TJ|PR: •Apelação cível – Registros públicos – Pedido de providências visando o cancelamento de registro – Dúvida suscitada pelo Oficial responsável – Adequação – Competência do juízo de registros públicos para o exame da questão – Mérito – Registro de alienação fiduciária de bem imóvel – Cancelamento – Possibilidade – Vícios formais que afastam a validade do registro – Inobservância aos requisitos estabelecidos na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) – Competência do Notário para promover a anulação do registro face ao descumprimento de requisito formal para a escrituração – Sentença reformada – Recurso provido.

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL – REGISTROS PÚBLICOS – PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS VISANDO O CANCELAMENTO DE REGISTRO – DÚVIDA SUSCITADA PELO OFICIAL RESPONSÁVEL – ADEQUAÇÃO – COMPETÊNCIA DO JUÍZO DE REGISTROS PÚBLICOS PARA O EXAME DA QUESTÃO – MÉRITO – REGISTRO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL – CANCELAMENTO – POSSIBILIDADE – VÍCIOS FORMAIS QUE AFASTAM A VALIDADE DO REGISTRO – INOBSERVÂNCIA AOS REQUISITOS ESTABELECIDOS NA LEI DE REGISTROS PÚBLICOS (LEI Nº 6.015/73) – COMPETÊNCIA DO NOTÁRIO PARA PROMOVER A ANULAÇÃO DO REGISTRO FACE AO DESCUMPRIMENTO DE REQUISTO FORMAL PARA A ESCRITURAÇÃO – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO PROVIDO. (TJPR – Apelação Cível nº 0009155-43.2009.8.16.0017 – Maringá – 12ª Câmara Cível – Rel. Des. Clayton Camargo – DJ 23.02.2012)

ACÓRDÃO

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 796.772-6, da Comarca de Maringá – 1ª Vara de Família e Anexos, em que é Apelante INSOL INTERTRADING DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A, Apelados ANCILE SECURITIES COMPANY LIMITED E ANCILE SECURITIES COMPANY S/A, e Interessados 1º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE MARINGÁ e FRANCISCO EMILIO RIBEIRO PLANAS.

ACORDAM os Desembargadores integrantes da 12ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em dar provimento ao recurso.

Presidiu o julgamento o senhor Desembargador ANTONIO LOYOLA VIEIRA, sem voto, e dele participaram, acompanhando o Relator, o senhor Desembargador RAFAEL AUGUSTO CASSETARI e a senhora Juíza

Convocada ANGELA MARIA MACHADO COSTA.

Curitiba, 01 de fevereiro de 2.012.

DES. CLAYTON CAMARGO – Relator.

RELATÓRIO

1. Volta-se o presente recurso contra a respeitável sentença proferida pelo meritíssimo Juiz de Direito da 1ª Vara de Família e Anexos da Comarca de Maringá (fls. 782/791) que, nos autos de Suscitação de Dúvida sob nº255/2009, não acolheu a dúvida suscitada face sua impropriedade, bem como em virtude de não ser o Juízo de Registros Públicos competente para o exame das questões suscitadas.

Em suas razões recursais, INSOL INTERTRADING DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A sustenta a inadequação da sentença combatida ao proceder à análise da questão com fulcro nas normas que regem a relação contratual estabelecida entre os litigantes, de maneira a afastarse da questão posta à exame, que versa sobre a regularidade do registro ante a legislação registral, sendo adequada a via procedimental utilizada para tal finalidade e competente o Juízo da Vara de Registros para sua análise. No mérito, aduz a nulidade absoluta do ato registral apontado, a qual poderá ser reconhecida independentemente de ação direta, nos termos do artigo 214 da Lei dos Registros Públicos.

ANCILE SECURITIES COMPANY LIMITED E OUTRO apresentou contrarrazões ao recurso de Apelação (fls. 829/850), pugnando, preliminarmente, pelo não conhecimento do recurso, ante a ausência de impugnação específica da sentença combatida. No mérito, pleiteou a manutenção da decisão combatida.

A douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo conhecimento e desprovimento do recurso (fls. 103/107). Após, vieram os autos conclusos a este Desembargador Relator.

É o relatório.

VOTO

2. O recurso merece conhecimento. Foi tempestivamente interposto (fls. 808) e regularmente preparado (fls. 821/822), além de conter os demais pressupostos de admissibilidade.

Da Alegada Ofensa ao Princípio da Dialeticidade

Sustenta o Apelado, em sede de contrarrazões, a impossibilidade de ser conhecido o presente recurso face à ausência de impugnação específica da decisão combatida. Entretanto, não há como subsistir tal assertiva.

Isto porque, analisando a peça que apresenta as razões de recurso, observa-se que a Apelante impugnou toda a matéria abordada na decisão que lhes foi desfavorável, buscando demonstrar a adequação da via procedimental utilizada e a competência do Juízo de origem, bem como a nulidade do registro constante na matrícula indicada na exordial

Desta forma, não subsiste a alegada afronta ao princípio da dialeticidade, vez que a razões de insurgência são aptas a atacar especificamente os tópicos da decisão combatida que foram desfavoráveis à insurgente, como lhe competia.

Do recurso de Apelação Cível

A presente insurgência recursal volta-se contra a respeitável sentença proferida pelo Juízo a quo (fls. 782/791) que, nos autos de Suscitação de Dúvida sob nº255/2009, não acolheu a dúvida suscitada face sua impropriedade, bem como em virtude de não ser o Juízo de Registros Públicos competente para o exame das questões suscitadas.

Sustenta a recorrente a inadequação da decisão combatida ao proceder à análise da questão com fulcro nas normas que regem a relação contratual estabelecida entre os litigantes, quando a demanda, na realidade, restringe-se ao âmbito da validade do registro efetuado, razão pela qual deverá ser examinada em face da legislação registral, restando configurada a adequação da via procedimental utilizada pelo notário, assim como a competência daquele Juízo para o seu exame.

Do exame dos autos, verifica-se que a empresa ora Apelante, INSOL INTERTRADING DO BRASIL INDÚSTRIA E COMÉRCIO S/A, apresentou Pedido de Providência perante o 1º Ofício de Registro de Imóvel da Comarca de Maringá, visando o cancelamento do registro de Contrato de Alienação Fiduciária de Bem Imóvel, lavrado sob nº R11 na matrícula nº 68.301, devidamente carreada à exordial (fls.38), aduzindo sua nulidade absoluta.

Por seu turno, as ora Apeladas ANCILE SECURITIES COMPANY LIMITED e ANCILE SECURITIES COMPANY S/A, pugnaram perante aquela circunscrição imobiliária a instauração do procedimento de consolidação da propriedade plena concernente ao mesmo bem imóvel, aduzindo o inadimplemento do pacto.

Ante as pretensões conflitantes apresentadas e a relevância das questões deduzidas, o senhor Oficial de Registro consultou, por meio do procedimento legal de suscitação de dúvida, o Juiz Corregedor do Foro Extrajudicial sobre a forma de proceder.

Assim, analisadas as peculiaridades do caso, resta indubitável a adequação do procedimento adotado pelo notário, através do qual submeteu ao Juiz Corregedor o exame da dúvida erigida quanto a regularidade do registro realizado pelo serventuário, oportunizando a prévia ciência das partes interessadas e o regular contraditório, utilizando-se do procedimento especial de suscitação de dúvida, cujo escopo reside, justamente, na verificação de possíveis irregularidades no processo de registro imobiliário, de maneira a não restar configurada a aventada impropriedade da via eleita.

