CGJ|SP: Registro Civil de Pessoa Jurídica – Averbação de alteração do contrato social – Transferência de cotas – Necessidade de apresentação da CND, conforme o art. 47, “d”, da Lei nº 8.212/91 – Inconstitucionalidade que não pode ser reconhecida na via administrativa.

PROCESSO Nº 2012/63829 – SÃO PAULO – GB ASSISTÊNCIA TÉCNICA DE CALIBRADORES S/C LTDA – Advogados: ANNA FLÁVIA DE AZEVEDO IZELLI GRECO, OAB/SP 203.014 e RODRIGO PRADO GONÇALVES, OAB/SP 208.026.

Parecer nº 440/12-E

REGISTRO CIVIL DE PESSOA JURÍDICA – Averbação de alteração do contrato social – Transferência de cotas – Necessidade de apresentação da CND, conforme o art. 47, “d”, da Lei nº 8.212/91 – Inconstitucionalidade que não pode ser reconhecida na via administrativa.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Cuida-se de recurso interposto por GB Assistência Técnica de Calibradores S/C Ltda. contra r decisão de fls. 219/221 do MM Juízo Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica, que indeferiu a averbação da alteração e consolidação do contrato social por meio da qual se operou a transformação societária de simples para empresária e a transferência do controle societário porque desatendidos o art. 47, “d”, da Lei nº 8.212/91, o Decreto 6.106/2007 (art. 1º, II) e a Portaria Conjunta nº 3 da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (art. 1º, II).

Alega, em suma, ser desnecessário o atendimento ao art. 47, I, “d”, da Lei nº 8.212/91, para a averbação por ser inconstitucional, notadamente porque o caso não é de extinção da sociedade.

A douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 257/260).

É o relatório.

OPINO.

Observe-se, de início, que não se trata de procedimento de dúvida relativo a registro em sentido estrito, razão pela qual incabível o recurso de apelação.

Contudo, nada impede que o recurso ora interposto seja apreciado como administrativo, na forma do artigo 246, do Código Judiciário do Estado de São Paulo, com processamento e julgamento perante esta Egrégia Corregedoria Geral da Justiça.

Superada a questão preliminar, passa-se ao exame de fundo.

A recorrente pretende averbar a alteração e consolidação de seu contrato social, de 01.07.11, por meio da qual transformouse em sociedade empresária e transferiu o controle societário (fls. 39/52).

A recusa do 2º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil da Pessoa Jurídica da Capital foi mantida pelo MM.

Juiz Corregedor Permanente, que reputou desatendidos o art. 47, “d”, da Lei nº 8.212/91, o Decreto 6.106/2007 (art. 1º, II) e a Portaria Conjunta nº 3 da Receita Federal do Brasil e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (art. 1º, II).

A r. decisão do MM. Juiz Corregedor Permanente está em harmonia com a atual jurisprudência desta Corregedoria Geral:

“REGISTRO CIVIL DE PESSOA JURÍDICA – Pedido de averbação de alteração contratual – Exigência de CNDs com fulcro no art. 47, I, “d”, da Lei nº 8.212/91 – Retirada de sócia majoritária, que era casada com outro sócio, do qual se separou judicialmente – Transferência de controle de cotas de sociedade de responsabilidade limitada – Inviabilidade de se contornar a aludida disposição legal – Recurso não provido.”(Proc. CG 2009/41497).

Sucede que, recentemente, o Órgão Especial deste E. Tribunal de Justiça, seguindo orientação já pacificada pelo Supremo Tribunal Federal, reconheceu, nos autos da arguição de inconstitucionalidade nº 139256-75.2011.8.26.0000, a inconstitucionalidade do art. 47, I, “d”, da Lei nº 8.212/91.

O v. acórdão restou assim ementado:

“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.212/91, ART. 47, ALÍNEA “D”. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA NO REGISTRO OU ARQUIVAMENTO, NO ÓRGÃO PRÓPRIO, DE ATO RELATIVO A EXTINÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL. OFENSA AO DIREITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E PROFISSIONAIS LÍCITAS (CF, ART. 170, PARÁGRAFO ÚNICO), SUBSTANTIVE PROCESS OF LAW E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARGUIÇÃO PROCEDENTE. Exigência descabida, em se cuidando de verdadeira forma de coação à quitação de tributos. Caracterização da exigência como sanção política. Precedentes do STF.”

O eminente relator Des. Armando Toledo, depois de lembrar, com base na doutrina, que sanções políticas são meios pelos quais o Estado, como detentor de uma série de prerrogativas que lhe são exclusivas, pretende, por meios transversos, exercer poder de coerção para o jurisdicionado de forma a indiretamente obrigá-lo a empreender alguma atividade por ele desejada, destacou que o E. Supremo Tribunal Federal sedimentou entendimento no sentido da ilegitimidade delas, o que resultou na edição das Súmulas 70 (É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para a cobrança de tributos.), 323 (É inadmissível a apreensão de mercadoria como meio coercitivo para a cobrança de tributo.) e 547 (Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.).

Ponderou, ainda, que as sanções políticas violam o direito de livre exercício de qualquer atividade econômica e ao direito ao devido processo legal. Este, porque tiram dos contribuintes o direito de impugnar a legitimidade dos débitos fiscais pelos meios regulares a satisfazê-los, antecedendo a cobrança e a qualquer possibilidade de apresentação de defesa, em favor de instrumentos oblíquos de coação e indução; aquele, porque representam indevida restrição ao direito de exercer atividade econômica, o qual está assegurado pelo art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal.

