TJ|SC: Ementa: Apelação Cível. Ação de anulação de negócio jurídico. Contrato de compromisso de compra e venda. Ação movida por companheira do promitente vendedor em face do promitente comprador sob o argumento de ausência da necessária outorga. Procedência na origem. Recurso do réu. Preliminar de nulidade do feito. Presença do promitente vendedor no polo ativo, em litisconsórcio necessário. Impossibilidade. Hipótese em que o contraente estaria valendo-se da própria torpeza para anular a transação. Inteligência do art. 1.650 do código civil. Mérito. Pleito de reforma da sentença. 1. União estável. Proteção constitucional e legal. Necessidade de interpretação sistemática da regra do art. 1.647 do código civil. Garantia patrimonial estabelecida pela lei n. 8.278/96 aos bens onerosamente adquiridos na constância da relação. Necessidade da anuência dos conviventes para alienação dos bens imóveis. 2. Pacto formalizado unicamente pelo varão, mediante compromisso de compra e venda. Relação de cunho pessoal, obrigacional, que dispensa a outorga da mulher. Contrato que mantém força em face dos contraentes, sem, contudo, macular os direitos da companheira. Recurso conhecido e parcialmente provido.

Integra do acórdão

Acórdão: Apelação Cível n. 2011.055382-8, de Araranguá.

Relator: Des. Odson Cardoso Filho.

Data da decisão: 24.11.2011.

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE NEGÓCIO JURÍDICO. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. AÇÃO MOVIDA POR COMPANHEIRA DO PROMITENTE VENDEDOR EM FACE DO PROMITENTE COMPRADOR SOB O ARGUMENTO DE AUSÊNCIA DA NECESSÁRIA OUTORGA. PROCEDÊNCIA NA ORIGEM. RECURSO DO RÉU. PRELIMINAR DE NULIDADE DO FEITO. PRESENÇA DO PROMITENTE VENDEDOR NO POLO ATIVO, EM LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. HIPÓTESE EM QUE O CONTRAENTE ESTARIA VALENDO-SE DA PRÓPRIA TORPEZA PARA ANULAR A TRANSAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.650 DO CÓDIGO CIVIL. MÉRITO. PLEITO DE REFORMA DA SENTENÇA. 1. UNIÃO ESTÁVEL. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL. NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DA REGRA DO ART. 1.647 DO CÓDIGO CIVIL. GARANTIA PATRIMONIAL ESTABELECIDA PELA LEI N. 8.278/96 AOS BENS ONEROSAMENTE ADQUIRIDOS NA CONSTÂNCIA DA RELAÇÃO. NECESSIDADE DA ANUÊNCIA DOS CONVIVENTES PARA ALIENAÇÃO DOS BENS IMÓVEIS. 2. PACTO FORMALIZADO UNICAMENTE PELO VARÃO, MEDIANTE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA. RELAÇÃO DE CUNHO PESSOAL, OBRIGACIONAL, QUE DISPENSA A OUTORGA DA MULHER. CONTRATO QUE MANTÉM FORÇA EM FACE DOS CONTRAENTES, SEM, CONTUDO, MACULAR OS DIREITOS DA COMPANHEIRA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2011.055382-8, da comarca de Araranguá (1ª Vara Cível), em que é apelante Idair Salvetti, e apelada Adriana Costa:
A Quinta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conheceu do recurso e deu-lhe parcial provimento. Custas legais.

O julgamento, realizado no dia 24 de novembro de 2011, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Henry Petry Junior, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Jairo Fernandes Gonçalves.

Florianópolis, 24 de novembro de 2011.

Odson Cardoso Filho

RELATOR

RELATÓRIO
Na comarca de Araranguá, Adriana Costa ajuizou “Ação Anulatória” (n. 004.09.500107-0) em face de Idair Salvetti, objetivando a anulação de “Compromisso de Compra e Venda” realizado entre o demandado e Ezeraldo Albano – companheiro da autora – sem a anuência daquela.
Formada a relação jurídica processual, observado o contraditório e finda a instrução, o magistrado a quo julgou procedente o pedido para declarar a nulidade do instrumento de contrato, condenando o demandado ao pagamento das custas e honorários, estes fixados em R$ 2.000,00 (dois mil reais – fls. 131-133).

