1ª VRP|SP: Registro. Escritura Pública de Inventário e Partilha. Comunhão Parcial de Bens. Bem comum inventariado. Divergência doutrinária e jurisprudencial na interpretação do art. 1829, I, do Código Civil. Cônjuge sobrevivente aquinhoada com a meação e também na condição de herdeira. Ofensa à ordem pública. Bem particular não é fator determinante para que a cônjuge supérstite se torne herdeira de todo o patrimônio em concorrência com os descendentes. Dúvida procedente.

Processo 0001060-82.2012.8.26.0100

CP 13

Dúvida – Registro de Imóveis

8º Oficial de Registro de Imóveis da Capital do Estado de São Paulo

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 8º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Rui Maurício Fonseca Evangelista, em razão de recusa de registro de escritura de inventário e partilha amigável. Segundo o Oficial, o título apresentado infringiu o art. 1.829, I do Código Civil, pois, em imóvel comum do casal, o cônjuge supérstite, além de sua meação, recebeu também quinhão na condição de herdeiro.

O interessado Rui Maurício Fonseca Evangelista impugnou a dúvida (fls. 45/62). Sustentou, em síntese, que a escritura pública de inventário apresentada a registro não afronta o art. 1.829, I, do Código Civil.

O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls. 65/66).

É o relatório. Decido.

Inicialmente, ressalto que a existência de dissenso doutrinário e jurisprudencial acerca da interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil não autoriza o ingresso no fólio real de títulos que adotem qualquer uma das posições. Cabe a esta Corregedoria Permanente analisar o título apresentado, cuja origem é extrajudicial, e verificar se atendida a norma cogente do art. 1.829, I, do Código Civil.

Permitir o ingresso no fólio real de títulos que adotem qualquer uma das interpretações em relação ao alcance do art. 1.829, I, do Código Civil que são quatro, de acordo com o v. acórdão acostado (fls. 13/22) significaria deixar o particular optar pelo entendimento que lhe aprouvesse a respeito da ordem de vocação hereditária, tema que indiscutivelmente é de ordem pública.

No mérito, a dúvida é procedente. Como já decidido no processo nº 0043812-06.2011 (fls. 4), respeitado os entendimentos diversos, o cônjuge supérstite, no regime da comunhão parcial de bens, receberá apenas sua meação nos bens comuns do casal, concorrendo com os herdeiros apenas na partilha dos bens particulares. Interpretação diversa geraria contradições intransponíveis. Como se poderia explicar, por exemplo, o fato de o cônjuge sobrevivente não ser herdeiro do falecido no regime da comunhão universal (art. 1.829, I, do CC) e ostentar tal condição na hipótese de comunhão parcial?

Embora a redação do dispositivo seja extremamente confusa, de acordo com o art. 1.829, I, do Código Civil, o cônjuge sobrevivente perde sua condição de herdeiro nas duas hipóteses em que já recebe a meação, ou seja, comunhão universal de bens e comunhão parcial em que o autor da herança não deixou bens particulares.

Ora, havendo direito a meação em todo o acervo hereditário, entendeu o legislador não se justificar a concorrência do cônjuge com os descendentes no restante. Por esse raciocínio, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes tão-somente nos bens em que ele não recebe meação, quais sejam, os bens particulares do falecido. A corrente que defende que, havendo bens particulares, o cônjuge supérstite também se torna herdeiro dos bens comuns criaria verdadeiros contrassensos.

É injustificável que a não existência de bens particulares do falecido torne o cônjuge sobrevivente apenas meeiro e a existência de um único bem particular do morto ainda que de valor módico torne o sobrevivente, além de meeiro, herdeiro em concorrência com os descendentes em todo o patrimônio.

Em outras palavras, a existência de bem particular deixado pelo falecido pode, justificadamente, servir de critério para que o cônjuge sobrevivente receba parte desse bem na condição de herdeiro em concorrência com os descendentes.

No entanto, é irracional que o eventual bem particular deixado pelo pré-morto seja o fator decisivo para o que o cônjuge supérstite se torne herdeiro de todo o patrimônio em concorrência com os descendentes.

No caso dos autos, Manoela da Fonseca, cônjuge sobrevivente de casamento realizado pelo regime da comunhão parcial de bens, na partilha de imóvel comum do casal, recebeu, além de sua meação, quinhão na condição de herdeira (fls. 26/35).

Por tudo que foi exposto, a interpretação dada ao art. 1.829, I, do Código Civil pelo Tabelião de Notas que lavrou a escritura de inventário não é a mais adequada, uma vez que no bem comum a cônjuge faria jus apenas à sua meação. Dessa forma, correto o óbice levantado pelo Oficial Registrador.

Ante o exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 8º Registro de Imóveis da Capital, ficando mantida a recusa do título. Oportunamente, cumpra-se o disposto no artigo 203, I, da Lei nº 6.015/73. Nada sendo requerido no prazo legal, ao arquivo.

P.R.I. (D.J.E. de 29.02.2012)