CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida Inversa – Admissibilidade – Irresignação Parcial Afastada – Carta de arrematação – Indisponibilidade do imóvel arrematado – § 1.º do artigo 53 da Lei n.º 8.212/1991 – Desqualificação registrária mantida – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0007386-82.2011.8.26.0071, da Comarca de BAURU, em que é apelante NELSON REDONDO ARJONAS e apelado o 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores, IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO E ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Direito Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 12 de abril de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Voto

REGISTRO DE IMÓVEIS –Dúvida Inversa – Admissibilidade – Irresignação Parcial Afastada – Carta de arrematação – Indisponibilidade do imóvel arrematado – § 1.º do artigo 53 da Lei n.º 8.212/1991 – Desqualificação registrária mantida – Recurso não provido.

Nelson Redondo Arjonas arrematou judicialmente, nos autos de processo executivo fiscal instaurado pela Fazenda Nacional, o imóvel matriculado sob o n.º 13.047 do 1.º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Bauru, mas o registro da carta correspondente foi recusado, pois exigido, previamente, o cancelamento das penhoras registradas, em tal matrícula, sob o n.º 4 e o n.º 8.

Inconformado, porque perfeita, válida e acabada a arrematação judicial, consumada em execução fiscal promovida pela Fazenda Nacional, titular de crédito privilegiado, Nelson Redondo Arjonas, apelante – acrescentando que o prévio levantamento das outras constrições judiciais, que garantem créditos pertencentes ao INSS, que não se opôs à arrematação, e à própria Fazenda Nacional, é prescindível, decorrendo automaticamente do próprio registro da carta de arrematação -, suscitou dúvida inversa visando ao registro do título, sequer inviabilizado pela indisponibilidade legal do bem imóvel (fls. 02/06).

Provocado, o 1.º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Bauru ponderou: a nota devolutiva continha dois itens, além de um terceiro relativo à complementação do depósito de custas, tendo o suscitante questionado apenas um deles; a situação de irresignação parcial leva ao não conhecimento da dúvida; a jurisprudência normativa do Conselho Superior da Magistratura é no sentido de exigir o prévio cancelamento dos gravames como condição para o registro de carta de arrematação de imóvel; somente o Juízo que a determinou pode desencadear o levantamento da indisponibilidade; o registro n.º 4 da matrícula acima referida documenta penhora em favor do INSS, que tem personalidade jurídica e patrimônio distintos da Fazenda Nacional; enfim, a desqualificação registrária merece subsistir (fls. 30/33).

Intimado (fls. 41, 42 e 44), o suscitante exibiu a retificação quanto à data da expedição da carta de arrematação (fls. 45/46), que já tinha acompanhado a suscitação da dúvida inversa (fls. 11 e 11 verso), suprindo a incerteza relacionada a uma das exigências, não, por conseguinte, impugnada (fls. 08/09, item 2).

Após a manifestação do Ministério Público, que opinou pelo julgamento procedente (na verdade, improcedente) da dúvida, à vista da preferência do crédito executado no processo judicial onde ocorrida a arrematação (fls. 48/53) -, o MM Juiz Corregedor Permanente julgou a dúvida improcedente (na realidade, procedente), porquanto a penhora realizada em garantia de crédito da Fazenda Nacional ou do INSS implica indisponibilidade do bem, a revelar a pertinência da recusa impugnada (fls. 56/59).

Ato contínuo, o suscitante, objetivando a reforma da sentença, interpôs apelação – reiterando suas argumentações passadas e reportando-se ao parecer do Ministério Público (fls. 61/64) -, recebida nos efeitos devolutivo e suspensivo (fls. 66 e 70), em decisão, então, seguida de manifestações do representante do Ministério Público e do Registrador (fls. 66 verso e 68).

Por fim, a Douta Procuradoria de Justiça propôs o não provimento do recurso, aduzindo que a indisponibilidade advinda da regra do artigo 53, § 1.º, da Lei n.º 8.212/1991, não afastada pela natureza do crédito executado nos autos do processo onde efetivada a arrematação, impede o registro pretendido (fls. 73/76).

É o relatório.

O MM Juiz Corregedor Permanente, embora tenha empregado, ao sentenciar, o vocábulo improcedente, julgou a dúvida inversa procedente, pois mantida a recusa expressa pelo Registrador: “a nomenclatura utilizada pelo art. 203 da Lei de Registros Públicos não faz distinção entre a dúvida comum e a inversa, razão pela qual na verdade a dúvida foi julgada procedente, a despeito do erro material contido na sentença” (Apelação Cível n.º 990.10.261.081-0, relator Corregedor Geral da Justiça Munhoz Soares, julgada em 14.09.2010).

A dúvida inversa, suscitada, com fundamento em criação pretoriana, pelo apelante – que, inconformado com uma das exigências formuladas pelo Registrador, ao invés de requerer-lhe a suscitação pertinente, apresentou-a diretamente ao MM Juiz Corregedor Permanente -, é, consoante jurisprudência consolidada, admitida pelo Conselho Superior da Magistratura do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.

A propósito, destaco os seguintes precedentes: Apelação Cível n.º 23.623-0/1, relator Corregedor Geral da Justiça Antônio Carlos Alves Braga, julgada em 20.02.1995; Apelação Cível n.º 76.030-0/8, relator Corregedor Geral da Justiça Luís de Macedo, julgada em 08.03.2001; e Apelação Cível n.º 990.10.261.081-0, relator Corregedor Geral da Justiça Munhoz Soares, julgada em 14.09.2010.

Malgrado não especificamente impugnada uma das exigências, direcionada à confirmação da data em que expedida a carta de arrematação objeto do registro frustrado (fls. 08, item 2), a irresignação parcial não resta configurada, pois nítido o simples erro material, já superado ao tempo da suscitação da dúvida inversa, à luz da certidão exibida pelo apelante (fls. 11 e 11 verso), de modo que o exame da dúvida não está prejudicado.

Por sua vez, a origem judicial do título (carta de arrematação) apresentado para registro não torna prescindível a qualificação: a prévia conferência, destinada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral, é indispensável, inclusive nos termos do item 106 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Neste sentido, assinalo: Apelação Cível n.º 39.487-0/1, relator Corregedor Geral da Justiça Márcio Martins Bonilha, julgada em 31.07.1997; e Apelação Cível n.º 404-6/6, relator Corregedor Geral da Justiça José Mário Antonio Cardinale, julgada em 08.09.2005.

Já com relação à indisponibilidade do bem imóvel arrematado – advinda de duas penhoras efetivadas em execuções fiscais, então registradas, sob os n.ºs 4 e 8, na matrícula n.º 13.407 do 1.º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Bauru (fls. 14/15) -, obstativa do ingresso da carta de arrematação no fólio real, a desqualificação registrária se harmoniza com os precedentes do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo.

Escorado em vários precedentes, assim sinalizou o Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 289- 6/0, relator Corregedor Geral da Justiça José Mário Antonio Cardinale, julgada em 20.01.2005, e na Apelação Cível n.º 643-6/6, relator Corregedor Geral da Justiça Gilberto Passos de Freitas, julgada em 01º. 02.2007.

Vale dizer: uma vez imposta a indisponibilidade, que, na hipótese, decorre da norma extraída do § 1.º do artigo 53 da Lei n.º 8.212/1991 – e, portanto, automaticamente, das penhoras consumadas nas execuções fiscais de dívidas ativas promovidas pela Fazenda Nacional e pelo INSS -, o Registrador não pode realizar a qualificação positiva de um título translativo da propriedade do bem imóvel.

Aliás, ao julgar a Apelação Cível n.º 29.886-0/4, em 16.02.1996, relator Corregedor Geral da Justiça Márcio Martins Bonilha, o Conselho Superior da Magistratura deixou assentado: “a indisponibilidade a que se refere a Lei 8.212/91 não é aquela decorrente exclusivamente de ato jurídico bilateral, voluntário, e envolve inclusive a expropriação forçada e consequente de venda judicial para pagamento de obrigações do devedor.”

Além disso, na Apelação Cível n.º 71.126-0/0, relator Corregedor Geral da Justiça Luís de Macedo, julgada em 12.09.2000, ressaltou-se inexistir “incompatibilidade entre as regras do Código Tributário Nacional e a indisponibilidade expressa na Lei nº 8.212/1991, que guarda coerência com a disposição do art. 187 do CTN e não estabelece exceção em favor de ente de direito público estadual ou em face de constrição com origem em ação de execução fiscal.”

De mais a mais, nos termos do artigo 252 da Lei n.º 6.015/1973, “o registro, enquanto não cancelado, produz todos os seus efeitos legais ainda que, por outra maneira, se prove que o título está desfeito, anulado, extinto ou rescindido.”

Pelo todo exposto, nego provimento à apelação.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator. (D.J.E. de 03.07.2012)