Insatisfeito, o réu apelou. Requer, preliminarmente, a decretação de nulidade do feito em razão do companheiro da autora não figurar no polo ativo da demanda. No mérito, almeja o reconhecimento da validade da avença, com a desnecessidade da presença e anuência da apelada no negócio jurídico realizado (fls. 138-151).

Com as contrarrazões (fls. 167-171), os autos ascenderam a este Tribunal de Justiça.
É o relatório.

VOTO
O recurso apresenta-se tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razão porque merece ser conhecido.

I. Da nulidade em razão da necessidade de inclusão do convivente varão no polo ativo da demanda
Suscita o apelante, em sede de preliminar, a nulidade do feito ante a ausência de Ezeraldo Albano – companheiro da apelada e contratante no negócio de “compra e venda” – no polo ativo da lide.

Analisando o feito, entendo que não há como acolher a proemial.

O art. 1.650 do Código Civil dispõe que “a decretação de invalidade dos atos praticados sem outorga, sem consentimento, ou sem suprimento do juiz, só poderá ser demandada pelo cônjuge a quem cabia concedê-la, ou por seus herdeiros”.

Portanto, além de ser parte legítima para figurar no polo ativo por expressa disposição legal, verifica-se que a Lei Civil só admite que aquele que deveria conceder a outorga, ou seus descendentes, ajuízem ação objetivando o reconhecimento da nulidade da avença, pois, do contrário, estaria permitindo que aquele que causou a nulidade do negócio pleiteasse sua anulação.
Nesse sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. FIANÇA. PREQUESTIONAMENTO. INEXISTÊNCIA. SÚMULAS 282/STF E 211/STJ. AUSÊNCIA DA OUTORGA UXÓRIA. NULIDADE RELATIVA. ARGÜIÇÃO PELO CÔNJUGE QUE PRESTOU A FIANÇA. ILEGITIMIDADE. DECRETAÇÃO DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. […]

3. Nos termos do art. 239 do Código Civil de 1.916 (atual art. 1.650 do Novo Código Civil), a nulidade da fiança só pode ser demandada pelo cônjuge que não a subscreveu, ou por seus respectivos herdeiros.

4. Afasta-se a legitimidade do cônjuge autor da fiança para alegar sua nulidade, pois a ela deu causa. Tal posicionamento busca preservar o princípio consagrado na lei substantiva civil segundo a qual não poder invocar a nulidade do ato aquele que o praticou, valendo-se da própria ilicitude para desfazer o negócio. (Recurso Especial n. 2005.0130813-7, de São Paulo, rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, j. 16.3.2006)

Assim, entendo que não há nulidade a declarar.

II. Do mérito

De plano, consigna-se que o fato de existir união estável entre a apelada e Ezeraldo Albano é incontroversa. Resume-se o recurso, então, ao debate acerca da validade da avença e da necessidade ou não de a apelada prestar outorga na alienação de bens – in casu, mediante compromisso de compra e venda –, porquanto mantém com o promitente vendedor apenas união estável.

Importante destacar que não se desconhece que o contrato particular de compromisso de compra e venda, em se tratando de pacto preliminar, está a gerar para os contraentes apenas obrigações, não tendo o condão de transferir, de imediato, a propriedade.

No entanto, a presente demanda está a reclamar um exame mais aprofundado do negócio e de suas repercussões para o casal, antes e após a celebração do contrato – o que se deu tão somente pelo varão –, como das circunstâncias que estão a indicar, ou mesmo a lançar sérias dúvidas, sobre a efetiva intenção da celebração questionada.

É certo que a autora e seu companheiro mantêm relacionamento estável, com o intuito de constituir família, desde época anterior à aquisição do imóvel em debate (17.03.2008, fls. 52-55), consoante desponta das certidões de nascimento dos filhos (fls. 16 e 17), das fotografias de fls. 18-19 e recibos de locação de fl. 21.

De outro tanto, as fotografias e documentos de fls. 23-35 identificam, de forma cristalina, que a autora igualmente contribuiu para a aquisição, edificação e mobília da moradia, a qual passou a abrigar a família e a servir, igualmente, de local de trabalho para o casal.
Tais referências são importantes não só para enfatizar a existência da união estável, como também para trazer ao contexto a existência de evidente composse (eis que não contam com o domínio, mas apenas com a posse do imóvel), exercitada por ambos os companheiros sobre o bem objeto da polêmica.

