CGJ|SP: Registro de Imóveis – pedido de dispensa do registro especial previsto no art. 18, da Lei nº 6.766/79, formulado por espólio – ausência da indispensável autorização do juízo do inventário – desmembramento em número de 16 lotes – peculiaridades do caso que demonstram inexistência de burla à Lei do Parcelamento do Solo Urbano – possibilidade, com observação.

PROCESSO Nº 2012/95122 – GUARULHOS – ESPÓLIO DE ERASMO HELIO MACHADO LOPES – Advogado: ALEXANDRE NASSAR LOPES, OAB/SP 116.817

Parecer 218/2012-E

REGISTRO DE IMÓVEIS – pedido de dispensa do registro especial previsto no art. 18, da Lei nº 6.766/79, formulado por espólio – ausência da indispensável autorização do juízo do inventário – desmembramento em número de 16 lotes – peculiaridades do caso que demonstram inexistência de burla à Lei do Parcelamento do Solo Urbano – possibilidade, com observação

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de apelação interposta pelo Espólio de Erasmo Helio Machado Lopes, objetivando a reforma da r decisão de fls. 53v que julgou procedente a dúvida inversa por ele suscitada e manteve a recusa do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Guarulhos em registrar, na matrícula nº 1.659, o desmembramento do imóvel com a dispensa da apresentação dos documentos do art. 18, da Lei nº 6.766/79.

Alega o recorrente que a decisão deve ser reformada porque: a) possui legitimidade para postular o desmembramento; b) é desnecessário o atendimento do art. 18, da Lei nº 6.766/79, uma vez que restaram atendidos os requisitos da Portaria nº 01/2004, da Corregedoria Permanente; e c) não se trata de loteamento e que obteve a aprovação do órgão municipal responsável e dispensa de análise da GRAPROHAB (fls. 65/72).

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 81/82).

Os autos foram remetidos do C. Conselho Superior da Magistratura para esta Corregedoria Geral.

É o relatório.

Opino.

Observe-se, de início, que não se trata de procedimento de dúvida relativo a registro stricto sensu, razão pela qual incabível o recurso de apelação.

Nada impede, entretanto, que o recurso ora interposto seja apreciado como administrativo, na forma do art. 246, do Código Judiciário do Estado de São Paulo, com processamento e julgamento perante esta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça.

O Espólio de Erasmo Helio Machado Lopes pretende registrar, com a dispensa do registro especial previsto no art. 18, da Lei nº. 6.766/79, o desmembramento, em 16 lotes, do imóvel objeto da matrícula nº 1.659, do 2º Registro de Imóveis de Guarulhos.

A r decisão recorrida manteve a recusa do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Guarulhos por entender que o espólio não tem personalidade jurídica nem interesse para formular pedido visando modificação no registro de imóveis, bem como porque o desmembramento representa verdadeiro loteamento com a criação de 16 lotes, o que demanda observância dos requisitos do art. 18, da Lei nº 6.766/79.

Estão presentes os requisitos formadores do interesse processual do recorrente. O pressuposto da necessidade decorre do fato de precisar de autorização do Poder Judiciário, ainda que no âmbito correicional administrativo, para registrar, com a dispensa do art. 18, o desmembramento recusado pelo Oficial do Registro de Imóveis; o da adequação também está presente porque o procedimento da dúvida é o meio adequado para questionar a qualificação negativa do título realizada pelo Oficial de Registro de Imóveis.

Ultrapassada a questão preliminar, passa-se ao exame da controvérsia relativa à possibilidade de se dispensar o registro especial previsto no art. 18, da Lei no 6.766/79, para o ingresso do desmembramento, em 16 lotes, do imóvel objeto da matrícula nº 1.659, do 2º Registro de Imóveis de Guarulhos.

O espólio representa o conjunto dos bens que integram o patrimônio deixado pelo de cujus, que serão partilhados entre os herdeiros e legatários durante o inventário.

Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim, a propósito, explicam que:

“Aos bens que se transferem ao sucessor em virtude da morte de alguém dá-se o nome de herança, isto é, patrimônio que se herda, acervo hereditário ou espólio. (…)

Trata-se de uma universalidade de bens, ‘o patrimônio do de cujus, o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem ao herdeiro’. (Itabaiana de Oliveira, Tratado de Direito das Sucessões-1952, v.I/53,n.22)” (Inventários e Partilhas. 22ª ed. São Paulo: Leud, 2009, p. 31. Leud).

