CGJ|RJ: Consulta. Autorização para a lavratura de Inventário e Partilha com a existência de testamento revogado. Autorização pelo juízo que constituiria em invasão da competência legal do notário. A consulta em casos concretos somente diz respeito a aspectos de organização técnica do notário. Tal autorização implicaria na divulgação indevida para a prática de outros atos desse tipo. Ademais, referida autorização pleiteada para a lavratura do ato, o notário se resguarda de qualquer responsabilidade, o que contravém ao sistema da Lei nº 8.935/94. Orientação prejudicada.

Vistos, etc.

Trata-se de consulta formulada pelo delegatário do 8º RCPN e Tabelionato, conforme consta de f. 02, instruída com os documentos de f. 03/06. Promoção do Ministério Público, às f. 12 e 13.

É o relatório. Decido.

O consulente pleiteia autorização para a lavratura de escritura pública de inventário de MURILLO MONTEIRO DE BARROS, por ter dúvida quanto a essa possibilidade, eis que o falecido fez testamento no 3º Ofício de Notas de Teresópolis e, posteriormente, o revogou na serventia do consulente, tendo falecido posteriormente.

Esclarece o consulente que os interessados desejam realizar inventário através de escritura pública na forma da Lei nº 11.441/07, por entenderem que inexiste testamento válido em vigor. Finda o consulente por manifestar a sua dúvida sobre a lavratura de tal escritura, uma vez que a nova redação do art. 982 do CPC impede aqueles que possuem testamento de celebrar tal ato notarial e, ainda, se tal impedimento abrangeria a escritura de revogação de testamento feita em 2005.

O Ministério Público se posicionou pela concessão da autorização pleiteada.

Pois bem. Os delegatários dos serviços extrajudiciais são profissionais do direito (art. 3º da Lei nº 8.935/94), significando dizer que detêm conhecimento jurídico para, examinando os casos que lhe são apresentados, praticar ou não os atos de seu ofício.

No caso dos registradores de imóveis, a atuação se dá com o exame dos títulos que lhes são apresentados. Nesse ponto, cumpre ressaltar que o registro tem a natureza jurídica de processo administrativo, conforme consta mencionado no Capítulo III do Título V da Lei nº 6.015/73.

Ao notário, por sua vez, também atuando como profissional do direito, compete, entre outras atribuições, intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; (art. 6º, III, Lei nº 8.935/94). Assim, somente cabe ao notário formalizar negócios jurídicos legalmente possíveis. Para isso, compete-lhe examinar o caso que lhe foi apresentado.

No presente feito o notário consulente pede autorização para praticar ato por estar em dúvida sobre a interpretação que deve dar ao dispositivo de lei que menciona. Entendo, entretanto, não caber a esse juízo prestar a consulta solicitada.

Em primeiro lugar, uma autorização por esse juízo para a prática do ato constituiria em invasão da competência legal do notário, como profissional do direito que é, na análise jurídica do caso.

Em segundo lugar, apesar de se tratar de caso concreto, a solução a ser dada à questão submetida teria repercussão generalizada vinculando administrativamente este juízo e, provavelmente, o Egrégio Conselho da Magistratura, este no reexame necessário.

Note-se que a previsão jurídica de responder a consultas no caso concreto não concerne, no mais das vezes, à função primordial do delegatário de atuar como profissional do direito examinando as situações que lhe são apresentadas. Na verdade, ao meu ver, atuação judicial de tal tipo seria, quando muito, excepcionalíssima.

Ao meu sentir, a previsão legal inserta no CODJERJ desse juízo prestar consulta em casos concretos somente diz respeito a aspectos de organização técnica do notário. Não se pode também perder de vista que, no presente caso, a autorização da lavratura da escritura pública de inventário manietaria o registrador na condução do provável processo de registro e transmissão imobiliária, na medida em que lhe suprimiria a atuação de exame da possibilidade jurídica do registro do título.

Nessa linha de raciocínio, não se pode olvidar que a previsão da Lei nº 6.015/73 é a de suscitação de dúvida, na hipótese em que se analisa a legalidade da exigência do registrador. A importância dessa menção reside no fato de que a lei somente prevê a apreciação judicial da legalidade da atuação do notário na confecção do título se o registrador imobiliário fizer exigência legal e o interessado com ela não se resignar, solicitando-lhe, por consequência, a suscitação da dúvida. Assim, prestar consulta no presente caso significaria subverter o esquema legal previsto na Lei nº 6.015/73, restando ainda malferido o inc. XIII do art. 30 da Lei nº 8.935/94.

Em terceiro lugar, prestando este juízo consulta, o notário consulente, guardando para si a solução do caso, poderá dele se valer para, com exclusividade, divulgar indevidamente a sua autorização para a prática de outros atos desse tipo.

Em quarto e último lugar, para não alongarmos ainda mais o nosso entendimento, também se verifica que, com a autorização pleiteada para a lavratura do ato, o notário se resguarda de qualquer responsabilidade, o que contravém ao sistema da Lei nº 8.935/94.

Por todas essas considerações, penso que somente num eventual procedimento de dúvida a questão da legalidade do ato praticado pelo notário poderá ser analisada.

Sendo assim, DEIXO DE PRESTAR a ORIENTAÇÃO pleiteada e, por via de consequência, de autorizar a prática do ato pelo notário consulente. Sem custas. Ciência ao Ministério Público. Subam os autos ao E. Conselho da Magistratura por força do art. 89, § 2º do CODJERJ. Caso a presente decisão seja ratificada pela Superior Instância, comunique-se o consulente através de ofício; após, caso o feito esteja regular, dê-se baixa e arquive-se com as devidas cautelas legais.

P.R.I.