TJ|SC: Ementa: Agravo retido. Ausência de pedido expresso para analisá-lo. Desobediência ao previsto no artigo 523, § 1º do Código de Processo Civil. Recurso não conhecido. Apelação cível. Ação cominatória. Contrato particular de cessão de direitos sobre fração ideal de terreno e unidade autônoma. Declaração do tabelião da desistência do direito à 50% do imóvel. Presunção juris tantum. Ausência de prova hígida a derruir aquele documento. Rescisão do contrato reconhecida. Falta de interesse de agir verificada. Decisum mantido. Recurso conhecido e improvido.

Acórdão: Apelação Cível n. 2010.074262-8, de Balneário Camboriú.

Relator: Juiz Saul Steil.

Data da decisão: 12.04.2011.

EMENTA: AGRAVO RETIDO. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPRESSO PARA ANALISÁ-LO.  DESOBEDIÊNCIA AO PREVISTO NO ARTIGO 523, § 1º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. RECURSO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO COMINATÓRIA. CONTRATO PARTICULAR DE CESSÃO DE DIREITOS SOBRE FRAÇÃO IDEAL DE TERRENO E UNIDADE AUTÔNOMA. DECLARAÇÃO DO TABELIÃO DA DESISTÊNCIA DO DIREITO À 50% DO IMÓVEL. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM. AUSÊNCIA DE PROVA HÍGIDA A DERRUIR AQUELE DOCUMENTO. RESCISÃO DO CONTRATO RECONHECIDA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR VERIFICADA. DECISUM MANTIDO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. “O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença”. (Art. 364, do CPC). “(…) entende-se é que, até prova em contrário, com o documento público se dá como comprovado que as partes nele referidas fizeram as declarações que por ele lhe são atribuídas, pela forma ali descrita”. (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo in Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 332 a 475. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 99 e 100. v. 4).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2010.074262-8, da comarca de Balneário Camboriú (3ª Vara Cível), em que é apelante Edison Heineck Beltrão, e apelada Leda Maria Dresch:

ACORDAM, em Terceira Câmara de Direito Civil, por votação unânime, não conhecer do agravo retido e conhecer do recurso de apelação e negar-lhe provimento. Custas legais.

RELATÓRIO

Edison Heineck Beltrão ingressou com Ação Cominatória c/c Perdas e Danos contra Leda Maria Dresh, ambos já qualificados, alegando, em suma, que a requerida mediante o contrato particular de cessão de direito sobre fração ideal de terreno e unidade autônoma lhe transferiu 50% dos direitos inerentes aos bens descritos às fls. 17, inclusive IPTU, condomínio e outros encargos.

Aduz, todavia, que a requerida teria transferido para si a totalidade dos direitos quando foi lavrada a escritura do imóvel, e, por isso, requer seja condenada a requerida a pagar a totalidade dos encargos antes fracionados a ambos, bem como lhe pague indenização a título de aluguel, e 50% dos valores dos imóveis.

Pugnou, em tutela antecipada, a transmissão de 50% dos imóveis urbanos ns. 26.804, e 26.805 sob pena de multa diária de R$ 500,00.

Juntou documentos de fls. 11/49, recolheu custas, e pleiteou pela procedência de seus pedidos.

Recebida a inicial (fls. 56), foi postergada a análise da tutela antecipada, designada audiência de conciliação, e determinada a citação da requerida para apresentar resposta e intimação das partes para comparecerem à audiência.

Aberta a audiência de conciliação (fls. 60), não houve acordo.

A requerida apresentou contestação (fls. 62/65), alegando que viveu em união estável com o requerente, que o presente imóvel está sendo discutido na ação de dissolução de união estável n. 005.09.051787-8, e no mais, lançou teses a comprovar a união estável do casal, o que não interessa a presente lide. Requereu a improcedência da ação e juntou documentos de fls. 66/113).

Réplica às fls. 136/141.

Aberta nova audiência conciliatória (fls. 144/145), restou inexitosa.

Sobreveio, então, decisão (fls. 166/168) em audiência, pela qual o douto sentenciante, com base na ação de reconhecimento de união estável, reconheceu a falta de interesse de agir do requerente e julgou extinto o feito. A sucumbência ficou a cargo do requerente.