É sabido que o espólio não tem personalidade jurídica, mas apenas capacidade processual (CPC, art. 12, V). Forte nessa premissa, o Conselho Superior da Magistratura vinha obstando o registro dos títulos nos quais o espólio figurava como adquirente de direitos reais.

A realidade negocial, contudo, fez com que a jurisprudência mitigasse esse entendimento, passando a admitir, em caráter excepcional, a aquisição de direitos reais pelo espólio quando configurada a denominada “subrogação objetiva ou real”, como se verifica, dentre outras, da apelação cível nº 013222-0/3:

“No que concerne ao registro imobiliário, observa-se, por primeiro, que a indivisibilidade da herança impede que, até sua partilha, possam inscrever-se, individualizadamente, os direitos dos herdeiros, a comunidade que há não se estabelece sobre bens singulares mas sobre um conjunto de bens, sobre a massa hereditária, e a designação da comunidade como adquirente faz-se de maneira segura e, em todo caso, com maior praticidade, pela indicação do espólio de que ela é titular. Não é só: o espólio inclui direitos e ações, não podendo deixar de abranger, desse modo, as conseqüências jurídicas de seu exercício: o que não se confunde com admitir novas aquisições, no sentido de que o espólio abranja direitos e obrigações que não eram do de cujus, pois não é possível integrar a massa com créditos e dividas próprios dos herdeiros. A idéia, enfim, de que, de maneira contínua e dinâmica, o patrimônio hereditário – já adquirido pelos sucessores mas sem divisão – sobreviva no mundo jurídico, deve corresponder a admissão de que o tráfico imobiliário de seu interesse tenha a proteção registrária. Uma coisa, certamente, é reconhecer que, na universalidade, haja subrogação objetiva ou real, vale dizer: a substituição de uma coisa (ou de um direito) por outra (ou por outro), sem que se altere a subordinação à comunidade hereditária; outra, e muito diversa, seria admitir que, sem essa idéia de subrogação real, um novo bem se inclua no espólio, como se este pudera abranger, ampla e livremente, bens e direitos que não lhe correspondiam, por título algum, ao ensejo da abertura da sucessão. Essa distinção explicita o conteúdo de orientação esposada, nessa matéria, por este Eg. Conselho.” (Relator Des. Dínio de Santis Garcia, grifou-se).

No mesmo sentido, e mais recentemente, a apelação cível nº. 632-6/6, relatada pelo eminente Des. Gilberto Passos de Freitas:

“Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Negativa de acesso ao registro de escritura de venda e compra de imóvel – Espólio que figura no título como adquirente do bem – Possibilidade do registro – Imóvel de que já era titular o ‘de cujus’ por ocasião da abertura da sucessão – Sub-rogação real caracterizada (…)”

Como bem frisado nos precedentes acima, não se trata de permitir que um novo bem seja incluído no acervo formado pelo espólio, mas sim de se admitir a substituição de uma coisa por outra decorrente de direito já existente ao tempo da abertura da sucessão.

É o que se dá, por exemplo, quando o espólio adquire o imóvel em cumprimento a anterior compromisso de compra e venda celebrado em vida, a fim de ser partilhado entre os herdeiros.

No caso dos autos, o espólio almeja registrar, com a dispensa do art. 18, da Lei nº 6.766/79, o desmembramento do imóvel da matrícula nº 1.659, do 2º Registro de Imóveis de Guarulhos.

Desmembramento, de acordo com o conceito legal, é a subdivisão da gleba em lotes destinados à edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, sem abertura de novas vias e logradouros públicos nem prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes (art. 2º, § 2º, da Lei nº. 6.766/79).

O desmembramento, portanto, não implica aquisição de novos imóveis, mas mera transformação da situação jurídica da área maior, denominada gleba que, uma vez parcelada, deixa de existir e dá origem aos lotes.

Diante desta constatação e do fato de que Erasmo Helio Machado Lopes era titular de domínio do imóvel a ser desmembrado desde 25.11.76 (v R.1 da matrícula – fl. 26), é possível considerar que o desmembramento ora requerido se enquadra no conceito de subrogação objetiva ou real, de onde se conclui, de acordo com a orientação do Conselho Superior da Magistratura, que não há óbice para que o espólio postule seu registro.

Embora o desmembramento não implique acréscimo de um novo bem ao espólio, é preciso ter em conta que a nova configuração jurídica e física dele decorrente enseja reflexos nos direitos patrimoniais dos herdeiros e demais interessados.

