CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida. Registro de escritura de compra e venda de unidade autônoma negado, sob alegação de que é necessário revalidar o registro da incorporação – Recusa indevida – O descumprimento da exigência do artigo 33 da Lei 4.591/64 não deve impedir o registro de título no qual o imóvel nele negociado não é mais da titularidade do incorporador – Princípio da especialidade objetiva observado – A escritura indica o percentual da fração ideal que corresponderá à futura unidade autônoma e que integra a área maior descrita na matrícula do imóvel e a esta se reporta – Existência, ademais, de cadastro na Prefeitura, deste imóvel em área maior, verdadeiro registro geral de sua identidade – Recurso provido.

Registro de Imóveis – Dúvida. Registro de escritura de compra e venda de unidade autônoma negado, sob alegação de que é necessário revalidar o registro da incorporação – Recusa indevida – O descumprimento da exigência do artigo 33 da Lei 4.591/64 não deve impedir o registro de título no qual o imóvel nele negociado não é mais da titularidade do incorporador – Princípio da especialidade objetiva observado –  A escritura indica o percentual da fração ideal que corresponderá à futura unidade autônoma e que integra a área maior descrita na matrícula do imóvel e a esta se reporta –  Existência, ademais, de cadastro na Prefeitura, deste imóvel em área maior, verdadeiro registro geral de sua identidade – Recurso provido.

1- Tratam os autos de dúvida suscitada pelo Oficial do 1º Serviço de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Caraguatatuba, julgada prejudicada pela sentença prolatada pelo Meritíssimo Juiz de Direito Corregedor Permanente (fls.80/82) sob o fundamento de que a irresignação do apresentante do título é parcial e que, por tal razão, não deve ser conhecida.

O título apresentado, escritura pública de venda e compra, foi recusado porque expirou o prazo de validade do registro da incorporação imobiliária, o que reclama atualização e revalidação, além de não observar o princípio da especialidade, na medida em que o título não discrimina a incorporação ou as características do empreendimento imobiliário. A descrição do imóvel, em fração ideal, não obedece o artigo 225 da Lei 6.015/73 e o artigo 2º da Lei 7.433/85.

O apelante afirma que não se conformou com nenhuma das exigências e que em ato anterior à suscitação da dúvida, por não ter entendido uma delas, tentou aclará-la e superá-la, caso a outra exigência fosse afastada. Assim que ficou esclarecida a exigência, a ela prontamente se opôs.

Quanto ao mérito, sustenta que o Oficial interpretou equivocadamente o artigo 33 da Lei 4.591/64. A incorporação foi concretizada, pois, estipulada a carência e não denunciada no prazo estipulado, persiste o registro. Apenas no caso de renovação do prazo da carência há necessidade de ser atualizada a documentação e a incorporação pode se concretizar até mesmo antes do prazo legal de cento e oitenta dias, basta que o incorporador estipule prazo menor.

Em relação à segunda exigência, a dúvida suscitada foi omissa, porque não foi dito que as alienações anteriores foram registradas na única matrícula de número 37.057 do empreendimento, porque este ainda não foi especificado, e que, assim, a escritura recusada atendeu o artigo 225 da Lei de Registros Públicos. Somente no caso de abertura de nova matrícula, teria sentido a exigência.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não conhecimento da dúvida, e, no mérito, pelo improvimento do recurso (fls.104/108).

É o relatório.

2- A dúvida deve ser conhecida, porque, não obstante ao fato de inicialmente, no momento em que recebeu a nota de devolução, o suscitado ter aventado a possibilidade de corrigir eventual falha do título, verifica-se que nem mesmo nesta ocasião sua manifestação permitiu concluir que ele realmente se conformou com uma das exigências, já que primeiro mencionou o fato de a escritura estar em consonância com a matrícula e que não entendia o motivo da exigência, e, em seguida, apenas pediu que eventual falha fosse apontada e ressalvou que na hipótese de a primeira exigência ser superada, a segunda, se o caso, ou seja, se realmente fosse devida, poderia ser corrigida.