A Constituição Federal, em seu art. 226, § 3º, prescreve que a união estável é reconhecida como entidade familiar, merecendo a consequente proteção estatal. Desta forma, equivocado considerar tal relação inferior ao casamento, pois, como diz MADALENO, a família matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, heteroparental, biológica, institucional vista como unidade de produção e reprodução cedeu lugar para uma família pluralizada, democrática, igualitária, hetero ou homoparental, biológica ou socioafetiva, construída com base na afetividade e de caráter instrumental. (MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. 4. ed. rev. Atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 28). Fruto de tal evolução, ostentam os conviventes o resguardo da lei substantiva, que lhes garante o direito à meação e, até, sucessórios, tocante aos bens constituídos na constância da união estável.

Portanto, inevitável que a proteção ora aplicável à essa convivência, no âmbito patrimonial, igualmente faça nascer a vedação de alienação de bem imóvel ou de imposição de ônus sem a anuência do parceiro, nos moldes ditados no art. 1.647 do Código Civil, eis que o texto legal não pode ser analisado e interpretado isoladamente, mas sim de forma sistemática, sempre levando em conta as disposições constitucionais, afinal “não se interpreta o direito em tiras” (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. XIII).

Nesse mesmo pensar, DIAS ensina que:

Constituída a união estável, instala-se a cotitularidade patrimonial, ainda que somente um dos conviventes tenha adquirido o bem. O direito de propriedade resta fracionado em decorrência do condomínio que exsurge ex vi legis. Logo, o titular nominal do domínio não pode aliená-lo, pois se trata de bem comum. É necessária a concordância do companheiro. A constituição da união estável leva a perda da disponibilidade dos bens adquiridos, revelando-se indispensável a expressa manifestação de ambos os proprietários para o aperfeiçoamento de todo e qualquer ato de disposição de ambos os proprietários. (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. ed. rev. atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p.180)
Outrossim, mesmo que se interprete gramaticalmente o Código Civil, a Lei n. 8.278/96, que regulamenta o art. 226, § 3º, da Constituição Federal, dispõe que:

Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito.

Dito isto, no caso concreto, então, a obrigação contraída por Ezeraldo Albano, companheiro da autora, não está a afetar o direito desta em relação ao bem imóvel do qual também é possuidora.
Relevante anotar que a prova, inclusive, é dúbia quanto à real negociação firmada por aquele com o réu, pois as testemunhas Mauro Borges Alves (fl. 113) e Jorge Fernandes (fl. 114) apontam apenas a efetivação de empréstimo de valores, enquanto Evandro Estevam Jacques (fl. 115) e Renê Novak da Silva Motta (fl. 116) evidenciam a assinatura do compromisso de compra e venda, inclusive dizendo “que a autora estava presente na negociação” (fl. 115).
Noutra linha, vislumbra-se o descompasso entre o preço apontado para o imóvel, pois o consignado na avaliação de fls. 42-43 importa em R$ 130.000,00 (cento e trinta mil reais), em 13.11.2009, enquanto o contrato em apreço destaca a soma de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) para a transação (fl. 56).

Em conclusão, tem-se que: (1) o contrato de compromisso de compra e venda estabelecido entre Ezeraldo Albano e Idair Salvetti tem natureza pessoal, obrigacional, situação que não torna imprescindível a outorga da mulher; (2) a obrigação lançada na avença não exclui o direito da autora sobre a posse do bem imóvel identificado à fl. 56; (3) o pacto somente poderá ser exigido em face do contraente, sem importar em prejuízo aos direitos da autora, a qual não anuiu expressamente para a contratação.

Portanto, impossível dizer da inexistência do contrato ou decretar-se a invalidade do pacto, o qual se mantém vivo perante os contraentes –, contudo, sem trazer qualquer mácula ao direito da autora de resguardar a sua meação.

III. Conclusão

Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe parcial provimento para: a) julgar parcialmente procedente a pretensão, unicamente para garantir os direitos da autora sobre o imóvel em apreço, não retirando, entretanto, existência ou validade ao pacto celebrado entre Ezeraldo Albano e Idair Salvetti; b) diante da sucumbência recíproca, distribuir em iguais proporções os ônus da sucumbência, arcando cada uma das partes com metade das custas e despesas do processo e no pagamento de honorários advocatícios, estes arbitrados em R$ 1.000,00 (um mil reais) a cada um dos patronos, admitida a compensação.

