CSM|SP: Registro de Imóveis – Arrematação – Modo originário de aquisição da propriedade – Princípios da continuidade, disponibilidade e especialidade subjetiva – Aplicação descartada – Carta de arrematação – Título hábil a ingressar no fólio real – Desqualificação afastada – Dúvida improcedente – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0034323-42.2011.8.26.0100, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante ARI CANDIDO FERNANDES e apelado 10º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento à apelação para, julgando improcedente a dúvida, determinar o registro da carta de arrematação, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 12 de setembro de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Arrematação – Modo originário de aquisição da propriedade – Princípios da continuidade, disponibilidade e especialidade subjetiva – Aplicação descartada – Carta de arrematação – Título hábil a ingressar no fólio real – Desqualificação afastada – Dúvida improcedente – Recurso provido.

O interessado, ora apelante, inconformado com a desqualificação da carta de arrematação, requereu a suscitação de dúvida, promovida pelo Registrador, que, ao instrui-la com documentos (fls. 04/26), defendeu a recusa de acesso do título judicial ao álbum imobiliário, fundado nos princípios da continuidade, da disponibilidade e da especialidade, porque não consta o estado civil atual dos proprietários/executados nem a profissão (artigo 176, § único, III, n.º 2, letra ‘a’, da Lei n.º 6.015/1973), informações necessárias à luz do tempo decorrido entre a aquisição do bem imóvel e a instauração do processo onde ocorreu a alienação judicial (fls. 02/03).

Notificado (fls. 04), o interessado, ponderando não constar dos autos informações sobre o estado civil atual e a profissão dos proprietários, requereu o registro da carta de arrematação (fls. 28/29). Após, a manifestação da representante do Ministério Público (fls. 31/32), a dúvida foi julgada procedente (fls. 34/36), enquanto os embargos de declaração opostos foram rejeitados (fls. 40/42 e 43).

Com a interposição do recurso de apelação – então fincado no princípio da segurança jurídica e na natureza jurídica da aquisição realizada por meio de arrematação (fls. 46/56) -, recebido em seus regulares efeitos (fls. 57), o Ministério Público voltou a manifestar-se (fls. 59/60), os autos foram remetidos a este Conselho Superior da Magistratura (fls. 62) e a Procuradoria Geral de Justiça propôs o desprovimento do recurso (fls. 65/66).

É o relatório.

O bem imóvel objeto da matrícula n.º 75.700 do 10.º Registro de Imóveis desta Capital está em nome de Eduardo Henrique

Pacheco de Souza e Taciana Pereira de Souza, que o adquiriram em razão do falecimento de Orlando Pacheco de Souza: o formal de partilha, expedido em 18 de novembro de 1991, foi registrado em 10 de novembro de 1992, quando aquele tinha 24 e esta 16 anos de idade (r. 1 – fls. 05).

Tal bem imóvel, penhorado nos autos do processo de cobrança de contribuição condominial (r. 2 – fls. 05), foi arrematado (fls. 18), o arrematante imitido na posse da coisa (fls. 22/23), mas o acesso da carta de arrematação ao fólio real (fls. 11/21), recusado pelo Oficial de Registro, mesmo após os aditamentos providenciados, restou condicionado à prestação de informações a respeito do estado civil atual dos proprietários e da profissão de ambos (fls. 26).

Embora a origem judicial dos títulos não dispense a qualificação, o exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral, a desqualificação da carta de arrematação, fincada nos princípios da continuidade, da disponibilidade e da especialidade subjetiva, comporta reforma, pois este Conselho Superior da Magistratura, ao julgar a Apelação Cível n.º 0007969-54.2010.8.26.0604, da qual fui relator, reviu a sua posição sobre a natureza jurídica da aquisição de bem imóvel mediante arrematação.

Ao destacar a inexistência de relação jurídica entre o adquirente e o precedente titular do direito real, a ausência de nexo causal entre o passado e a situação jurídica atual, a inocorrência de uma transmissão voluntária do direito de propriedade, passou a reconhecer que a arrematação é modo originário de aquisição do direito real de propriedade, de sorte a alinhar-se com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e a prestigiar o princípio da segurança jurídica.

Dentro desse contexto, a observação dos princípios da continuidade, da disponibilidade e da especialidade subjetiva é, no caso, prescindível, porque a propriedade adquirida, com a arrematação, causa autônoma suficiente, liberta-se de seus vínculos anteriores, desatrela-se dos títulos dominiais pretéritos, dos quais não deriva e com os quais não mantém ligação, embora sujeita, por expressa disposição legal, aos riscos da evicção, à luz da norma extraída do artigo 447 do CC.

Pelo exposto, afastada a pertinência das exigências formuladas, dou provimento à apelação para, julgando improcedente a dúvida, determinar o registro da carta de arrematação.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 10.01.2013 – SP)