CSM|SP: Registro de Imóveis – Pedido de retificação do registro no qual constou tratar-se de aquisição de imóvel comum ao casal, dado o regime da comunhão parcial – Inobservância pelo registrador da expressa e taxativa declaração dos cônjuges, constante do título, de que se tratava de bem adquirido com capital exclusivo de um deles – Circunstância que afasta a comunicação e leva à hipótese de bem particular – Registro que não pode se divorciar da manifestação da vontade do casal aposta no título – Não caracterizada ofensa às regras legais para referido regime de bens do casamento – Dado provimento ao recurso.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Processo nº 2011/95456

(389/11-E)

REGISTRO DE IMÓVEIS – Pedido de retificação do registro no qual constou tratar-se de aquisição de imóvel comum ao casal, dado o regime da comunhão parcial – Inobservância pelo registrador da expressa e taxativa declaração dos cônjuges, constante do título, de que se tratava de bem adquirido com capital exclusivo de um deles – Circunstância que afasta a comunicação e leva à hipótese de bem particular – Registro que não pode se divorciar da manifestação da vontade do casal aposta no título – Não caracterizada ofensa às regras legais para referido regime de bens do casamento – Dado provimento ao recurso.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Cuida-se de recurso administrativo interposto por SONIA MIRANDA CAVALCANTI DE AZEVEDO contra decisão do Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e anexos da Comarca de Mogi Mirim, que manteve a recusa ao seu pedido (fls. 02/03 e 05) de averbação retificatória do R.09 à margem da matrícula nº 27.404 daquela serventia predial (fls. 09/10).

A averbação tem como escopo retificar dito registro, para nele constar que tal imóvel, adquirido pela recorrente, seria bem particular, em razão de ter sido comprado mediante emprego de capital exclusivamente pertencente à cônjuge-virago, excluindo-o, assim, da esfera patrimonial do seu marido, com o qual, à época da transação, era casada mediante comunhão parcial de bens.

Em sua decisão de fls. 27/29, o MM. Juízo Corregedor Permanente acolheu os motivos da recusa expostos pelo registrador imobiliário (fls. 04 e 24), quais sejam, que haveria infringência ao artigo 1660, I, do Código Civil, ausente a exceção capitulada no artigo 1659, II, do mesmo diploma legal, tratando-se de coisa comum, vez que adquirida a título oneroso durante o casamento mediante comunhão parcial de bens. Ademais, eventual justificativa acerca da origem do dinheiro empregado no pagamento do preço (supostamente exclusivo do cônjuge virago recorrente) deveria ser objeto de prova na via jurisdicional.

Na peça de inconformismo, sustenta-se (fls. 31/38) que, na constância do casamento mediante comunhão parcial, a recorrente comprou o imóvel em discussão com numerário exclusivamente seu e que tal circunstância constou da parte final da escritura em tela (fls. 11/12), o mesmo tendo sido consignado em escritura autônoma de declaração firmada pelo cônjuge varão (fls. 21). O registro, portanto, deve retratar tal realidade constante do título (não se tratar de patrimônio comum, mas sim de bem privado, exclusivo e privativo da virago).

A Douta Procuradoria Geral da Justiça manifestou-se no sentido do improvimento do recurso (fls. 44/47).

É o relatório.

Passo a opinar.

Dispõe o Código Civil:

Art. 1660. Entram na comunhão:

I – os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

Art. 1659. Excluem-se da comunhão:

(…)

II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

Das normas acima transcritas, conclui-se que, no regime da comunhão parcial de bens, a regra geral (art. 1.660, I) é a da comunhão dos aquestos onerosos.

Isto não ocorrerá, entretanto, (exceção prevista no art. 1.659, II), se a hipótese configurar sub-rogação de bem particular, ou seja, estar referido bem entrando no patrimônio do cônjuge em substituição a outro de caráter privado.

Tal sub-rogação, em regra, tem que estar devidamente documentada, contando com menção expressa no título de venda do bem anterior (substituído) e no da compra do posterior (substituto). Com qual finalidade? A de comprovar uma efetiva e verdadeira ocorrência da sub-rogação, evitando prejuízo ao outro cônjuge que não gozará da comunicação patrimonial.

Mas não é o que aqui parecer ocorrer. Os nubentes têm, como regra, liberdade para escolher seu regime de bens1, podendo, inclusive, alterar suas regras ao longo do matrimônio2.

Termos em que, interpretando de modo menos literal (e primando pelas exegeses teleológica e sistemática) a regra contida no já transcrito inciso II do art. 1.659, pode ser concluído que a sub-rogação se verifica, não só na substituição do imóvel-imóvel, como também na aquisição de bem mediante uso do capital privado de um dos cônjuges. Note-se que há referência a “valores” na norma em comento.

Disto resulta que a manifestação de vontade expressa no título, pela qual o imóvel foi adquirido com capital exclusivo, consistindo em bem particular, não ofende a legislação aplicável ao referido regime de bens do casamento, lembrando não haver lugar para ilações nesta seara administrativo-registral, conforme reconhecido por esta Corregedoria Geral da Justiça nos autos do Processo CG nº 4.693/2007:

…sabido que, nesta esfera administrativa, não cabe ao Oficial Registrador, ao Meritíssimo Juiz Corregedor Permanente ou mesmo à Corregedoria Geral da Justiça enveredar em tal seara, para fins de interpretar a vontade das partes, matéria reservada à esfera jurisdicional (Proc. CG. 120/84; Proc. CG nº 605/94; Proc. CG. Nº 1.583/95; Proc. CG nº 1.109/2005).