É o voto.

VOTO VISTA

1. Em apertada síntese, trata-se de recurso de apelação interposto por Idair Salvetti contra sentença que julgou procedente “ação anulatória de contrato” proposta por Adriana Costa, para decretar a invalidade de “contrato de compra e venda de imóvel” entabulado entre o réu e o companheiro da autora, sob o argumento da inexistência de consentimento da convivente, mediante aplicação analógica do art. 1.642, III, do Código Civil.

Sustenta preliminarmente a nulidade da decisão por desrespeito ao litisconsórcio passivo necessário, uma vez que o companheiro-vendedor não integrou a lide. No mérito, em suma, aduz que: [a] não há fazer interpretação extensiva da restrição estabelecida no art. 1.647 do CC; e [b] a ausência de registro público da união estável, tal qual ocorre no casamento, impossibilita que se exija conhecimento do terceiro adquirente.

Pede a declaração de nulidade da sentença ou, subsidiariamente, seja julgado improcedente o pleito inicial.

Contrarrazões às fls. 167/170.

1.a. Em sessão do dia 10.11.2011, o relator, Des. Odson Cardoso Filho, vota no sentido de prover parcialmente o recurso de apelação, de modo a afastar a preliminar e julgar procedente em parte o pedido inicial, unicamente para garantir os direitos da autora sobre o imóvel, não excluindo, entretanto, a existência ou validade do pacto celebrado entre as partes do contrato.
É o breve relatório.

2. Solicitei vista dos autos para formar convencimento acerca da questão posta.
2.a. Não se desconhece a celeuma doutrinária e jurisprudencial acerca da aplicação do art. 1.647, I, do Código Civil às uniões estáveis, mais precisamente sobre a necessidade ou não da outorga do companheiro não registrado como proprietário em alienações ou onerações de bens imóveis.

A entender não incidir o dispositivo supracitado às uniões estáveis, colhem-se da doutrina as posições de EUCLIDES DE OLIVEIRA (União Estável: do concubinato ao casamento. 6 ed. São Paulo: Método, 2003, p. 193) e GUSTAVO TEPEDINO (in: Controvérsias sobre regime de bens no Novo Código Civil, Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, IBDFAM, n. 2, p. 7). Argumentam que as normas atinentes ao direito patrimonial dos cônjuges aplicam-se somente no que couber aos companheiros. Assim, haja vista a ausência de formalização e publicização da união estável – inviabilizando a presunção de conhecimento do regime de mancomunhão por terceiro adquirente -, não é caso de aplicação extensiva da necessidade de outorga uxória, sendo a boa-fé do comprador apta a manter a validade do negócio.

A título de exemplo, a doutrina de RENATA BARBOSA DE ALMEIDA e WALSIR EDSON RODRIGUES JÚNIOR, mencionando também a posição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:
É assim porque, como a união estável não compreende formalização constitutiva e consequente publicidade jurídica, não é razoável exigir que terceiros conheçam sua existência e a respectiva necessidade de providenciar a autorização do consorte, sob pena de invalidade contratual. Portanto, entende-se que negócio jurídico, de qualquer desses conteúdos, formulado sem outorga é válido, restando ao companheiro prejudicado o direito de exigir do outro o reembolso pelo prejuízo sofrido. (in: Direito Civil: Famílias, Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010, p. 336).

Há precedentes desta Corte nessa direção:

I) CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO JURÍDICO. COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL SEM ANUÊNCIA DE COMPANHEIRO. AFRONTA AO ART. 1.647 DO CC. NORMA RESTRITIVA DE DIREITOS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INAPLICABILIDADE AO REGIME DA UNIÃO ESTÁVEL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC. AC n. 2008.064972-7, rel. Des. LUIZ CARLOS FREYESLEBEN, Segunda Câmara de Direito Civil, j. em 26.5.2010); e II) APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. CONTRATO DE PERMUTA DE BENS IMÓVEIS. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA DA COMPANHEIRA DE UM DOS CONDÔMINOS. DESNECESSIDADE DE OUTORGA UXÓRIA. HIPÓTESES DE VEDAÇÃO QUE SE RESTRINGEM AO ELENCO DE OBRIGAÇÕES A QUE ESTÃO SUBMETIDOS OS CÔNJUGES. IMPOSSIBILIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA […] RECURSO DESPROVIDO.

