TJ|SP: Testamento público – Nulidade – Inocorrência – Alegada falta de leitura do conteúdo do documento – Hipótese em que constatada mera dúvida acerca do cumprimento da formalidade a que alude o art. 1.632, III, do Código Civil de 1916 – Testamento elaborado, no mais, com expressa observância das solenidades exigidas (art. 1.634) – Ação de anulação improcedente – Recurso provido.

EMENTA

TESTAMENTO PÚBLICO – NULIDADE – INOCORRÊNCIA – ALEGADA FALTA DE LEITURA DO CONTEÚDO DO DOCUMENTO – HIPÓTESE EM QUE CONSTATADA MERA DÚVIDAACERCA DO CUMPRIMENTO DA FORMALIDADE A QUE ALUDE O ART 1 632, III, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 – TESTAMENTO ELABORADO, NO MAIS, COM EXPRESSA OBSERVÂNCIA DAS SOLENIDADES EXIGIDAS (ART 1 634) – AÇÃO DE ANULAÇÃO IMPROCEDENTE – RECURSO PROVIDO. (TJSP – Apelação Cível com Revisão nº 0117319-14.2008.8.26.0000 – Santo André – 1ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Elliot Akel – DJ 19.10.2009)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL COM REVISÃO n° 557.723-4/1-00, da Comarca de SANTO ANDRÉ, em que é apelante FRANCISCO MOTTA GONÇALVES sendo apelado CLOVIS BOSSOLAN SARAVALLE:

ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores GUIMARÃES E SOUZA (Presidente, sem voto), LUIZ ANTÔNIO DE GODOY ePAULO EDUARDO RAZUK.

São Paulo, 19 de maio de 2009.

ELLIOT AKEL – Relator.

RELATÓRIO

Cuida-se de ação de anulação de testamento julgada procedente pela r. sentença de fls. 348/353, de relatório adotado, declarado nulo o testamento apontado na inicial e condenado o réua arcar com custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em R$ 3.000,00 (três mil reais).

Apelou, o requerido, sustentando, em resumo, que aprova dos autos, resumida a dois depoimentos contraditórios, não é suficiente para afastar a presunção de validade do testamento lavrado por tabelião, que goza de fé pública. Alegou, ainda, que eventual ausência de solenidade não tem o condão de descaracterizar a manifestação de última vontade do testador.

Recurso tempestivo, contra-arrazoado e com preparo anotado. O Ministério Público, em primeiro grau, opinou pela anulação do feito e, não sendo este o entendimento, pela manutenção da sentença. A douta Procuradoria de Justiça ofereceu parecer pelo desprovimento.

Manifestação do apelado a fls. 398/399.

É o relatório.

VOTO

Não se cuida de hipótese de anulação do feito, como aventado no parecer do representante do Ministério Público em primeiro grau (fl. 380/384).

A falta de intimação do parquet após o despacho saneador não prejudicou qualquer das partes e, como observado no parecer da douta Procuradoria de Justiça, o Ministério Público “manifestou-se sobre a apelação interposta e, quanto ao mérito, até mesmo entende que a ação deveria ser julgada procedente” (fl. 389/399).

Quanto ao apelo, o inconformismo procede, respeitado o convencimento do digno prolator da sentença apelada.

Embora tenha bem afastado a hipótese do art. 1719, III, do Código Civil de 1916, diante da robusta prova da convivência more uxorio entre o testador, já separado de fato, e a legatária, o MM. Juiz de primeiro houve por bem declarar a nulidade do testamento público trasladado a fls. 12/13, datado de 16.01.1987, por entender ausente formalidade essencial.

É certo que duas das cinco testemunhas instrumentárias confirmaram nos autos o que já haviam declarado por escrituras lavradas no curso da ação (fls. 247/248), no sentido de que apenas assinaram o livro de registro, desconhecendo o que estavam assinando, pois não teria havido leitura do conteúdo do ato (fl. 314/315).

Uma terceira testemunha instrumentária (Haroldo de Souza) afirmou que não se recordava se apenas assinou o livro de testamento ou se presenciou as declarações do testador (fl. 313).

Ocorre que nenhuma circunstância indica que a efetiva intenção do testador foi outra que não a de deixar para sua então companheira, com quem já convivia por mais de dezesseis (16) anos, “a parte disponível de seus bens e haveres que existirem por ocasião de sua morte”.

Embora tenham dito, aquelas duas testemunhas (já decorridos quase vinte anos), que não ouviram a leitura em voz alta do conteúdo do testamento, confirmaram que foi o próprio testador que solicitou a presença delas no tabelionato para assinar o livro.

Por outro lado, nenhum indício existe a apontar para interferência direta da beneficiária do testamento, ou de terceiro interessado, na elaboração das declarações em registro. Nem se cogitou, na inicial, de eventual incapacidade do autor da herança de manifestar, na ocasião, a sua última vontade.

Ora, diante desse quadro, entendo que a mera dúvida (e apenas a isso poderia levar a prova dos autos) acerca do cumprimento da formalidade a que alude o art. 1.632, III, do Código Civil de 1916 não tem o condão de invalidar o testamento, elaborado, no mais, com expressa observância das solenidades exigidas (art. 1.634).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para julgar improcedente a ação, invertendo os ônus sucumbênciais.

ELLIOT AKEL – Relator.

Fonte: Boletim INR nº 4908 – Grupo Serac – São Paulo, 28 de Outubro de 2011.