução não obsta que, na circunstância de estarem no Brasil certos bens e caber ao juiz brasileiro a competência – exclusiva e absoluta – para proceder ao inventário e partilha desses bens, sejam examinadas questões que afastem a plena validade da declaração de herdeiros em conformidade com a regra jurídica nacional”.

No caso concreto, procedeu-se à liquidação da herança e à transmissão do bem situado em território nacional ao requerente – ainda que de forma mediata, em função da renúncia da única herdeira legítima e da posterior aquisição dos direitos por meio de cessão –, isto é, não se trata de um provimento meramente declaratório, havendo substancial interferência na competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira para promover o inventário de bens localizados no Brasil, sendo desrespeitado o art. 89, II, do CPC.

Por fim, cabe trazera lume a semprelembrada lição de Pontes de Miranda:

A regra jurídico do art. 89, II, mostra que se teve por finalidade evitar-se a intromissão de juízo do exterior nas ações de inventário e partilha de bens, situados no Brasil, sem ter de averiguar se estrangeiro o decujo, mesmo se domiciliado e residente fora do território nacional. À diferença do art. 89, I, nenhuma referência se fez a serem imóveis os bens (Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, 3ª ed., p. 227).

Ante o exposto, indefiro o pedido de homologação.

No mais, dada a inexistência de condenação, arbitro os honorários advocatícios no valor de R$1.500,00 (um mil e quinhentos reais) em favor de cada um dos requeridos, nos termos do art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

CORTE ESPECIAL

Número Registro: 2011/0104173-3 / SEC 3.532/CH

Número Origem: 200800758789

PAUTA: 15/06/2011 – JULGADO: 15/06/2011

Relator: Exmo. Sr. Ministro CASTRO MEIRA

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro ARI PARGENDLER

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr.HAROLDO FERRAZ DANOBREGA

Secretária: Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA

AUTUAÇÃO

REQUERENTE: URS LEIMANN

ADVOGADO: CLÓVISALEXANDRE DE ARRAES ALENCAR E OUTRO(S)

REQUERIDO: NADINE AEBI

ADVOGADO: DEFENSORIA PUBLICA DA UNIÃO – CURADOR ESPECIAL

REQUERIDO: HIDERALDOLUIZ CABRALDE CARVALHO

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Sucessões – Inventário e Partilha

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Corte Especial, por unanimidade, indeferiu o pedido de homologação de sentença estrangeira, nos termos do voto do Senhor Ministro Relator.

Os Srs. Ministros ArnaldoEsteves Lima,Massami Uyeda, Maria Thereza de Assis Moura, Sidnei Beneti, Cesar Asfor Rocha, Felix Fischer, Gilson Dipp, Nancy Andrighi, Laurita Vaz e Teori Albino Zavascki votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausentes, justificadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon e, ocasionalmente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, João Otávio de Noronha e Humberto Martins.

Convocado o Sr. Ministro Sidnei Beneti para compor quórum.

(D.J.E. de 01.08.2011)

Fonte: IRIB