Insatisfeito com a prestação jurisdicional entregue, o requerente interpôs recurso (fls. 176/179) alegando basicamente que trata-se de relação contratual entre as partes, nada tendo a ver com a ação que tramita na vara da família, razão pela qual pugna pela análise do mérito na vara cível. Preparo recolhido às fls. 215.

Contrarrazões às fls. 220/223.

Os autos ascenderam à esta Corte.

É o necessário relato.

VOTO

Conheço do recurso, porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade. Todavia, não conheço do agravo retido, já que ausente requerimento expresso para analisá-lo.

Inicialmente, cumpre salientar que houve a interposição de agravo retido na audiência de instrução e julgamento, conforme consta no termo acostado à fl. 166/168, no entanto, deixo de conhecê-lo pois inexiste pedido expresso de apreciação deste recurso, sendo este pedido requisito indispensável ao seu conhecimento por esta Instância, conforme determina o art. 523, § 1º, do Código de Processo Civil, o qual preconiza que “não se conhecerá do agravo se a parte não requerer expressamente, nas razões ou na resposta da apelação, sua apreciação pelo Tribunal”.

É da jurisprudência:

“AGRAVO RETIDO – AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO EXPRESSO, COMO PRELIMINAR DA APELAÇÃO, PARA QUE O TRIBUNAL DELE CONHEÇA – NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO (ART. 523, § 1º, DO CPC).

Nos termos do que dispõe o art. 523, § 1º, do CPC, sob pena de não conhecimento, a parte deve requerer expressamente, como preliminar do recurso de apelação, que o Tribunal conheça do agravo retido e julgue o mérito dele”. (Apelação Cível n. 2007.041273-2, Rel. Des. Jaime Ramos, j. 29-11-07).

Assim, em obediência aos termos da legislação processual vigente, diante da inexistência de pedido expresso para análise do agravo e da impossibilidade de analisá-lo de ofício, não conheço do agravo retido.

Insurge-se o apelante contra a extinção do processo por falta de interesse de agir, bem como a questão da cessão de direitos deve ser discutida na ação cominatória e não na dissolução de união estável pendente de julgamento na vara da família.

Melhor sorte, todavia, não lhe socorre.

O objeto da lide é o contrato particular de cessão de direitos sobre fração ideal de terreno e unidade autônoma acostado às fls. 17/20, pelo qual a apelada transfere 50% dos direitos do referido imóvel ao apelante, incluindo 50% da posse sobre o imóvel.

Alega o apelante que a apelada transferiu para si a totalidade do imóvel, desrespeitando o pacto firmado, razão pela qual requer o depósito de 50% do valor a que tem direito.

Todavia, ao compulsar a escritura pública de declaração lavrada por tabelião às fls. 69, verifico que este dá fé ao fato de que “autorizado pelo Sr. Edison a passar a totalidade dos imóveis para o nome da Sra. Leda, excluindo qualquer participação do Sr. Edison, outorgou a Escritura junto ao Tabelionato Waltrick, com registro no Livro 119-N fls. 072/3, em nome da mesma”.

Cediço é que o documento público goza de presunção juris tantum de veracidade, dispondo o art. 215 do CC que “a escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.”

A presunção de veracidade de um documento público subsiste até que seja elidida por prova em sentido contrário, o que não ocorreu no caso em apreço.

Sobre o tema assevera Sílvio de Salvo Venoza:

“Escritura pública, exigida pela lei para certos negócios, é ato em que as partes comparecem perante oficial público, na presença de testemunhas, para fazer declaração de vontade. Uma vez assinado o ato pelo oficial público, pela parte ou partes declarantes e pelas testemunhas, o oficial encerrará o instrumento, dando fé pública daquele ato ali ocorrido. Presume-se que o conteúdo desse ato seja verdadeiro, até prova em contrário.”(grifo meu). (Direito Civil, parte geral, 3ª edição, p. 546).

