CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Recusa do Oficial em registrar escritura pública de doação com reserva de usufruto – Cláusulas restritivas – Inexistência de indicação de justa causa – Inteligência dos arts. 1.848, “caput”, e 2042 do do Código Civil – Nulidade – Cindibilidade do título – Precedentes do Conselho Superior – Registro da escritura de doação, desconsiderada a cláusula restritiva – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 0024268-85.2010.8.26.0320, da Comarca de LIMEIRA, em que é apelante MARIA APARECIDA FINOTTI PILON E OUTROS e apelado o 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores JOSÉ ROBERTO BEDRAN, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ SANTANA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, ANTONIO AUGUSTO CORRÊA VIANNA, Decano, CIRO PINHEIRO E CAMPOS, LUIS ANTONIO GANZERLA e FERNANDO ANTONIO MAIA DA CUNHA, respectivamente, Presidentes da Seção Criminal, de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 21 de novembro de 2011.

(a) Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, Corregedor Geral da Justiça

VOTO

Registro de Imóveis – Dúvida – Recusa do Oficial em registrar escritura pública de doação com reserva de usufruto – Cláusulas restritivas – Inexistência de indicação de justa causa – Inteligência dos arts. 1.848, “caput”, e 2042 do do Código Civil – Nulidade – Cindibilidade do título – Precedentes do Conselho Superior – Registro da escritura de doação, desconsiderada a cláusula restritiva – Recurso provido.

Trata-se de apelação interposta por Maria Aparecida Finotti Pilon, Maria Angelina Finotti Kuhl, José Roberto Kuhl, Sidney Tadeu Finotti, Cloris Teresinha Gianotto Finotti, Sérgio Roberto Finotti, Roseli Ferreira dos Santos Finotti, Gioconda Finotti Ferrari e Carlos Airton Ferrari, contra decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º. Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Limeira, que manteve a recusa do registro de escritura pública de doação com reserva de usufruto dos prédios situados na R. Evangelista Ferraz nº 85, R. Paraíba nº 423 e R. Paraíba nº 456, o primeiro matriculado sob nº 17.017 e os demais transcritos sob os números 32.720/3 e 30.134/3, respectivamente.

A recusa fundou-se na cláusula de impenhorabilidade imposta pelos doadores, sem a indicação de justa causa, em afronta ao art. 1848, “caput”, do Código Civil. Embora a escritura tivesse sido lavrada na vigência do Código Civil de 1916, não foi feito o aditamento para indicação de justa causa, na forma do art. 2042, o que inviabiliza o registro.

Os apelantes sustentam que o disposto no art. 1848, “caput”, aplica-se apenas aos testamentos, e não pode ter interpretação extensiva. Pela mesma razão, inaplicável o art. 2042 do Código Civil.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo provimento ao recurso (fls. 55/57).

É o relatório.

O Código Civil de 1916 não estabelecia nenhuma limitação ao poder dos testadores e doadores de impor cláusulas restritivas (art. 1676). O atual disciplinou o assunto de forma diferente, pois estatui, no art. 1848, “caput”, que: “Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, de impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima”. Sobre os bens que compõem a parte disponível, não há restrição.

Manifesta, pois, a intenção de o legislador reduzir os poderes do testador em relação à legítima. Por essa razão, presente a mesma “ratio legis” (“Ubi eadem ratio ibi idem ius”), não há como afastar a aplicação extensiva do art. 1848, “caput”, às doações feitas aos herdeiros, consideradas adiantamento de legítima (art. 544, do Código Civil). Não fosse assim, estaria aberta a via para burlar a restrição imposta pelo art. 1848, “caput”: bastaria que o titular dos bens os doasse em vida aos filhos, para que pudesse gravá-los sem nenhuma justificativa.

O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, em acórdão de 03 de março de 2009, Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, proferido na apelação cível no. 613.184-4/8-00 concluiu: “…com o advento do Código Civil de 2002, estabeleceu-se nova regra acerca da possibilidade de previsão de cláusula de inalienabilidade em seu art. 1848, “caput”… Insta ressaltar que, conforme corretamente anotado na sentença, referido dispositivo é, também, aplicável à doação considerada adiantamento de legítima, como se verifica na presente hipótese. A despeito de a doação ter ocorrido à época da vigência do Código Civil de 1916, não há como negar que a hipótese se enquadra no art. 2042, do Código Civil de 2002, que viabiliza a incidência do texto do art. 1848, “caput”, acima referido”.

A falta de referência, no título, à inclusão dos bens doados entre os que compõem a parte disponível faz presumir o adiantamento de legítima, como expressamente estabelece o art. 2005 do Código Civil.

Uma vez que o disposto no art. 1848, “caput”, do Código Civil, aplica-se à doação entre pais e filhos, como adiantamento de legítima, também aplicável o art. 2042, dada a identidade de situações. A doação foi feita em 15 de março de 1999, antes da entrada em vigor do atual Código Civil. Ambos os doadores faleceram em 2009 (fls. 12 e 13), sem promover o aditamento do contrato para declarar a justa causa da cláusula aposta.

Mas a falta de justa causa compromete apenas a validade da cláusula restritiva, não da doação. Há muito este Egrégio Conselho Superior da Magistratura vem aplicando a regra da cindibilidade do título, pelo qual autoriza-se o registro daquilo que possa ingressar no fólio real, e nega-se o daquilo que não possa, permitindo-se extrair do título apenas aquilo que comporta o registro. A doação é hígida e foi livremente celebrada entre os contratantes. Apenas a cláusula de impenhorabilidade padece de vício, por afronta ao art. 1848, “caput”, do Código Civil. Admissível, portanto, o registro da escritura de doação, desconsiderandose a cláusula de impenhorabilidade nele inserida.

Em caso similar, este Egrégio Conselho Superior decidiu:

“Há, contudo, um único vício no instrumento de compra e venda do imóvel adquirido pela apelante que impede o seu ingresso no registro, na forma como elaborado. Diz respeito à cláusula de incomunicabilidade inserida na escritura. Com efeito, quando a interveniente Maria Helena doou a importância de R$ 120.000,00, representada pelo apartamento do edifício Príncipe de Liverpool, no. 63, transmitindo-o a seguir aos vendedores Edmundo Antonio e sua mulher, fez constar que a doação se fazia com exclusividade, em caráter incomunicável, como adiantamento de sua legítima. A disposição constante do título é nula, porque afronta o disposto no art. 1848 do Código Civil … Todavia a nulidade ora apontada se restringe apenas à cláusula inserida no título e não importa na invalidade deste, mas somente na sua cindibilidade, a fim de que se torne viável o seu registro a seguir” (Ap. Civ. 440-6/0, de 06 de dezembro de 2005, Rel. Des. José Mário Antonio Cardinale).

O registro da escritura pública de doação é, portanto, admissível, cindindo-se o título para desconsiderar a cláusula de impenhorabilidade nele inserida.

Posto isso, dou provimento ao recurso.

(a) Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, Corregedor Geral da Justiça (D.J.E. de 29.02.2012)