Por outro aspecto, igualmente não se evidencia a suscitada competência do Juízo Cível para o exame das questões veiculadas através do presente procedimento, pois, diversamente do deduzido, não incursionam no âmbito da validade ou eficácia do negócio jurídico entabulado pelas partes, mas sim, versam sobre a regularidade do registro realizado pelo notário, observados os requisitos legais contidos na legislação registral, matéria afeta ao Juízo de Registros Públicos.

Desta forma, em que pesem os fundamentos lançados na respeitável sentença combatida, resta indubitável a adequação da via procedimental utilizada pelo notário ante a controvérsia que lhe foi apresentada, bem como a competência do Juízo a quo para dirimir a dúvida suscitada, por se referir meramente sobre matéria registral.

No mérito, versa a presente dúvida quanto à possibilidade de ser reconhecida a nulidade de pleno direito verificada no ato registral em comento, independentemente de ação direta, decorrente da inobservância dos requisitos legais estabelecidos na legislação pátria aplicável à espécie.

Depreende-se dos autos que a empresa ora Apelada apresentou perante o 1º Ofício do Registro de Imóveis da comarca de Maringá, contrato de Alienação Fiduciária de Imóvel e Parque Industrial entabulado entre os litigantes, ensejando no registro sob nº R11 da imóvel de matrícula nº 68.301 (fls. 38).

Por ser contrato solene, a alienação fiduciária de bem imóvel exige escritura pública para sua validade, bem como se constitui mediante registro do contrato que lhe serve de título na respectiva circunscrição imobiliária.

Para tal mister, foram estabelecidos pelo ordenamento jurídico requisitos a serem observados para que se promova o válido registro do pacto, os quais deverão ser observados pelo Oficial de Registro durante a fase denominada exame formal dos títulos.

Nesta etapa, em estrita obediência aos ditames legais, quer seja da Lei nº 6.015/73, ou ainda da legislação específica que rege o título apresentado – alienação fiduciária de bem imóvel -, compete ao notário realizar a verificação de sua regularidade formal, merecendo destaque, para o exame da questão posta, a determinação legal de que conste o valor principal da dívida, as condições de reposição do empréstimo ou do crédito fiduciário, bem como a taxa de juros e os encargos incidentes, elementos estes, contudo, não indicados no registro realizado, em evidente afronta à legislação registral cogente.

Ora, neste diapasão expressamente preceitua o artigo 176, inciso III, item ‘5’, da Lei nº6.015/73:

Art. 176 – O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.

III – são requisitos do registro no Livro nº 2:

5) o valor do contrato, da coisa ou da dívida, prazo desta, condições e mais especificações, inclusive os juros, se houver.

Por seu turno, disciplina o Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Paraná:

16.16.2 – O contrato que servirá de título para o registro da alienação fiduciária, deverá:

III – conter os requisitos enumerados nos inc. I a VII, do art. 24, da Lei nº 9.514, de 20.11.1997;

Dispõe a Lei nº 9.514/1997, em seu artigo 24, que:

Art. 24. O contrato que serve de título ao negócio fiduciário conterá:

I – o valor do principal da dívida;

II – o prazo e as condições de reposição do empréstimo ou do crédito do fiduciário;

III – a taxa de juros e os encargos incidentes;

Portanto, resta indubitável que o ato registral indicado foi realizado em desconformidade à forma prescrita em lei, deixando de satisfazer os requisitos obrigatórios estabelecidos pelo ordenamento pátrio, revestindo-se de vício formal que afasta sua validade e impõe o reconhecimento de sua nulidade absoluta, nos termos do artigo 214 da Lei de Registros Públicos, in verbis:

Art. 214 – As nulidades de pleno direito do registro, uma vez provadas, invalidam-no, independentemente de ação direta.

Neste aspecto, cumpre consignar a legitimidade do Oficial Registrador, bem como do Juízo de Registros Públicos, para promover, ainda que de ofício, a anulação de registro realizado em inobservância aos requisitos exigidos para a escrituração, desde que resguardado o devido contraditório e ampla defesa aos interessados, hipótese que se coaduna à dos autos.