Ocorre que ao manifestar sobre a juntada de documentos pela apelada, o apelante, ao insurgir-se contra o documento de fls. 69, apenas discorreu que “aproveita para impugnar o documento de fl. 69 porque o mesmo não é um termo de doação e, o autor jamais cedeu sua participação no imóvel”, contudo não trouxe aos autos prova cabal a ilidir tal documento hígido por força de lei, haja vista que “incumbe ao autor o ônus da prova dos fatos constitutivos do seu direito que alega possuir e dos quais depende a existência do direito subjetivo que pretende resguardar por meio da tutela jurisdicional, conforme disposto no art. 333, inc. I, do Digesto Processual Civil. Não se desincumbindo do onus probandi, a improcedência do pedido é medida que se impõe”. (TJSC, Apelação Cível 2005.038099-6, de Palmitos, Relator: Des. Mazoni Ferreira, julgado em 28/08/09).

Nesse contexto, repriso que a certidão lavrada pelo Tabelião trata-se de documento público, que goza de presunção relativa de veracidade, somente sendo derruído por prova robusta em sentido contrário, a teor do que determina o art. 364 do CPC, se não vejamos:
“Art. 364. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram em sua presença”.

A respeito, Antonio Carlos de Araujo Cintra leciona:

“Como já se viu anteriormente, documento, no sentido genérico, é coisa representativa de um ato ou fato. E será público o documento escrito, elaborado por oficial público competente, segundo suas atribuições.

[…]
Assim, dizer que é vedado recusar fé aos documentos Públicos é o mesmo que dizer que aqueles documentos e a escritura pública estão cobertos por presunção de veracidade. Mas é preciso esclarecer que se trata de presunção simples ou relativa, tendo por objeto a efetiva realização do ato jurídico a que se refere, bem como as circunstâncias de sua realização, tais como declaradas pelo escrivão, tabelião ou funcionário que for o seu autor material.
Em outras palavras, entende-se é que, até prova em contrário, com o documento público se dá como comprovado que as partes nele referidas fizeram as declarações que por ele lhe são atribuídas, pela forma ali descrita”. (Comentários ao Código de Processo Civil: arts. 332 a 475. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 99 e 100. v. 4).

No mesmo sentido, é a jurisprudência:

“As certidões emitidas pelos serventuários da justiça gozam de fé pública (presunção juris tantum), cuja veracidade somente pode ser afastada com robusta prova em contrário, ônus do qual não se desincumbiu o impetrante”. (STJ, HC 114.836/BA, rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, j. em 18-3-2010, DJe 7-6-2010).

Infere-se, então, da conjuntura probatória colacionada nos autos que houve sim a rescisão do contrato particular de cessão de direitos sobre fração ideal de terreno e unidade autônoma pelo apelante, já que não produziu prova ao contrário para derruir a declaração do tabelião, permanecendo a sua defesa em meras alegações. Vale, dessarte, a máxima de que alegar sem provar é o mesmo que nada alegar.

Registre-se, a título de elucidação, que o direito escoado em desfavor do apelante é somente aquele inerente ao referido contrato de cessão de direitos, não carecendo a ele, todavia, o direito que tem, por força de lei, de pleitear a parte que lhe pertence, o que já está acontecendo na ação de dissolução de união estável n. 005.09.051787-8, que, conforme informações extraídas do SAJ, ainda está tramitando na vara da família da comarca de Balneário Camboriú.

Logo, não há como se dar guarida à pretensão do autor neste desiderato, uma vez quebrado, por vontade própria, o contrato de cessão de direitos já citado.

Mantenho, desta feita, a extinção do processo por falta de interesse de agir.

Por oportuno, menciono que o juiz não está obrigado a pronunciar-se sobre a integralidade do pedido deduzido na pretensão judicial quando, houver nos autos elementos suficientes à dicção do direito.

Neste sentido é a orientação da Jurisprudência:

“O Juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos”. (RJTJESP 115/207, apud Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. Theotonio Negrão, 33ª ed., Saraiva, comentários ao art. 535, verbete 117).

Diante da fundamentação acima exarada, voto no sentido de não se conhecer agravo retido e conhecer do recurso de apelação para negar-lhe provimento.

DECISÃO

Ante o exposto, a Terceira Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, não conhecer do agravo retido e conhecer do recurso de apelação e negar-lhe provimento.

O julgamento, realizado no dia 12 de abril de 2011, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Fernando Carioni, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Marcus Tulio Sartorato.

Florianópolis, 12 de abril de 2011.

Saul Steil

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