Por isso, seu registro – com ou sem a dispensa do registro especial – depende sempre da prévia autorização do juízo do inventário, único competente para avaliar a conveniência de aludida alteração, bem como se a medida atenderá às finalidades do inventário.

Foi o que se decidiu em hipótese similar:

“Segundo – e o que é fundamental – é a circunstância de que o pedido vem formulado pela inventariante, sem alvará judicial autorizativo, da providência, e também sem anuência dos demais herdeiros. Ora, a administração de bens que se atribui ao inventariante não lhe permite, sem autorização judicial ou anuência dos demais interessados, a providência requerida. É que o desmembramento importa em nova configuração física do imóvel, com reflexo nos direitos patrimoniais dos demais interessados na sucessão. Tanto basta para impedir o pretendido desdobro. Nem se diga que a procuração apresentada aos autos solve a omissão. É que, igualmente, não se tem certidão dos autos do inventário indicando a condição e qualidade dos herdeiros.” (CG 160/91).

No mesmo sentido, exigindo autorização do juízo do inventário, a Apelação Cível nº 9.266-0, do Conselho Superior da Magistratura.

Na hipótese vertente, não consta dos autos qualquer documento demonstrando que o juízo do inventário tenha autorizado o inventariante a realizar o desmembramento do imóvel. Também não há anuência dos demais interessados. E, como a simples nomeação do inventariante não basta para os fins ora pretendidos, o registro do desmembramento, ainda que dispensado o registro especial, não seria possível.

Passa-se, enfim, ao exame da dispensa do registro especial do art. 18, da Lei nº 6.766/79.

O registro especial tem por escopo resguardar o aspecto urbanístico e proteger os adquirentes dos lotes. Para alcançar tais objetivos, exige-se a comprovação da idoneidade do loteador e da liquidez do domínio, o que se dá por meio da apresentação da extensa lista de documentos arrolados no art. 18, da Lei nº 6.766/79.

Em virtude de suas finalidades, o registro especial é a regra e incide sobre qualquer forma de parcelamento do solo, sendo dispensado apenas em situações excepcionais, nas quais não se vislumbra tentativa de burla à Lei nº 6.766/79.

O item 150.4, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, a propósito, diz que:

“Nos desmembramentos, o oficial, sempre com o propósito de obstar expedientes ou artifícios que visem a afastar a aplicação da lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, cuidará de examinar, com seu prudente critério e baseado em elementos de ordem objetiva, especialmente na quantidade de lotes parcelados, se se trata ou não de hipótese de incidência do registro especial. Na dúvida, submeterá o caso à apreciação do Juiz Corregedor Permanente.”

Como se vê, a verificação do número de lotes do desmembramento é a principal referência a ser levada em conta pelo Oficial de Registro de Imóveis para identificar a ocorrência de artifício que vise a afastar a incidência da Lei nº 6.766/79.

Mas não é a única. Outros elementos – sempre de ordem objetiva – também devem ser analisados dentro do conjunto analisado, tais como a dimensão dos lotes e a existência de parcelamentos sucessivos.

A Portaria nº 1/2004, do MM. Juiz Corregedor do 2º Oficial de Registro de Imóveis de Guarulhos, atento a essa realidade e com o escopo de uniformizar o entendimento, fixou as seguintes diretrizes para o Oficial:

“Artigo 1º – Fica dispensado de observância do preceito do artigo 18 da Lei n. 6.766, de 19 de dezembro de 1979, o parcelamento que preencha cumulativamente as seguintes condições:

a) não implique abertura de novas vias de circulação de logradouros públicos, prolongamento, modificação ou ampliação de vias existentes, ou, de modo geral, transferência de áreas para o domínio público.

b) não provenha de imóvel que já tenha, a partir de dezembro de 1979, sido objeto de outro parcelamento.

c) não importa em fragmentação superior a dez (10) lotes.”

Aqui, pretende-se o desmembramento do imóvel da matrícula nº 1.659, do 2º Registro de Imóveis de Guarulhos, em 16 lotes, o que supera o número de dez previsto na alínea “c” supra, motivo por que o Oficial remeteu a questão à Corregedoria Permanente na forma do art. 2º, da Portaria:

“Artigo 2º – A dispensa de documentos quanto aos parcelamentos que não preencham a integralidade das condições estabelecidas no artigo anterior dependerá sempre de apreciação da Corregedoria Permanente.”