E concluiu, em seguida, que as sanções políticas restringem o exercício da atividade econômica porque coagem o contribuinte a pagar tributo de forma transversa, utilizando-se de caminhos diversos daqueles que a ordem jurídica dispõe para constituir e cobrar o crédito tributário.

V. Exa. participou do julgamento e, ao acompanhar o eminente relator, apresentou voto vista destacando que:

“De fato, normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de débitos tributários devem ser proporcionais, razoáveis e necessárias, o que só se verifica quando a relação entre meios e fins – sendo estes os objetivos a que se destinam a coisa pública – não excedem os limites indispensáveis à legitimidade do fim que se almeja. Nessa ordem de idéias, é manifesta a inconstitucionalidade e ilegitimidade do artigo 47, inciso I, ‘d’, da Lei Federal n° 8.212/1991, quando exige, da empresa, certidão negativa de débito previdenciário “no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada.” Há abuso do poder legiferante estatal, porque o contribuinte é constrangido, por via indireta e enviesada, ao pagamento de débito tributário; tem dificultado o livre acesso ao Judiciário, pois desde logo considera-se perfeita e acabada a imposição fiscal; vê tolhido seu direito fundamental ao exercício de atividade econômica, à livre iniciativa, à prática empresarial lícita. Conforme bem observa HUGO DE BRITO MACHADO, “A ilicitude de não pagar tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. Atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude de não pagar o tributo, não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Uma coisa é a ilicitude de certa atividade. Outra, bem diversa, a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória. Mesmo incorrendo nesta última, quem exercita atividade econômica continua protegido pela garantia constitucional. Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante ação de execução fiscal.” O Poder Público já dispõe de enormes privilégios e prerrogativas quando contende em Juízo e, mais ainda, quando executa seus créditos tributários. Se entende que algum tributo lhe é devido, deve propor a competente execução fiscal, mas nunca eclipsar o princípio da livre iniciativa, princípio que, no âmbito econômico, consubstancia-se numa das facetas do postulado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito ao pleno desenvolvimento das próprias potencialidades.”

Em recente julgado, o Supremo Tribunal Federal reafirmou entendimento no sentido da inconstitucionalidade das restrições impostas pelo Estado ao livre exercício de atividade econômica enquanto meio de coerção indireta de recolhimento de tributos:

“A agravante não trouxe argumentos suficientes para infirmar a decisão. Visa apenas à rediscussão da matéria já decidida em conformidade com a jurisprudência pacífica desta Corte segundo a qual são inconstitucionais as restrições impostas pelo Poder Público ao livre exercício de atividade econômica ou profissional, quando utilizadas como meio de coerção indireta ao recolhimento de tributos. Transcrevo, a propósito, trecho do que decidido pelo Min. Celso de Mello no RE 523. 366, DJ 9.3.2007, que versa matéria análoga à dos autos:

‘O litígio em causa envolve discussão em torno da possibilidade constitucional de o Poder Público impor restrições, ainda que fundadas em lei, destinadas a compelir o contribuinte inadimplente a pagar o tributo e que culminam, quase sempre, em decorrência do caráter gravoso e indireto da coerção utilizada pelo Estado, por inviabilizar o exercício, pela empresa devedora, de atividade econômica lícita. Cabe acentuar, neste ponto, que o Supremo Tribunal Federal, tendo presentes os postulados constitucionais que asseguram a livre prática de atividades econômicas lícitas (CF, art. 170, parágrafo único), de um lado, e a liberdade de exercício profissional (CF, art. 5º, XIII), de outro – e considerando, ainda, que o Poder Público dispõe de meios legítimos que lhe permitem tornar efetivos os créditos tributários -, firmou orientação jurisprudencial, hoje consubstanciada em enunciados sumulares (Súmulas 70, 323 e 547), no sentido de que a imposição, pela autoridade fiscal, de restrições de índole punitiva, quando motivada tal limitação pela mera inadimplência do contribuinte, revela-se contrária às liberdades públicas ora referidas (RTJ 125/395, Rel. Min. OCTAVIO GALLOTTI).’” (RE 511.800 AGR / PE).

Como o caso em exame se amolda aos julgados acima, a exigência feita pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica deve ser afastada porque condiciona a prática de atos da vida civil da pessoa jurídica à prévia quitação de débitos tributários.

Observe-se que, embora a via administrativa não possa declarar inconstitucionalidade de lei, cabe-lhe aplicar entendimento pacificado por quem, por força Constitucional, detenha essa competência.

Por todas essas razões é que, respeitosamente, sugere-se a mudança do atual entendimento desta Corregedoria Geral, permitindo-se, daqui para diante, que as averbações das alterações estatutárias e contratuais ocorram independentemente do atendimento do art. 47, I, “d”, da Lei nº 8.212/91, regra que vigerá, também, para as Serventias de outras naturezas.

Diante do exposto, o parecer que respeitosamente submeto à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que se conheça do recurso como administrativo na forma do art. 246, do Código Judiciário, e a ele seja dado provimento.

Em caso de aprovação, em virtude da alteração do entendimento até então vigente, sugere-se a publicação da íntegra do parecer para conhecimento geral.

Sub censura.

São Paulo, 08 de novembro de 2012.

Gustavo Henrique Bretas Marzagão

Juiz Assessor da Corregedoria

Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, conheço do recurso como administrativo na forma do art. 246, do Código Judiciário, e a ele dou provimento. Para conhecimento geral, determino a publicação na íntegra do parecer. São Paulo, 09 de novembro de 2012. (a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça. (D.J.E. de 26.11.2012 – SP)