O artigo 1.647 do atual Compêndio Civil e o artigo 235 do Códex de 1.916 estabelecem um conjunto mínimo de atos, cuja realização por um dos cônjuges fica vedada sem autorização do outro. Todavia, essas hipóteses de vedação, por consistirem em restrições a direitos, configuram disposição numerus clausus, restringem-se ao elenco de direito e deveres a que estão submetidos os cônjuges e não admitem interpretação extensiva. Aliás, quando o legislador civil quis se referir às obrigações impostas, simultaneamente, aos cônjuges e companheiros, ele, expressamente, dispôs dessa forma; cita-se como exemplo o disposto nos artigos 1.595, 1.626, parágrafo único, e 1.694 do atual Compêndio Civil. (TJSC. AC. n. 2003.003038-7, de Caçador, rel. Des. JAIME LUIZ VICARI, Segunda Câmara de Direito Civil, j. em 19.8.2008).
Parcela outra da doutrina, porém, com ênfase na natureza familiar da união estável, sua equiparação ao casamento, bem como o inegável prejuízo à parcela da propriedade do outro companheiro/comunheiro não anuente, entende viável a interpretação extensiva do art. 1.647 do Diploma Substantivo. A título de exemplo, veja-se o entendimento de MARIA BERENICE DIAS (in: Manual de Direito das Famílias. 5 ed. São Paulo: RT, 2009, p. 172) e PAULO LUIZ NETTO LÔBO (in: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 160).

Esta Corte tem julgado a corroborar tal tese:

Apelação cível. Ação anulatória de ato jurídico. Venda de imóvel pelo concubino aos genitores. Sentença de procedência. União estável caracterizada. Bem adquirido durante a aludida relação. Ausência de outorga uxória da concubina na alienação. Nulidade. Artigos 166, IV e V, 1.647, I, 1.658, 1.660, I, e 1.725 do Código Civil. Decisão confirmada. Recurso desprovido. (TJSC. AC n. 2008.079365-9, de Tubarão, rel. Des. RONALDO MORITZ MARTINS DA SILVA, Quarta Câmara de Direito Civil, j. em 5.10.2011).

Do mesmo modo outros tribunais pátrios, e. g.: I) TJRS, AC n. 70040507659, rel. Desª. BERNADETE COUTINHO FRIEDRICH, j. em 8.9.2011; e II) TJMG, Proc. n. 1.0647.07.080051-9/001(1), rel. Des. JOSÉ FRANCISCO BUENO, j. em 28.5.2009.

2.b. Na espécie, entendeu o ilustre relator que não seria caso de anulação do negócio jurídico, no que preservou a validade do “contrato de compra e venda” entre os pactuantes, mas com o resguardo dos direitos da autora sobre o bem, inclusive de posse. O contrato, acrescenta, confere somente efeitos obrigacionais entre os contratantes, no que inexigível a vênia conjugal, não havendo qualquer prejuízo aos direitos da autora.

Tal compreensão é totalmente adequada à hipótese. Ainda que se adote a primeira corrente – inexigibilidade do consentimento do companheiro para a validade do contrato de compra e venda -, bem se vê que a principal preocupação dessa linha de entendimento (proteção à boa-fé do terceiro adquirente) não encontra espaço no caso.

Isso porque o terceiro, sem dúvidas, conhecia previamente o casal, notoriamente em união estável há mais de 23 (vinte e três) anos, inclusive com dois filhos oriundos desta (fls. 16/17). Aliás, sequer há impugnação específica à alegação de ciência da situação familiar do casal, sobretudo porque são vizinhos e a autora e seu companheiro foram inquilinos do réu por cerca de 3 (três) anos (fl. 21) anteriormente à contratação.

