CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública com descrição diversa da constante da matrícula – Pequena diferença na medida de uma das faces do quadrilátero – Divergência, ademais, entre nomes da promitente vendedora e da proprietária tabular – Alteração da razão social já averbada – Denominação anterior empregada na escritura primitiva e na primeira re-ratificação – Denominação atualizada na segunda re-ratificação – Dúvida julgada procedente – Recurso provido – Improcedência reconhecida – Registro determinado – Inteligência do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 7.433/85.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 130-6/5, da Comarca de RIBEIRÃO PRETO, em que é apelante a FUNDAÇÃO SISTEL DE SEGURIDADE SOCIAL e apelado o 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores LUIZ TÂMBARA, Presidente do Tribunal de Justiça e MOHAMED AMARO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça

São Paulo, 15 de abril de 2004.

(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Corregedor Geral da Justiça e Relator

V O T O

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública com descrição diversa da constante da matrícula – Pequena diferença na medida de uma das faces do quadrilátero – Divergência, ademais, entre nomes da promitente vendedora e da proprietária tabular – Alteração da razão social já averbada – Denominação anterior empregada na escritura primitiva e na primeira re-ratificação – Denominação atualizada na segunda re-ratificação – Dúvida julgada procedente – Recurso provido – Improcedência reconhecida – Registro determinado – Inteligência do artigo 2º, § 1º, da Lei nº 7.433/85.

1. Cuida-se de apelação interposta por Fundação Sistel de Seguridade Social contra sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, o qual recusou o registro de escrituras públicas (promessa de compra e venda e duas re-ratificações subseqüentes), argumentando que a promitente vendedora figurou com razão social antiga, não mais coincidente com a decorrente de alteração já averbada na matrícula, e que a medida da face do terreno para a Rua Campos Salles consta do título como sendo de 98,00 metros, enquanto a metragem consignada na aludida matrícula é de 98,90 metros.

A r. decisão apelada deu guarida a tal posicionamento, sob invocação dos princípios da legalidade, da continuidade e da especialidade.

Pleiteia sua reforma a apelante, afirmando, em síntese, que a promitente vendedora e o imóvel negociado se acham bem identificados e são, insofismavelmente, os mesmos indicados no fólio real.

Para o Ministério Público (fls. 188/193), o recurso merece provimento.

É o relatório.

2. As peculiaridades existentes revelam que, neste caso específico, o registro se afigura, deveras, possível.

Há sólidos elementos que permitem o induvidoso estabelecimento de identidade perfeita entre a pessoa jurídica que figura como proprietária tabular e aquela posicionada, nas escrituras em tela, como promitente vendedora, tudo de modo a indicar que o registro almejado não vulnerará o princípio da continuidade.

Deve ser observado, inicialmente, que a escritura pública de compromisso de compra e venda de fls. 49/58 foi lavrada em 24 de setembro de 1998, nela denominada a promitente vendedora como Almeida Júnior Invest Empreendimentos e Participações Limitada.

Na época, ou seja, ao tempo do negócio, era precisamente essa a nomenclatura constante do fólio real, passível de ser verificada e conferida pela promissária compradora, uma vez que sua alteração para Almeida Júnior Shopping Centers Ltda. só veio a ser ali averbada em 10 de maio de 2000 (Av. 7/68259, cf. fls. 118 verso).

Portanto, quando da formação do título, havia coincidência exata entre este e a matrícula no que toca ao aspecto focalizado.

Mas não é só. Seguiram-se àquela primeira duas outras escrituras públicas de re-ratificação, sendo que da última delas constou a nova razão social, Almeida Júnior Shopping Centers Ltda., com expressa menção às alterações verificadas em relação ao respectivo contrato de sociedade (fls. 64). E, no item VI do referido instrumento público derradeiro, ficou consignado: “As partes ratificam todas as demais cláusulas e condições da escritura ora re-ratificada, desde que não conflitantes com o estabelecido no presente instrumento, bem como aquelas tratadas na escritura de re-ratificação descrita no item ‘II’ desta” (fls. 66). Nesse diapasão, como visto, a denominação da promitente vendedora estampada no derradeiro ato notarial foi atualizada em relação ao teor das escrituras precedentes. Logo, quando de sua apresentação para registro, em 2003, também havia coincidência entre tal denominação e a insculpida no fólio imobiliário, lembrando-se que a averbação do novo nome data de maio de 2000.

Não paira, enfim, qualquer dúvida respeitante à identidade tabular da promitente vendedora que possa implicar quebra da necessária linha de continuidade e empecer o registro.

Por outro lado, a pequena diferença de metragem não configura, igualmente, o obstáculo intransponível alhures vislumbrado.

