CSM|SP: Registro de Imóveis – Desapropriação – Modo originário de aquisição da propriedade – Princípio da continuidade – Observação desnecessária – Princípio da especialidade – Obediência imprescindível – Carta de adjudicação regular, com descrição técnica do imóvel – Desnecessidade de registro de título anterior – Óbice afastado – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0000026-65.2011.8.26.0534, da Comarca de SANTA BRANCA, em que é apelante DEPARTAMENTO DE ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA – DAEE e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, ANTONIO AUGUSTO CORRÊA VIANNA, decano, ANTONIO CARLOS MALHEIROS,ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO E ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, em exercício, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 19 de julho de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Desapropriação – Modo originário de aquisição da propriedade – Princípio da continuidade – Observação desnecessária – Princípio da especialidade – Obediência imprescindível – Carta de adjudicação regular, com descrição técnica do imóvel – Desnecessidade de registro de título anterior – Óbice afastado – Recurso provido.

A interessada, ora apelante, inconformada com a desqualificação para registro da carta de adjudicação relacionada com o bem imóvel objeto da desapropriação tratada no processo n.º 273/01, que correu pela Vara Única do Foro Distrital de Salesópolis, requereu a suscitação de dúvida pela agora apelada, Registradora de Imóveis e Anexos da Comarca de Santa Branca. A ação atingiu imóvel com 1.897 m2, pertencente a Kuniuyuki Murakami.. Sustenta o Oficial a mantença do óbice apresentado, que exige o prévio registro de mandado oriundo de ação de usucapião anterior, para a abertura de matrícula do bem imóvel.

O Departamento de Águas e Energia Elétrica impugna a exigência, sustentando que houve processo judicial de desapropriação, com produção de prova pericial, que é modo originário de aquisição da propriedade, sendo desnecessário o registro do título de usucapião anterior (fls. 55/60).

A dúvida, em primeira instância, foi julgada procedente, reconhecendo a pertinência do óbice, em atenção ao princípio da continuidade (fls. 77/). Inconformada, apresentou a interessada apelação, reiterando as razões anteriormente defendidas (fls. 82/87).

A D. Procuradoria Geral da Justiça opinou pelo provimento do recurso, já que, qualificada como originária a aquisição da propriedade imobiliária, não há que se cogitar de descumprimento ao princípio da continuidade (fls. 97/99).

É o relatório.

A desapropriação é o procedimento administrativo identificado pela prática de uma série encadeada de atos preordenados à perda da propriedade, pelo particular, mediante transferência forçada de seus bens para o Poder Público, precedida, em regra, do pagamento de prévia e justa indenização em dinheiro.

O despojamento compulsório da propriedade pelo Poder Público, pode estar fundado a) em necessidade ou utilidade pública ou interesse social (artigo 5.º, XXIV, da CF), b) em descumprimento do Plano Diretor do Município – quando dispensada a prévia indenização e admitido o pagamento mediante títulos da dívida pública (artigo 182, § 4.º, III, da CF) -,c) visar, à luz do descumprimento da função social do imóvel rural, à reforma agrária – hipótese em que autorizado o pagamento da indenização por meio de títulos da dívida agrária (artigo 184 da CF) -, ou d) apoiar-se na utilização criminosa dos bens, situação que desobriga o pagamento de indenização ao expropriado (artigo 243 da CF).

A desapropriação judicial revela-se um modo originário de aquisição da propriedade: inexiste um nexo causal entre o passado, o estado jurídico anterior, e a situação atual.

A propriedade adquirida, com o aperfeiçoamento da desapropriação, liberta-se de seus vínculos anteriores, desatrela-se dos títulos dominiais pretéritos, dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação, tanto que não poderá ser reivindicada por terceiros e pelo expropriado (artigo 35 do Decreto-lei n.º 3.365/1941), salvo no caso de retrocessão.

Trata-se de entendimento compartilhado, além do mais, por inúmeros doutrinadores, entre eles Miguel Maria de Serpa Lopes, Hely Lopes Meirelles, Celso Antonio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella di Pietro, Lucia Valle Figueiredo, Diogenes Gasparini, José Carlos de Moraes Salles e Marçal Justen Filho.

Dentro do contexto exposto – reconhecido o modo originário de aquisição da propriedade pelo Poder Público, precedida da perda compulsória do bem pelo particular -, a observação do princípio registral da continuidade é prescindível, ainda mais diante da regra emergente do artigo 35 do Decreto-Lei n.º 3.365/1941.

De todo modo, não se dispensa a obediência ao princípio da especialidade objetiva, na pacífica compreensão do Colendo Conselho Superior da Magistratura deste Tribunal de Justiça e no oportuno magistério de Serpa Lopes, de acordo com quem é exigível “o requisito da individuação da coisa desapropriada”, inobstante a aquisição originária da propriedade.

Destarte, a origem judicial do título apresentado para registro (carta de adjudicação) não torna prescindível a qualificação: a prévia conferência, destinada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral, é indispensável, inclusive nos termos do item 106 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Observo, todavia, que a carta de adjudicação apresentada para registro está regular e conta com descrição pormenorizada do imóvel, feita por profissional competente, consubstanciada no memorial descritivo e planta, juntados a fls. 20 e 23/24 dos autos, razão pela qual atendido o princípio da especialidade, que possibilita a abertura de matrícula com respeito ao princípio da especialidade.

A ação de usucapião teve o único propósito de legitimar o recebimento da indenização pelo possuidor, declarando a propriedade por ele conquistada pela prescrição aquisitiva.

Pelo exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 29.08.2012)