A testemunha Mauro Borges, outrossim, é enfática: “que quando a casa foi comprada a autora estava morando junto com Ezeraldo, que a convivência da autora é pública, sendo que o réu sabe desse fato” (fl. 113). Assim também atesta Jorge Fernandes: “que a autora e Ezeraldo vivem juntos há mais de 20 anos, convivência esta pública, da qual o réu também tem conhecimento” (fl. 114).

Logo, inequívoco o conhecimento da propriedade familiar do bem, adquirido pouco antes da avença em tela, durante o período de união estável, portanto. Não há, destarte, sustentar a presença da boa-fé do adquirente, mote principal de preocupação da primeira corrente.
Nessas hipóteses, impõe-se reconhecer a existência de “promessa de compra e venda” (em verdade, o caso trata de cessão de direitos possessórios) de coisa a non domino, ou seja, promessa de venda por quem não é proprietário da coisa. Vale dizer, o companheiro comprometeu-se a vender/ceder direitos que não lhe pertencem na integralidade, pois de propriedade do casal, em regime de mancomunhão. ZENO VELOSO sintetiza o entendimento:
[…] tratando-se de imóvel adquirido por título oneroso na constância da união estável, ainda que só em nome de um dos companheiros, o bem entra na comunhão e é de propriedade de ambos os companheiros, e não bem próprio, privado, exclusivo, particular. Se um dos companheiros vender tal bem sem a participação no negócio do outro companheiro, estará alienando – pelo menos em parte – coisa alheia, perpetrando uma venda a non domino, praticando ato ilícito. O companheiro, no caso, terá de assinar o contrato, nem mesmo porque é necessário seu assentimento, mas, sobretudo, pela razão de que é, também, proprietário, dono do imóvel. (VELOSO, Zeno. Código Civil comentado. São Paulo: Atlas, 2002, v. XVII, p. 144/145)
Não se nega a possibilidade de venda de bem de terceiro (a non domino), nos termos do art. 439 do Código Civil:

Art. 439. Aquele que tiver prometido fato de terceiro responderá por perdas e danos, quando este o não executar.

Parágrafo único. Tal responsabilidade não existirá se o terceiro for o cônjuge do promitente, dependendo da sua anuência o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do casamento, a indenização, de algum modo, venha a recair sobre os seus bens.

Contudo, sem o consentimento deste, ainda que futuro, não haverá qualquer possibilidade de oposição deste pacto contra o companheiro não anuente. Perante o terceiro, portanto, o contrato não produz efeitos – é ineficaz. É que nas promessas de compra e venda de coisa de outrem há mera obrigação de fazer – convencer o outro a manifestar sua vontade nos termos do pacto – e não própria obrigação de entrega do bem. Não havendo tal aquiescência ou sendo esta impossível, o contrato resolve-se em perdas e danos entre o promitente e o outro contraente, jamais com a oneração do patrimônio daquele que não consentiu com o negócio – in casu, a companheira/compossuidora conhecida do adquirente. O contrato existe, sim, mas sua eficácia fica restrita àqueles que manifestaram sua vontade.

Desse modo, de todo correto o raciocínio no qual afasta-se a anulação do negócio jurídico, o qual continua válido entre aqueles que o firmaram, mas se nega eficácia perante terceiro. Poderá o adquirente exigir que o contraente cumpra com sua palavra e convença a companheira a aceitar a transação, mas não obrigá-la a acatar negócio jurídico ao qual não consentiu. Não havendo o aceite, o que é aqui presumido, deverá o réu buscar do promitente as perdas e danos devidas, de modo a não haver enriquecimento sem causa, sem contudo molestar patrimônio próprio da meeira.

A entender fosse caso de anulação do negócio jurídico, penso, o companheiro promitente deveria, sim, fazer parte da lide. Todavia, diante da mera declaração de ineficácia dos direitos do réu naquele contrato em face da autora – ou seja, da inexigibilidade direta daquele pacto pelo réu frente à companheira – não há falar em litisconsórcio necessário. Não há afetação na obrigação do companheiro de fazer valer o contrato e a obrigação que assumiu, apenas reconhecimento da inoponibilidade do contrato entre a companheira e o réu.

3. Assim, quer pelo expressamente consignado, quer pelo que de seu teor decorre, acompanho o voto do relator, com os esclarecimentos apontados, no sentido de dar provimento parcial ao recurso.

É como voto.

Florianópolis, 24 de novembro de 2011.

Henry Petry Junior