De acordo com o art. 2º, a inobservância do número de lotes previsto na Portaria não implica automático indeferimento da dispensa do registro especial; apenas remete o exame da questão ao MM. Corregedor Permanente, que decidirá de acordo com as circunstâncias do caso concreto.

Na hipótese dos autos, os documentos constantes dos autos indicam a ocorrência de hipótese peculiar que autoriza a dispensa do registro especial do art. 18, da Lei nº 6.766/79.

O imóvel a ser desmembrado tem área total relativamente pequena (2.040 m2 – fls. 26) e está localizado em região com situação urbanística plenamente consolidada, o que pode ser aferido a partir da planta da Emplasa (fls. 40).

Além disso, não se encontra inserido em área de proteção ambiental (APA), em área de proteção de Mananciais (APM) e em limite de Município (v. certidão da secretaria do meio ambiente – fls. 36).

A implantação do desmembramento não ensejará abertura, modificação ou ampliação das vias e logradouros públicos já existentes no local nem causará abalo à infraestrutura local, notadamente em virtude do pequeno número de lotes a mais do que o referenciado pela Portaria do MM. Corregedor Permanente.

Os 16 lotes são de pequena dimensão: 125 a 130 m2, de modo que não poderão sofrer novo parcelamento, evitando-se o indesejado desmembramento sucessivo.

Também não há notícia de que o imóvel tenha sido objeto de anterior parcelamento.

As aprovações do Município e do Graprohab – embora não vinculem a qualificação registral – porque levam em consideração outros requisitos, colaboram na constatação de que o desmembramento em questão não visa a burlar a Lei nº 6.766/79 (fls. 37 e 44).

Vossa Excelência, quando juiz da 1ª Vara de Registros Públicos, já teve a oportunidade de consignar que, embora a questão do número de lotes constitua critério especialíssimo para o exame de eventual liberação, não parte de qualquer quantidade predeterminada, de sorte que não existe argumento intransponível a que o número de unidades edificadas chegue a 11, ou a 13 ou a 18, devendo o registrador agir com bom arbítrio na apuração do contexto global da hipótese que se lhe submete a registro, sem perder a noção da realidade social.

Vossa Excelência ainda lembra a orientação de Serpa Lopes no sentido de que, em tema de registros públicos, a interpretação deve sempre facilitar e não dificultar o acesso dos títulos (GALHARDO, João Baptista. O registro do parcelamento do solo para fins urbanos. Porto Alegre: IRIB: S.A. Fabris, 2004. p. 31/32).

Pois bem. À vista de todo o contexto e das peculiaridades do caso, conclui-se que o pequeno número superior ao previsto na Portaria da Corregedoria Permanente não pode servir de óbice para a dispensa do registro especial do art. 18, da Lei nº 6.766/79.

Diante do exposto, o parecer que respeitosamente se submete à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que a apelação seja conhecida como recurso administrativo na forma do art. 246, do Código Judiciário do Estado de São Paulo, e que a ele, observada a ressalva de que o registro do desmembramento dependerá de prévia autorização do juízo do inventário, seja dado provimento para autorizar a dispensa do registro especial previsto no art. 18, da Lei nº 6.766/79.

São Paulo, 26 de julho de 2012.

(a) Gustavo Henrique Bretas Marzagão

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: O primoroso parecer do Juiz Coordenador da Equipe de Assessores da Corregedoria Geral para temas extrajudiciais, Dr. GUSTAVO HENRIQUE BRETAS MARZAGÃO, confere à espécie o desate mais sensato. O número de lotes para a dispensa do registro do artigo 18 da Lei 6766/79 é uma convenção que pode ser atenuada com a prudência do Juízo da Corregedoria, sempre atenta a que o registro é instrumento, não finalidade. O mundo real nem sempre se compatibiliza com o rigorismo das formalidades excessivas. É preciso dar solução a questões que interferem com o uso adequado de bens da vida essenciais à consecução dos projetos pessoais, familiares ou sociais. Diante disso, não há como deixar de louvar a percuciência do erudito Juiz Assessor e conhecer da apelação como recurso administrativo, previsto no artigo 246 do Código Judiciário do Estado de São Paulo. Em seguida, a ela dou provimento para autorizar a dispensa do registro especial do artigo 18 da Lei Lehmann, com a única ressalva de que o registro do desmembramento se condiciona à prévia autorização do juízo do inventário. Publique-se. São Paulo, 26 de julho de 2012. (a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça. (D.J.E. de 15.08.2012)