Verifica-se, pois, que não houve manifestação clara e conclusiva de conformismo com a exigência, ao contrário, houve discordância,  com ressalvas, e, em posterior manifestação, decorrente da formalização da dúvida, o suscitado demonstrou claramente inconformismo com todas as exigências.

Assim, passoa analisar a dúvidapropriamente dita, com base no artigo 515, § 1º e § 3º, do Código de Processo Civil, com a observação de que o próprio apelante invocou este dispositivo legal.

Incorporação, no conceito deCaio Márioda Silva Pereira, “é o contrato por via do qual uma pessoa física ou jurídica se obrigaa promover a construçãode edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas, para alienação total ou parcial”.(“Incorporação Imobiliária” –Revistade Direito Imobiliário nº 4, p. 9-18).

O registro da incorporação depende da apresentação dos documentos indicados no artigo 32 da Lei 4.591/64, sem o que não é possível negociar as unidades em construção ou a construir.

Cuida-se de medida que visa proteger o adquirente das unidades integrantes do empreendimento.

De acordo com o artigo 33 da Lei 4.591/64 –  “O registro da incorporação será válido pelo prazo de 180 dias, findo o qual, se ela ainda não se houver concretizado, o incorporador só poderá negociar unidades depois de atualizara documentação a quese refere o artigo anterior, revalidado o registro por igual prazo”.

Concretizar ou caracterizar a incorporação significa tomar a iniciativa do empreendimento, que é assumida pelo incorporador, mediante a alienação de ao menos uma das unidades autônomas ou pela contratação da construção, tudo de acordo com o conceito de incorporação, acima mencionado.

O artigo 34 da mesma Lei faculta a fixação de prazo pelo incorporador para efetivação da incorporação, dentro do qual este poderá desistir do empreendimento.

Este prazo dentro do qual é possível desistir do empreendimento, é denominado prazo de carência.Não se confunde prazo de carência com prazo de validade do registro. A regra do citado artigo 33 é aplicável tanto na hipótese de fixação do prazo de carência, quanto na hipótese na qual não se estabelece carência.

No presente caso, os documentos necessários, previstos no artigo 32 da Lei nº 4.591/94 foram apresentados pela incorporadora e proprietária do terreno e a incorporação foi registrada no dia 24 de julho de 1.991.Não houve fixação de carência, o que significa que não havia a possibilidade de desistência do empreendimento.

Assim sendo, para verificar se a concretização se deu ou não no prazo de validade do registro, conforme previsto no artigo 33 da Lei de Condomínios e Incorporações, basta confrontar a data em que foi feito o registro da incorporação com a data em que a incorporação foi concretizada.

A incorporação foi concretizada somente no ano de 1.997, data da lavratura das primeiras escrituras de compra e venda das futuras unidades condominiais, já que não há comprovação de negociação de qualquer unidade integrante do empreendimento, quer por instrumento público, quer por particular, em época anterior, nem tampouco a contratação da construção ou o seu início.

Assim, a concretização da incorporação ocorreu anos depois do prazo de validade do registro, de modo que era de rigor a sua revalidação, mediante apresentação dos documentos exigidos no mencionado artigo 32 da mesma Lei, atualizados, para que os títulos apresentados e indicados na matrícula nº 37.057 (R.05 a R.113) fossem registrados.

Esta medida, de se exigir a revalidação do registro da incorporação, na hipótese de não ser concretizada no prazo estabelecido para a validade do registro, tem a mesma finalidade da regra do artigo 32 da Lei 4.591/64, qual seja, proteger o adquirente da unidade integrante do empreendimento, pois, uma vez registrada a incorporação, deve o empreendedor tratar de concretizá-la em prazo razoável, e, caso não o faça, deverá atualizar a documentação, para demonstrar que as condições anteriores não foram alteradas e o empreendimento continua com as condições necessárias e indispensáveis para ser levado adiante.