Há mais. Conforme já se pronunciou esta Corregedoria Geral da Justiça, em parecer da lavra do Meritíssimo Juiz Auxiliar, Dr. Vicente de Abreu Amadei, aprovado pelo eminente Desembargador Dínio de Santis Garcia, então Corregedor Geral da Justiça:

“(…) se houve algum equívoco este é do título causal, não do registro imobiliário que é formalmente perfeito e, conforme nossa doutrina e precedentes administrativos, o erro do registro não se confunde com o erro do título causal e não se pode admitir a via administrativa da retificação do registro imobiliário para sanar defeito de escritura: a) “a retificação de erro constante do registro não se confunde com o erro cometido no negócio causal que originou o assentamento imobiliário” (Walter Ceneviva, Lei dos Registros Públicos Comentada, Saraiva, 1991, p. 372); b) “se o erro se deu na escritura, pública ou particular, somente por outra poderá ser retificado, sendo que as particularidades poderão sê-lo pela escritura pública, e jamais a pública pela particular” (Aguiar Vallim, Direito Imobil iário Brasileiro, RT, 1984, p. 109); c) “falta qualquer competência aos Juízes para decretar sanações e, até, para retificar erros das escrituras públicas: escritura pública somente se retifica por escritura pública e não por mandado judicial” (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, t. III, §338, nº 1 com referência ao Acórdão publicado na RT 182/754; d) “o registro errado, resultante de uma escritura pública erradamente lavrada, por exemplo, só poderá ser retificado depois que as partes comparecendo novamente à presença do mesmo ou de outro notário, o façam lavrar, para ser por elas assinada, outra escritura, de retificação da primeira” (Valmir Pontes, Registro de Imóveis, Saraiva, 1982, p. 124-125); e) “se o suposto engano está no título que deu origem ao registro cuja retificação é pretendida, é aquele que deve ser corrigido” (C SM – AC 271.205 – Santo André, j. 5.10.78, em Registro de Imóveis, Narciso Orlandi Neto, jan./78 a fev/81, verbete 93, p. 103; pareceres desta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, relativo a Procs. CG 216/86 e 14/87 (Decisões Administrativas da CGJ, 1987, Ed. RT, pp. 110/111 e 116/117); ao Proc. 23/86 (Decisões Administrativas da CGJ, 1986, Ed. RT, pp. 118/119) e ao Proc. 259/84 (Decisões Administrativas da CGJ, 1984/1985, Ed. RT, pp. 168-169), entre outros” (Proc. CG 38/92).

No mesmo sentido:

Bem por isso, o registro, …, nada mais fez do que refletir a situação retratada no título, não tendo contado sequer com a oposição dos interessados na época da sua realização.

Assim, se houve erro ou omissão na celebração do instrumento…, trata-se de equívoco do título causal e não do registro imobiliário, o qual não pode ser retificado administrativamente, sem prévia retificação do título que lhe deu origem (Processo CG nº 2009/129476).

É caso, pois, de se respeitar a manifestação dos cônjuges (fls. 11/12 e 21) e dar provimento ao recurso, ressalvados, por evidente, eventuais direitos de credores ou outros terceiros que, por ventura, venham a demandar, na via própria, questionando a já referida declaração de vontade que resultou na atual situação patrimonial do referido bem.

Assim decidiu o Egrégio Conselho Superior da Magistratura nos autos da Apelação Cível nº 96.913-0/4:

Registro de Imóveis – Escritura de aquisição com expressa declaração de que parte do preço pago resulta de alienação de bens particulares do adquirente – Interveniência da virago, acedendo à discriminação da parte ideal de propriedade exclusiva – Acesso ao fólio possível – Recurso provido.

(…)

Não há porque remeter as partes à via jurisdicional, ademais inidentificável, se marido e mulher declaram, ambos, que parte do preço de aquisição do imóvel decorre de sub-rogação de bem só a um deles pertencente, com exclusividade. Tanto mais, vale o acréscimo, quando nada indica qualquer pretensão de burla do regime de bens do casamento.

Por fim, mesmo diante de terceiros, o registro não impede se socorram, eles sim, da via jurisdicional adequada, caso entrevejam alguma lesão a direito seu.

Diante do exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que seja dado provimento ao recurso, autorizando a averbação retificatória aqui pretendida. Publicada a vossa decisão e dela cientificada a douta Procuradoria de Justiça, que sejam, ao final, devolvidos os autos à origem.

Sub censura.

São Paulo, 03 de novembro de 2011.

ROBERTO MAIA FILHO

Juiz Auxiliar da Corregedoria

CONCLUSÃO

Em 07 de novembro de 2011, faço estes autos conclusos ao Excelentíssimo Senhor Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, DD. Corregedor Geral da Justiça. Eu ______ (Rosa Maia), Escrevente Técnico Judiciário do GATJ 3, subscrevi.

Processo nº 2011/95456

Aprovo o parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, dou provimento ao recurso, nos termos propostos.

Publique-se.

São Paulo, 10 de novembro de 2011.

MAURÍCIO VIDIGAL

Corregedor Geral da Justiça

1 CC, art. 1.639 – É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto ao seus bens, o que lhes aprouver.

2 CC, art. 1.639, §2º – É admissível alteração do  regime de bens, mediante autorização judicial…