É certo que, enquanto no cadastro imobiliário se aponta, quanto ao terreno em tela, uma extensão de 98,90 metros de testada para a Rua Campos Salles, dos títulos exibidos se extrai a medida de 98,00 metros. Há, destarte, uma diferença de noventa centímetros.

Os demais dados descritivos foram reputados coincidentes.

Acrescentando-se a isso outras considerações que seguem, possíveis “in casu”, evidencia-se, com nitidez, que o imóvel negociado é o mesmo matriculado sob nº 68.259 perante o Oficial suscitante.

Com efeito, trata-se de área bem delimitada, porquanto, segundo a expressa indicação tabular “compreende todo o quarteirão, formado pelas ruas São José, Campos Salles, Garibaldi e Prudente de Morais” (fls. 116).

Plena, nesse aspecto, assim como em outros, a consonância com a descrição em título (fls. 50).

Nessa esteira, mostra-se de bom alvitre a consideração tecida pelo douto representante do Ministério Público a fls. 190: “A indicação, nos títulos, da base geodésica formada pelo sobredito quarteirão ajusta-se com perfeição ao mesmo espaço geográfico declinado na matrícula do imóvel de interesse. Há, neste ponto, compatibilidade entre título e registro, em ordem a assegurar que a unidade predial negociada não é outra que não aquela declinada pelos contratantes como a da matrícula nº 68.259, devendo ser desconsiderada a apoucada diferença de medida de uma das perimetrais detectada pelo registrador”.

Aliás, havendo escritura pública, incidem as disposições da Lei nº 7.433, de 18 de dezembro de 1985, notadamente a do parágrafo 1º de seu artigo 2º. À luz do ali regulamentado, basta que conste do instrumento menção ao número da matrícula correspondente e indicação de dados de endereço, não se exigindo descrição física minudente do bem.

No rumo assim traçado se insere precedente deste Conselho, consubstanciado em Acórdão relatado pelo Des. Antônio Carlos Alves Braga, publicado D.O.E. – P. J. de 02 de maio de 1996 e proferido na Apelação Cível nº 29.670-0/9, de Itapeva, mediante votação unânime.

Vale reproduzir a ementa:

“Registro de Imóvel – Dúvida – Imóvel urbano que dispensa a descrição e caracterização – Título que indica a matrícula do imóvel dele objeto – Elemento que basta para permitir o registro – inteligência do artigo 2º, § 1º, da Lei 7.433/85 – Recurso provido.

“Em se tratando de imóvel urbano, dispensável seja descrito e caracterizado, bastando que o título consigne sua matrícula. Neste caso, não havendo dúvida acerca de qual seja a unidade imobiliária, o registro afigura-se possível, cumprindo desprezar na escritura eventual descrição em desconformidade com a matricial, que deverá prevalecer, porque o registro só pode ser retificado ou suprido pelo meio próprio, previsto no artigo 213, § 1º e § 2º da Lei de Registros Públicos”.

No corpo do julgado, a questão fica bem esclarecida. Embora se cogite de trecho já transcrito no parecer ministerial, convém inseri-lo, em prol da clareza, também aqui:

“Cuida-se de imóvel urbano, que dispensaria sua descrição e caracterização no título, como está disciplinado no artigo 2º, § 1º, da Lei 7.433 de 18 de dezembro de 1.985, que dispõe sobre os requisitos para as escrituras públicas.

“Quando o objeto do título for unidade imobiliária urbana, bastará que nele esteja consignado o número da matrícula do imóvel, como ocorreu.

“Eventual descrição encontrada no título deve ser desprezada, máxime quando ela venha inovar aquela outra que consta de matrícula, que deve prevalecer”.

Infere-se, enfim, do conjunto das ponderações coligidas, que deve ser franqueado o acesso pretendido, o qual, pelas peculiaridades do caso concreto, não importará em prejuízo à segurança do sistema, nem em ofensa aos princípios norteadores invocados, particularmente os da continuidade e da especialidade.

Anote-se que a observância de tais princípios deve ser cuidadosa e constante, sem, no entanto, que isso conduza, por hipótese, a um formalismo desmesurado e irrefletido, que venha a comprometer a própria operacionalidade, viabilidade e eficácia do sistema registrário.

No autorizado escólio de Carlos Maximiliano, “deve o direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis” (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 11ª edição, Forense, Rio de Janeiro, 1990, pág. 166).

Assim, dou provimento ao recurso, para reformar a r. sentença apelada, julgar improcedente a dúvida e determinar a realização do registro postulado.

(a) JOSÉ MÁRIO ANTONIO CARDINALE, Relator