TJ|SP: Testamento – Cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade impostas pelos testadores – Falecimento destes – Pedido de levantamento das cláusulas pelo herdeiro – Sentença de improcedência – Flexibilização da vedação contida no artigo 1.676 do Código Civil de 1916 – Circunstâncias do caso concreto que autorizam o cancelamento dos gravames – Apelação provida.

Testamento – Cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade impostas pelos testadores – Falecimento destes – Pedido de levantamento das cláusulas pelo herdeiro – Sentença de improcedência – Flexibilização da vedação contida no artigo 1.676 do Código Civil de 1916 – Circunstâncias do caso concreto que autorizam o cancelamento dos gravames – Apelação provida.

EMENTA

TESTAMENTO – Cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade impostas pelos testadores – Falecimento destes – Pedido de levantamento das cláusulas pelo herdeiro – Sentença de improcedência – Flexibilização da vedação contida no artigo 1.676 do Código Civil de 1916 – Circunstâncias do caso concreto que autorizam o cancelamento dos gravames – Apelação provida. (TJSP – Apelação Cível nº 0001016-73.2011.8.26.0011 – São Paulo – 4ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Carlos Henrique Miguel Trevisan – DJ 23.01.2012)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0001016-73.2011.8.26.0011, da Comarca de São Paulo, em que é apelante ADRIANO JOSE SINIGOY.

ACORDAM, em 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FÁBIO QUADROS (Presidente) e NATAN ZELINSCHI DE ARRUDA.

São Paulo, 6 de outubro de 2011.

CARLOS HENRIQUE MIGUEL TREVISAN – Relator.

RELATÓRIO

A sentença de fls. 38/40, cujo relatório é adotado, indeferiu o pedido de cancelamento das cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade que incidem sobre o imóvel descrito na inicial, as quais foram impostas em testamentos deixados pelos genitores do requerente.

Apela o requerente (fls. 46/54) alegando que não houve justa causa nos testamentos a ensejar a manutenção das cláusulas.

O recurso foi regularmente processado.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de pedido de levantamento de cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade que gravam o imóvel localizado na Rua Eugênio de Medeiros, 461, São Paulo, alegando o apelante que recebeu referido imóvel como parte da herança de seus pais, que, nos seus respectivos testamentos (fls. 28 e 29), estabeleceram referidas cláusulas, averbadas junto à matrícula do imóvel em abril de 1988 (fl. 21).

Não se desconhece o teor do artigo 1.676 do Código Civil de 1916, em vigor ao tempo da imposição da cláusula restritiva instituída pelos testadores, ocasião em que a lei não exigia justa causa para a imposição de cláusulas à legítima, ao contrário do que passou a ocorrer com a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (artigo 1.848).

Contudo, conforme orientação jurisprudencial adotada por esta Câmara, é de se atenuar a sua aplicação:

Extinção de cláusulas restritivas. Admissibilidade. Doadores impuseram impenhorabilidade e inalienabilidade, mas permaneceram com usufruto vitalício do bem. Mera liberalidade não ocorrida. Egoísmo atroz que não pode prevalecer. Vários donatários já faleceram. Função social da propriedade é de rigor. Apelo provido (Apelação 403.209-4/7-00, Relator Desembargador Natan Zelinschi de Arruda, 15/12/2005)

O prevalecimento dos gravames se apresenta como lesivo aos interesses do apelante uma vez que estará impedido de melhor aproveitar o patrimônio recebido, motivo pelo qual o pedido merece acolhida, respeitado o entendimento diverso constante da r. sentença recorrida.

Conforme orientação jurisprudencial adotada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, é de se atenuar a sua aplicação “quando verificado que a desconstituição da cláusula de impenhorabilidade instituída pelo testador se faz imprescindível para proporcionar o melhor aproveitamento do patrimônio deixado e o bemestar do herdeiro, o que se harmoniza com a intenção real do primeiro, de proteger os interesses do beneficiário” (REsp. 303.424-GO, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior).

No mesmo sentido, “A regra restritiva à propriedade encartada no art. 1.676 deve ser interpretada com temperamento, pois a sua finalidade foi a de preservar o patrimônio a que se dirige, para assegurar a entidade familiar, sobretudo aos posteriores, uma base econômica e financeira segura e duradoura. Todavia, não pode ser tão austeramente aplicada a ponto de se prestar a ser fator de lesividade de legítimos interesses, desde que o seu abrandamento decorra de real conveniência ou manifesta vantagem para quem ela visa proteger associado ao intuito de resguardar outros princípios que o sistema da legislação civil encerra” (REsp. 34.744/SP, relator Ministro César Asfor Rocha).

Igual posicionamento consta de precedentes mais recentes deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Testamento. Pedido de cancelamento de cláusulas restritivas. Necessidade de abrandamento do disposto no art. 1.676 do Código Civil de 1916, aplicável à espécie. Precedentes do STJ. Cláusula lesiva aos interesses dos apelantes, já que impedidos do melhor aproveitamento do patrimônio recebido. Cancelamento determinado. Apelo provido (Apelação nº 504.225-4/6-00, Relator Desembargador Donegá Morandini, 24.6.2008)

É perfeitamente possível a retirada dos gravames de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade em favor do princípio social da propriedade, no caso, presente, não se justificando que se perpetue os gravames quando desapareceram as razões que nortearam a testadora. Gravame que onera o beneficiário demasiadamente. Cancelamento em atenção ao princípio da razoabilidade. Recurso provido para, afastada a extinção da ação, julgá-la procedente na forma do art. 515, § 3º, do CPC, para decretar o cancelamento dos vínculos que recaem sobre o imóvel objeto da ação, sem qualquer outra imposição à recorrente o que, vale dizer, sem necessidade de subrogação das restrições (Apelação nº 6.462.454.300. Relator Desembargador Octavio Helene, 27.10.2009)

A ação fica, portanto, julgada procedente, determinando-se o cancelamento das referidas cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade instituídas nos testamentos de fls. 28 e 29, com expedição dos necessários mandados ao Cartório de Registro de Imóveis competente.

Ante o exposto, o voto é no sentido de se dar provimento à apelação.

CARLOS HENRIQUE MIGUEL TREVISAN – Relator.

Fonte: Boletim INR nº 5117 – Grupo Serac – São Paulo, 17 de Fevereiro de 2012.