TJ|SP: Ementa – Apelação – Alvará – Indeferimento da petição inicial – Pretensão exclusiva da curadora obter autorização judicial à aceitação de doação de parte ideal de bem imóvel em comunhão com seu marido a um de seus filhos absolutamente incapaz – Jurisdição voluntária plenamente cabível – Impertinência à participação paterna como litisconsórcio necessário – Favorecimento ao donatário e inexistência de prejuízo a terceiro – Afastamento da extinção, sem análise de mérito – Julgamento de procedência do pedido – Sentença reformada – Recurso provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0002407-27.2010.8.26.0196, da Comarca de Franca, em que é apelante APARECIDA GOMES VIDAL (ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA) sendo apelado JUÍZO DA COMARCA.

ACORDAM, em 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores CAETANO LAGRASTA (Presidente) e RIBEIRO SILVA.

São Paulo, 23 de maço de 2011

SALLES ROSSI

RELATOR

Voto n° 14.616

Apelação Cível com Revisão n° 0002407.27.2010.8.26.0196

Comarca: Franca – 03ª Vara Cível

1ª Instância: Autos n° 196.01.2010.002407-4/000000-000

(n° de ordem: 01.03.2010/00215)

Apelante: Aparecida Gomes Vidal

Apelado: Juízo da Comarca

VOTO DO RELATOR

EMENTA – APELAÇÃO – ALVARÁ – Indeferimento da petição inicial – Pretensão exclusiva da curadora obter autorização judicial à aceitação de doação de parte ideal de bem imóvel em comunhão com seu marido a um de seus filhos absolutamente incapaz – Jurisdição voluntária plenamente cabível – Impertinência à participação paterna como litisconsórcio necessário – Favorecimento ao donatário e inexistência de prejuízo a terceiro – Afastamento da extinção, sem análise de mérito – Julgamento de procedência do pedido – Sentença reformada – Recurso provido.

Cuida-se de Apelação interposta contra a respeitável sentença (fls. 32/33) proferida nos autos da Ação de Alvará que indeferiu a petição inicial, com espeque no artigo 295, inciso I do Código de Processo Civil, julgando extinção a ação, sem resolução de mérito, com fundamento no artigo 267, inciso I do mesmo diploma legal, suportando a autora as custas, sem fixação de honorários, eis que o contraditório não houve, pois ausente citação.

Inconformada, recorreu a autora (fls. 35/38), sustentando a necessidade de sua reforma, sob a razão de que o casal possui um imóvel, desejando doá-lo a seus três filhos, sendo que um deles, Édson Gomes dos Reis, é interditado e a sua curadora é a sua genitora, ficando impedida de celebrar o negócio jurídico junto ao Cartório de Registro de Imóveis dessa parte ideal de 1/3.

Por conta desses argumentos, requereu o provimento recursal.

O recurso foi recebido pelo r. despacho de fl. 39, em seu efeito devolutivo e suspensivo.

Sem resposta do réu, ante a ausência de jurisdição contenciosa e de participação de outra pessoa, no polo passivo da ação.

O parecer do representante do Ministério Público (fl.44) expressou opinião pelo desprovimento do recurso.

É a essência do relatório.

O recurso comporta provimento.

A pretensão retratada na petição inicial tem por objeto a autorização judicial à curadora do interditado (fl. 16), para aceitar a doação simples da parte ideal de 1/3 de bem imóvel.

De tal sorte, não se mostrou acertada a exigência (fl.29) de aditamento ao pedido, com a participação paterna como litisconsórcio necessário, visto que despicienda a sua intervenção, mesmo que tenha sido um dos doadores de bem em condomínio com sua esposa, segundo claro entendimento das hipóteses de fato e direito expostas no artigo 70 do Código de Processo Civil.

O pleito concerne exclusivamente a direito próprio da curadora, como representante legal de seu filho absolutamente incapaz, conforme situação exigida no artigo 1.748 do Código Civil, a saber:

“… Art. 1.748. Compete também ao tutor, com autorização do juiz:

I – pagar as dívidas do menor;

II – aceitar por ele heranças, legados ou doações, ainda que com encargos…”

“… Art. 1.774. Aplicam-se à curatela as disposições concernentes à tutela, com as modificações dos artigos seguintes…” (original não grifado)

Idêntica resistência à celebração da doação de bem dos pais aos seus filhos, conquanto um dos donatários seja pessoa absolutamente incapaz, também, não revela condição jurídica plausível perpetrada pelo Oficial de Registro de Imóveis, por força do artigo 543 do mesmo diploma legal, isto é:

“…Art. 543. Se o donatário for absolutamente incapaz, dispensa-se a aceitação, desde que se trate de doação pura…” (realce inédito)

O negócio jurídico só busca beneficiar os interesses do donatário, sem violar o direito de quem quer que seja, inclusive a legítima de seus outros irmãos, posto que cada um receberá graciosamente, também, o mesmo quinhão do referido bem imóvel.

Não é outra a lição ministrada, com excelência, em comento à disposição dessa regra, pelos notáveis doutrinadores, sob a coordenadoria de Regina Beatriz Tavares da Silva, na obra denominada “CÓDIGO CIVIL COMENTADO”, Editora Saraiva, 6ª edição – 2.008, à página 494, que diz:

“… A doação pura, desprovida de encargos, vem em benefício e interesse do absolutamente incapaz, desobrigando, por tais razões, a aceitação. A dispensa, em verdade, arrima-se em lógica jurídica, posto que a norma tem finalidade protetiva, dando ensejo de ele poder receber doações. A aceitação, no caso, não é mais ficta ou presumida. Deixa de ser exigida, como elemento integrativo à formação do contrato…”

Por via de consequência, passar-se-á à apreciação e julgamento do mérito da causa, mediante o uso da faculdade recursal adotada pela nova sistemática legal aduzida pelo artigo 515, parágrafo 3° do Código de Processo Civil, a saber:

“…Art. 515.  A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.

§ 1o  Serão, porém, objeto de apreciação e julgamento pelo tribunal todas as questões suscitadas e discutidas no processo, ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro.

§ 2o  Quando o pedido ou a defesa tiver mais de um fundamento e o juiz acolher apenas um deles, a apelação devolverá ao tribunal o conhecimento dos demais.

§ 3o Nos casos de extinção do processo sem julgamento do mérito (art. 267), o tribunal pode julgar desde logo a lide, se a causa versar questão exclusivamente de direito e estiver em condições de imediato julgamento. (Incluído pela Lei nº 10.352, de 2001)…” (destacamos)

Enfim, a solução empregada merece ser retificada, afastando o indeferimento da petição inicial e a extinção do processo, sem resolução de mérito e, assim, julgo procedente o pedido, para deferir autorização à curadora, como representante legal do interditado, para que exerça em seu nome o direito de aceitar a cota de 1/3 do bem imóvel doado por seus pais, com supedâneo no artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil.

“..Art. 269. Haverá resolução de mérito: (Redação dada pela Lei nº 11.232, de 2005)

I – quando o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1973)…” (dísticos próprios)

À vista de tudo o quanto fora exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso.

SALLES ROSSI

RELATOR