Portanto, sob este aspecto, está correto o posicionamento do Oficial suscitante, de que houve indevido recebimento dos títulos referentes à alienação de várias unidades autônomas integrantes da incorporação, cujo prazo do registro estava, há muito, vencido.

Na hipótese de apresentação de outros títulos nas mesmas condições, nos quais as unidades autônomas foram vendidas pela incorporadora a terceiros, o registro deve ser recusado, porque o erro pretérito praticado pelo registrador da época não justifica outros e persiste o dever da incorporadora de revalidar o registro da incorporação, para que a escritura da alienação por ela realizada seja aceita para registro.

Ocorre que o caso em tela é diverso, porque a futura unidade autônoma 22-A é de propriedade de terceiro e não da incorporadora(conforme R.70 – fls.51 verso) motivo pelo qual não cabe impedir o registro da escritura de venda deste terceiro, que é o titular do domínio, a outrem, com base em obrigação que não se atribui a nenhum dos participantes deste negócio.

A outra exigência também deve ser afastada, porque o título apresentado não afronta o princípio da especialidade objetiva.

A obra “Estudos de Direito Registral Imobiliário”, resultante dos XXV e XXVI Encontros dos Oficiais de Registro de Imóveisdo Brasil – SãoPaulo/1998 e Recife/1999 (Sergio Antonio Fabris Editor – Porto Alegre/2000 – páginas 135 e seguintes) ao tratar do assunto, faz considerações que bem se enquadram a esta dúvida e bem demonstram que o referido princípio foi observado.

A citada obra traz o conceito de especialidade objetiva, dado por Afrânio de Carvalho na obra “Registro de Imóveis”, segundo o qual “O princípio da especialidade significa que toda inscrição deve recair sobre um objeto precisamente individuado”.

Em seguida, comenta que, embora o princípio da especialidade objetiva preexista à Lei 6.015/73, foi com a criação da matrícula que ele ganhou importância fundamental para surgimento do cadastro imobiliário, e, por tal razão, há exigência, para abertura de matrícula, nos termos do artigo 176, § 1º, inciso II, item 3, da referida lei, “a identificação do imóvel, mediante indicação de suas características e confrontações, localização, área e denominação, se rural, ou logradouro e número, se urbano, e sua designação cadastral, se houver”.

Na espécie, a matrícula nº. 37.057 foi aberta porque houve observância dos requisitos legais exigidos para tanto, e, do mesmo modo, os registros nela existentes, porque estavam de acordo com o terreno descrito nesta matrícula.

O título ora recusado faz menção ao terreno no qual a futura unidade autônoma e que corresponderá ao número 22-A será construída, como perfeitamente descrito na matrícula nº 37.057, portanto, apresenta conformidade não só com a matrícula como também com o registro da incorporação.

É suficiente esta menção ao terreno descrito na matrícula e no registro da incorporação.

Deste modo, não há falar em afronta  ao artigo 225 da Lei 6.015/73, nem tampouco ao artigo 2º da Lei 7.433/85, já que este dispositivo dispensa, nas escrituras públicas e contratos particulares a elas equiparados, a descrição ou caracterização de imóveis urbanos, desde que constem da certidão do registro imobiliário os elementos descritivos.

Observa-se ainda que, no título recusado, há menção ao fato de o terreno, em área maior, na qual será construído o empreendimento, e, portanto, a futura unidade 22-A, estar cadastrado na Prefeitura.

A certidão do registro imobiliário com os elementos descritivos, demonstra observância à especialidade objetiva, e,  aliada ao mencionado cadastro, o qual atua, juntamente com a planta fiscal, como verdadeiro registro geral de sua identidade, não deixam dúvida alguma sobre a precisa localização do terreno onde será construída a futura unidade autônoma.

Diante do exposto, dou provimento ao recurso de apelação, para reformar a sentença recorrida.

(a) GILBERTOPASSOS DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator