CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Arrematação de imóvel em hasta pública – Forma originária de aquisição de propriedade – Inexistência de relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem – Imóvel penhorado com base no art. 53, § 1º, da Lei 8.212/91 – Indisponibilidade que obsta apenas a alienação voluntária – Incidência de ITBI nas arrematações judiciais por expressa determinação legal – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0007969-54.2010.8.26.0604, da Comarca de SUMARÉ, em que é apelante IMPORTADORA E EXPORTADORA DE CEREAIS S/A e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, no impedimento ocasional do Presidente, ANTONIO AUGUSTO CORRÊA VIANNA, decano, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO E ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Direito Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 10 de maio de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Voto

Registro de imóveis – Dúvida – Arrematação de imóvel em hasta pública – Forma originária de aquisição de propriedade – Inexistência de relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem – Imóvel penhorado com base no art. 53, § 1º, da Lei 8.212/91 – Indisponibilidade que obsta apenas a alienação voluntária – Incidência de ITBI nas arrematações judiciais por expressa determinação legal – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta por Importadora e Exportadora de Cereais S/A, objetivando a reforma da r sentença de fls. 161/162v, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Sumaré, e manteve a recusa do registro da carta de arrematação extraída dos autos da execução nº 1.057/98, da E. 1ª Vara Cível de Sumaré na matrícula nº 65295, daquela Serventia de Imóveis.

Alega o apelante, em suma, que foi a primeira a averbar a penhora na matrícula do imóvel, o que afasta a incidência do art. 53, § 1º, da Lei 8.212/91; que o arrolamento previsto no art. 64, § 5º, da Lei nº 9.537/97, não obsta a averbação de penhoras nem o registro da carta de arrematação; inaplicabilidade dos precedentes citados pelo Oficial de Registro de Imóveis porque a penhora fiscal era anterior à cível; desnecessidade de recolhimento de ITBI, por se tratar de aquisição originária da propriedade, e da apresentação da certidão de IPTU porque os débitos tributários sub-rogam-se no preço pago; e desnecessidade de juntada da CND do INSS e de Tributos Federais (fls. 168/181).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 192/193).

Após a juntada da certidão da matrícula do imóvel pela apelante, o Ministério Público reiterou os termos do r parecer (fls. 194/195 e 206).

É o relatório.

De início, observe-se que a dúvida não se encontra prejudicada porque a juntada das certidões das matrículas não se deu em cumprimento à exigência feita pelo Oficial de Registro de Imóveis.

Diversas são as questões levantadas pela apelante.

A primeira delas diz respeito à natureza jurídica da aquisição de imóvel por meio de arrematação judicial que, segundo a apelante, constitui modo originário de aquisição da propriedade imóvel.

Contudo, consolidou-se neste Conselho Superior da Magistratura e na E. Corregedoria Geral da Justiça entendimento em sentido diverso, isto é, que se trata de forma derivada de aquisição da propriedade:

“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Carta de arrematação expedida em ação de execução fiscal movida pela Fazenda Estadual – Imóvel penhorado em outras execuções movidas pela Fazenda Nacional e pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – Arrematação que não constitui forma originária de aquisição de propriedade imóvel – Impossibilidade de registro, enquanto não cancelados os registros das penhoras pela Fazenda Nacional e pelo INSS, por força do artigo 53, parágrafo 1º, da Lei nº 8.212/91– Registro inviável – Recurso não provido.” (CSM Ap. Cível nº 1.223-6/7, grifouse).

O E. Superior Tribunal de Justiça, intérprete maior da legislação federal, entende que a arrematação judicial de imóvel em hasta pública configura forma originária de aquisição da propriedade, sendo oportuno citar, por todos, o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº AgRg no Ag 1225813, relatado pela Ministra Eliana Calmon, assim ementado:

“EXECUÇÃO FISCAL – IPTU – ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL – AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ARREMATANTE – APLICAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. 1. A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogamse no preço da hasta. 2. Agravo regimental não provido.” (grifou-se).

No mesmo sentido: REsp nº 1179056/MG, AgRg no Ag nº 1225813/SP, REsp nº 1038800/RJ, REsp nº 807455/RS e REsp nº 40191/SP.

De fato, a despeito do respeitável entendimento firmado neste Conselho Superior da Magistratura, é forçoso reconhecer que, na arrematação, inexiste relação jurídica ou negocial entre o antigo proprietário e o novo, de modo que não há como se afirmar que se está diante de aquisição derivada da propriedade.

A doutrina também caminha no sentido de que a aquisição derivada depende sempre de uma relação negocial, aperfeiçoada pela manifestação de vontade, entre o antigo proprietário e o adquirente.

Para Carlos Roberto Gonçalves, a aquisição é derivada quando resulta de uma relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo, pois, uma transmissão do domínio em razão da manifestação de vontade. Assim, sempre que não houver relação causal entre a propriedade adquirida e a situação anterior da coisa, está-se diante da aquisição originária (Direito civil brasileiro, v. V. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 231).

Francisco Eduardo Loureiro, in Código Civil Comentado, ao definir a natureza jurídica da aquisição da propriedade pela usucapião, acentua que se trata de modo originário porque não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito (2 ed., São Paulo: Manole, 2008, p. 1161).

Arnaldo Rizzardo, por sua vez, aduz que na aquisição derivada está sempre presente um vínculo entre duas pessoas, estabelecido em uma relação inter vivos ou causa mortis, ao passo que na originária não se constata uma relação jurídica entre o adquirente e o antigo proprietário (Direito das coisas. 3 ed. São Paulo: Forense, 2007, p. 244).

Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes observam que a aquisição originária se verifica quando o modo aquisitivo não guarda relação de causalidade com o estado jurídico anterior de domínio, e que não decorre de relação jurídica estabelecida com o proprietário anterior como ocorre no contrato de compra e venda (Código civil interpretado conforme a constituição da república, v. III. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 519).

Em sentido diverso, a doutrina de Caio Mário da Silva Pereira, para quem apenas a ocupação configura meio originário de aquisição da propriedade, porque, nesse caso, a coisa jamais esteve sob o domínio de alguém (Instituições de direito civil. 20 ed., v. IV. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 97).

Sucede que, quando o bem é arrematado judicialmente, não há relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, e a transmissão de domínio não decorre de manifestação de vontade. Assim, não há que se falar em aquisição derivada da propriedade.

Verifica-se, destarte, que o entendimento deste Conselho Superior da Magistratura, embora lastreado em excelentes fundamentos, não mais se encontra em harmonia com a jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça nem com o espírito da doutrina majoritária, motivo por que sua alteração é de rigor em prol da segurança jurídica.

No que diz respeito à possibilidade de o bem penhorado com base no art. 53, § 1º, da Lei nº 8.212/91, poder ser arrematado em execução diversa, malgrado o entendimento atual deste Conselho, parece mais preciso o que decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial nº 512.398, cujo voto do eminente relator Ministro Felix Fischer traz a seguinte consideração:

“Tenho contudo, que a indisponibilidade a que se refere o dispositivo (referindo-se ao § 1º, do art. 53, da Lei 8.212/91) traduz-se na invalidade, em relação ao ente Fazendário, de qualquer ato de alienação do bem penhorado, praticado sponte própria pelo devedor-executado após a efetivação da constrição judicial. Sendo assim, a referida indisponibilidade não impede que haja a alienação forçada do bem em decorrência da segunda penhora, realizada nos autos de execução proposta por particular, desde que resguardados, dentro do montante auferido, os valores ao crédito fazendário relativo ao primeiro gravame imposto.”

Verifica-se, destarte, que a indisponibilidade decorrente do § 1º, do art. 53, da Lei nº 8.212/91, incide apenas sobre a alienação voluntária e não sobre a forçada, como no caso da arrematação judicial.

No que diz respeito à incidência do ITBI na hipótese, observe-se o que diz o art. 130, da Consolidação da Legislação Tributária do Município de São Paulo, Decreto nº 52.703/11:

“Art. 130. Estão compreendidos na incidência do imposto (art. 2º da Lei nº 11.154, de 30/12/91, com a redação da Lei nº 13.402, de 05/08/02, e da Lei nº 14.125, de 29/12/05):

(…)

V – a arrematação, a adjudicação e a remição;”

Tratando-se de imposição legal, descabe a este Conselho Superior da Magistratura, em processo administrativo de dúvida, examinar qualquer aspecto relacionado à sua constitucionalidade, devendo a recorrente buscar guarida na via judicial competente (v. Proc CG 487/2007). Por isso, nem mesmo o fato de se tratar de aquisição originária tem o condão de afastar a exigência que decorre de expressa determinação legal.

Ressalve-se, para que não haja analogias impróprias, que no caso da usucapião o recolhimento do ITBI não é exigido porque inexiste a correspondente hipótese de incidência na lei, e não porque se trata de aquisição originária.

Em relação à apresentação das CNDs e certidões de IPTU, o Oficial de Registro de Imóveis se retratou nas informações que prestou, de modo que ficaram superadas essas exigências (fls. 147/150).

Por fim, observe-se que também os títulos judiciais submetem-se à qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental” (Ap. Cível nº 31881-0/1).

Assim, observadas as ressalvas feitas, a recusa do Oficial de Registro de Imóveis deve ser mantida porque permaneceu hígida a exigência relativa ao recolhimento do ITBI.

Isto posto, nego provimento ao recurso.

(a)    JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator. (D.J.E. de 04.07.2012)