CSM|SP: Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Negativa de registro de formal de partilha. Imóvel que, até 2008, era cadastrado como rural, no INCRA. Necessidade de comprovação da inexistência de débitos de ITR relativos aos cinco últimos anos de exercício. Alteração do perímetro urbano por lei municipal. Critério da localização que, por si só, não é suficiente para definir a natureza do imóvel para fins tributários. Critério da destinação para delimitar as competências municipal (IPTU) e federal (ITR). Circunstâncias de fato que levam à presunção de não existir débito fiscal. Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 0000004-23.2010.8.26.0443, da Comarca de PIEDADE, em que é apelante RAYMUNDA HONORATA CONCEIÇÃO e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores JOSÉ ROBERTO BEDRAN, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ SANTANA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, ANTONIO AUGUSTO CORRÊA VIANNA, Decano, CIRO PINHEIRO E CAMPOS, LUIS ANTONIO GANZERLA e FERNANDO ANTONIO MAIA DA CUNHA, respectivamente, Presidentes da Seção Criminal, de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 21 de novembro de 2011.

(a) Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, Corregedor Geral da Justiça

Voto

Registro de Imóveis. Dúvida julgada procedente. Negativa de registro de formal de partilha. Imóvel que, até 2008, era cadastrado como rural, no INCRA. Necessidade de comprovação da inexistência de débitos de ITR relativos aos cinco últimos anos de exercício. Alteração do perímetro urbano por lei municipal. Critério da localização que, por si só, não é suficiente para definir a natureza do imóvel para fins tributários. Critério da destinação para delimitar as competências municipal (IPTU) e federal (ITR). Circunstâncias de fato que levam à presunção de não existir débito fiscal. Recurso provido.

O Oficial de Registro de Imóveis de Piedade recusou o ingresso de formal de partilha apresentado por Raymunda Honorata Conceição, porque desacompanhado de certidão negativa de débitos de ITR, relativa aos cinco últimos exercícios. O imóvel inventariado estava cadastrado no INCRA e, apesar das alterações na lei municipal de zoneamento, assim permaneceu até 2008.

O MM. Juiz Corregedor Permanente acolheu a dúvida e manteve a recusa. Inconformada, a interessada apelou alegando que uma lei municipal ampliou, em 1975, o perímetro urbano, do qual o imóvel passou a fazer parte. A Municipalidade emitiu certidão negativa de débitos de IPTU, o que comprova que ele está cadastrado como urbano. O art. 2º, parágrafo único, da Lei 9.393/96, isenta de tributos glebas rurais com áreas inferiores a 30 hectares, faixa à qual pertence o bem inventariado. A certidão exigida é de impossível obtenção, porque o imóvel está imune à tributação federal.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 107/110).

É o relatório.

A dúvida versa sobre formal de partilha que inclui a Gleba D, com área de 6.344 metros quadrados, situada no “Poço Grande”, Bairro dos Paulas e Mendes, matrícula 4.565, do Registro de Imóveis e Piedade (fls. 17). Um terço da área foi inventariada.

A Lei 9.393/96 condiciona a prática de qualquer ato referido no art. 167 da Lei de Registros Públicos à comprovação da inexistência de débitos de ITR referentes aos cinco últimos exercícios (art. 21).

O imóvel esteve cadastrado no INCRA até 2008. Por essa razão, o Oficial exigiu a certidão negativa, em cumprimento ao dispositivo legal. A apelante não se conformou porque, de acordo com lei municipal, o imóvel integra o perímetro urbano. Mas isso não é suficiente para caracterizá-lo como urbano, para fins tributários. Há muito se discute a respeito do critério determinante para essa finalidade. O art. 32, par. 1º, do Código Tributário Nacional adotou o critério da localização, mas o Decreto-lei 57/1966 acrescentou o critério da destinação.

O Superior Tribunal de Justiça, no recurso especial no. 1.112.646 – SP, Rel. Min. Herman Benjamin, reconhecido como representativo de controvérsia, para os fins do art. 543-C do Código de Processo Civil decidiu a questão:

“O art. 32, par. 1º., do CTN adota o critério da localização do imóvel e considera urbana a área definida na lei municipal, desde que observadas pelo menos duas das melhorias listadas em seus incisos. Ademais, considera-se também nessa situação o imóvel localizado em área de expansão urbana, constante de loteamento aprovado, nos termos do par. 2º, do mesmo dispositivo. Ocorre que o critério especial do art. 32 do CTN não é o único a ser considerado. O Decreto-lei 57/1966, recepcionado pela atual Constituição como lei complementar (assim como o próprio CTN), acrescentou o critério da destinação do imóvel, para delimitação das competências municipal (IPTU) e federal (ITR) … Assim, não incide IPTU, mas sim o ITR, sobre o imóvel localizado na área urbana do Município, desde que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa, vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial”.

No mesmo sentido, o parecer da Corregedoria Geral da Justiça, proferido no processo 60.789/2010, de 09/12/2010, da lavra do MM. Juiz Auxiliar Walter Rocha Barone.

Não há esclarecimentos sobre a destinação do imóvel inventariado, mas ele ficou cadastrado no INCRA até 2008, mesmo passados 23 anos da alteração da lei municipal. Nessas circunstâncias, acertada em tese a exigência do Oficial, diante dos termos peremptórios do art. 21 da Lei 9.393/96. Sucede que o exame pormenorizado do caso permite conclusão oposta. O imóvel tem dimensão mínima para exploração rural (2114,66 metros quadrados). Desde 1975, está incluído na área urbana do Município de Piedade. A meeira e alguns herdeiros residem no imóvel, que se situa em frente a rua da cidade (fls. 59). O valor do imóvel é bem reduzido, sendo o único bem do espólio transmitente e obtida a isenção do imposto de transmissão “causa mortis”. Possível presumir, diante desses fatos, que não há débito de imposto territorial rural incidente sobre o imóvel, decorrente a presunção da constatação do que costumeiramente acontece em hipóteses semelhantes. Os interessados são hipossuficientes, circunstância que dificulta acesso às informações da Receita Federal. De qualquer forma, existente débito, ele poderá ser exigido sem prejuízo aos cofres públicos.

Nesses termos, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.

(a) Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, Corregedor Geral da Justiça (D.J.E. de 29.02.2012)