CSM|SP: Registro Civil de Pessoa Jurídica – Pessoa jurídica constituída antes da vigência do Novo Código Civil – Transformação de sociedade empresária em sociedade simples – Mera repactuação do contrato do social já celebrado que não interfere na preexistência da personalidade jurídica – Não incidência da regra do artigo 977 do Código Civil – Garantia constitucional do ato jurídico perfeito (CF art. 5º XXXVI) que prevalece sobre o art. 2031 do Código Civil – Modificação de orientação dos precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0049360-12.2011.8.26.0100, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante R.V. – COMÉRCIO DE MATERIAIS DIDÁTICOS LTDA – ME e apelado o 6º OFICIAL DE REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, no impedimento ocasional do Presidente, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 30 de agosto de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO CIVIL DE PESSOA JURÍDICA – Pessoa jurídica constituída antes da vigência do Novo Código Civil – Transformação de sociedade empresária em sociedade simples – Mera repactuação do contrato do social já celebrado que não interfere na preexistência da personalidade jurídica – Não incidência da regra do artigo 977 do Código Civil – Garantia constitucional do ato jurídico perfeito (CF art. 5º XXXVI) que prevalece sobre o art. 2031 do Código Civil – Modificação de orientação dos precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido.

Vistos etc.

Irresignada com a decisão que reconheceu a inviabilidade do registro de instrumento particular de transformação, alteração do contrato social de sociedade empresária em sociedade simples, em razão de os sócios serem casados pelo regime da comunhão universal de bens, apela RV – Comércio de Materiais Didáticos Ltda – ME.

Sustenta a apelante não existir vulneração ao contido nos artigos 977 e 2031 do Código Civil e, portanto, ser viável o registro por cuidar-se de ato jurídico perfeito. Sobre ele não incidirá, retroativamente, a normatividade posterior.

Posiciona-se a Ilustrada Procuradoria Geral de Justiça no sentido do desprovimento .

É uma síntese do necessário.

A Sociedade Empresarial R.V. – Comércio de Materiais Didáticos Ltda. foi constituída em 22.7.1999 e seus sócios são casados sob o regime da comunhão universal de bens. Em 24.3.2011, alterou o seu contrato social para : 1) alterar o objeto social da sociedade; 2) mudar sua denominação social; 3) transformar a sociedade empresária limitada em sociedade simples limitada.

Apresentou a registro o instrumento particular para cumprir o disposto no artigo 998, caput , c.c. o artigo 45, caput , ambos do Código Civil. Nada obstante existisse anterior personalidade jurídica de sociedade empresária, o advento da personalidade jurídica de sociedade simples decorre do acesso no Registro Civil de Pessoa Jurídica.

A orientação da Corregedoria Geral de Justiça e do Egrégio Conselho Superior da Magistratura era a de que incidia na espécie o artigo 977 do Código Civil: “Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória”. Todavia, essa não é a posição da doutrina, nem constitui o pensamento jurisprudencial uniforme.

Na lição de Marcelo Fortes Barbosa Filho, “as sociedades constituídas antes do início da vigência do Novo Código não foram atingidas (pela regra do artigo 977), dado o princípio da preservação do ato jurídico perfeito, inserido no artigo 5º, XXXVI, da Constituição da República, como reconhecido pelo Departamento Nacional do Registro do Comércio (Parecer DNRC/Cojur,, n.125/03)¸descartada, então, a necessidade de alteração do quadro social ou do regime de bens adotado” . Em sentido idêntico, Arnaldo Rizzardo , Theotônio Negrão e José Roberto Ferreira Gouvêa , Antonio Jeová Santos, e Maria Helena Diniz entre outros.

Nestes autos, a sentença apelada, de lavra do erudito Juiz Gustavo Henrique Bretas Marzagão ressalva a postura pessoal do julgador, que se afina à melhor teoria e mais adequada produção jurisprudencial . Também o signatário já teve oportunidade, na Colenda Primeira Câmara de Direito Público deste Tribunal, de reconhecer que “a vedação do artigo 977 do CC não se aplica às sociedades registradas anteriormente à vigência da nova lei, mas incide apenas para as sociedades a serem constituídas após 1.1.2003. O artigo 2031 do CC não incide sobre sociedades entre cônjuges cujos atos constitutivos sejam anteriores ao advento da nova normatividade, pois a eles socorre o direito adquirido de índole fundante e de ênfase explicitada na Constituição de 1988, a partir da alteração topográfica do capítulo dos direitos e garantias individuais”.

Conforme fiz questão de enfatizar no mesmo voto, “a superveniência de nova disciplina contida no Código Civil de 2002 não obriga o casal a adotar novo pacto patrimonial no casamento, nem a desfazer a sociedade, menos ainda a desfazer o casamento. Não foi essa a intenção do legislador. E se fora, encontraria a barreira do direito adquirido, fundamental no capítulo dos direitos e garantias individuais, tão enfatizados na Constituição Cidadã de 1988”.

Trilha idêntica a percorrida pelo Des. Luiz Sérgio Fernandes de Souza em percuciente dicção: “Ação de obrigação de fazer.

Oficial registrário que nega averbação de alteração social de sociedade simples, consistente na mera mudança de endereço, fundamentando-se na regra do artigo 977 do Código Civil. Sociedade constituída antes do advento da Lei Federal nº 10.046/02.

Aplicação da regra do artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal. A proibição contida na regra legal não atinge as sociedades entre cônjuges já constituídas ao tempo em que o Código Civil de 2002 entrou em vigor. Recurso provido. Sentença reformada”.

Houve mera repactuação do contrato social já celebrado. Pressuposta, portanto, a existência de personalidade jurídica, sem modificação alguma da realidade econômica ou social sobre que se alicerça o empreendimento comum desenvolvido pelo casal. Tudo subsiste como antes, sendo que a obstaculização ao registro apenas causa inconvenientes que não se justificam. A pessoa jurídica, na verdade, continua a mesma. Já existia e apenas mudou de rótulo.

Diante do cotejo entre os dispositivos invocados, não pode o artigo 2031 do CC se sobrepor ao direito adquirido, um dos pilares do sistema jurídico brasileiro. A orientação que deve prevalecer no exame das questões suscitadas pelos interessados no registro é o de sempre facilitar o acesso, não gerar maiores dificuldades aos destinatários desse serviço público delegado.

Por estes fundamentos, provejo o recurso.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 24.10.2012)