Com efeito, não há que se olvidar que o principal dever do Oficial de Registro de Imóveis reside em observar e cumprir as normas legais quando do exame dos títulos que lhe são apresentados para registro, bem como, ao constatar a nulidade de registro levado a efeito, proceder à sua anulação, pois somente passível de assentamento os títulos que se encontram em conformidade com a legislação aplicável, sob pena de afronta ao princípio da legalidade no processo imobiliário.

Neste diapasão é a jurisprudência deste egrégio Tribunal de Justiça:

APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. REGISTRO DE IMÓVEIS. NULIDADE. APELAÇÃO. ILEGITIMIDADE. IMPROCEDÊNCIA. PROCEDIMENTO DE CARÁTER ADMINISTRATIVO. PODER CORREICIONAL. LEI 6.015/73 (LRP), ART. 214. NOTÁRIO. RESPONSABILIDADE. FATOR DESINFLUENTE À VALIDADE DO REGISTRO. USUCAPIÃO. CONTROVÉRSIA SOBRE DIREITO DE PROPRIEDADE. VIAS ORDINÁRIAS. ART. 213,§6º DA LRP. DECISÃO MANTIDA. Apelo desprovido. (TJPR – XII Ccv – Ap Civel 0619642-9 – Rel.: Rafael Augusto Cassetari – Julg.: 09/12/2009 – Unânime – Pub.: 12/01/2010 – DJ 304)

De maneira salutar restou consignado no voto do eminente Desembargador Relator Rafael Augusto Cassetari, in verbis:

O Judiciário é dotado de poder correcional sobre os Registros de Imóveis, exercível através de procedimento administrativo. Extrai-se do disposto no artigo 213, caput e inciso I, da Lei de Registros Públicos, bem como dos dispositivos normativos da seção 20 do Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça deste Tribunal, que é dado ao oficial responsável pelo Registro de Imóveis, até mesmo de ofício, requerer a retificação de registro independentemente de provocação de eventuais interessados, resguardando-se, por óbvio, o contraditório em tal procedimento. Verificada a nulidade de pleno direito, impõe-se a declaração da nulidade do registro, da qual não pode se escusar o magistrado por falta de provocação do particular.

Outro não é o entendimento exarado pelo excelso Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO E DE ILEGALIDADE – ATO JUDICIAL (REGISTRO PÚBLICO) – INVIABILIDADE DO MANDAMUS (APURAÇÃO DE FATOS E PROVAS). I – Não afronta direito líquido e certo, nem age com ilegalidade o Juízo dos Registros Públicos quando, no exercício regular de atividade administrativa, determina a retificação de registro, sua anulação ou suspensão para averiguação de fatos, sendo certo ainda que inviável é o mandamus, se o que neste se busca é a aferição de fatos ou provas.II – Recurso improvido.(STJ – RMS nº 6844/SP – Relator: Min. WALDEMAR ZVEITER. julg. Em 08.10.1996 – 3ª Turma)

Por fim, mister salientar que o cancelamento do registro em exame não obsta à credora que busque realizar nova escrituração, desde que observadas as exigências legais, assim como não se verifica a possibilidade de perecimento do direito de garantia, decorrente de eventual alienação do imóvel, em virtude deste encontrar-se indisponível em razão de decisão judicial proferida nos autos de Ação Cautelar sob nº713.795-3/01.

Pelo exposto, comporta provimento o presente recurso, a fim de julgar procedente a presente dúvida, determinando o cancelamento do registro lavrado sob nº R11, da matrícula nº 68.301, do 1º Ofício do Registro de Imóveis da comarca de Maringá (fls. 38).

Curitiba, 01 de fevereiro de 2.012.

DES. CLAYTON CAMARGO – Relator.

Fonte: Boletim INR nº 5260 – Grupo Serac – São Paulo, 21 de Maio de 2012