CSM|SP: Registro de Imóveis – Alienação fiduciária e emissão de cédula de crédito imobiliário – Inexistência e nulidade declaradas judicialmente mediante decisões interlocutórias – Cancelamentos indevidos – Escritura de venda e compra – Registro recusado – Princípio da continuidade e princípio da disponibilidade – Ofensa – Desqualificação registraria dos títulos confirmada – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0041649-53.2011.8.26.0100, da Comarca da CAPITAL, em que são apelantes FABIANA DE ALMEIDA JABUR e OUTRAS e apelado 18º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento à apelação, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, WALTER DE ALMEIDA GUILHERME, decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 12 de setembro de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Alienação fiduciária e emissão de cédula de crédito imobiliário – Inexistência e nulidade declaradas judicialmente mediante decisões interlocutórias – Cancelamentos indevidos – Escritura de venda e compra – Registro recusado – Princípio da continuidade e princípio da disponibilidade – Ofensa – Desqualificação registraria dos títulos confirmada – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

A interessada, ora apelante, adquirente de parte ideal do imóvel objeto da matrícula n.º 141.814 do 18.º Oficial de Registro de Imóveis desta Capital, escorada, primeiro, nas decisões interlocutórias que declararam a inexistência da alienação fiduciária em garantia e a nulidade da cédula de crédito imobiliário e, depois, fundada na escritura pública de venda e compra, persegue os cancelamentos do registro n.º 4 e da averbação n.º 5, então lançados na matrícula acima referida, e o registro da escritura pública.

O 18º Oficial de Registro de Imóveis desta Capital, provocado pela interessada, suscitou dúvida, aparelhada com documentos (fs. 05/38), e, ao justificar a desqualificação dos títulos, ponderou: as decisões judiciais não determinaram os cancelamentos pleiteados, não há comprovação do trânsito em julgado e, antes dos cancelamentos, o registro da escritura pública de venda e compra é inviável, à luz do princípio da continuidade (fls. 02/04).

Notificada, a interessada apresentou impugnação, com documentos (fls. 46/53), e argumentou: as decisões que declararam a inexistência da alienação fiduciária em garantia e a nulidade da cédula de crédito imobiliário, tendo natureza interlocutória, não foram questionadas mediante recurso de agravo; as decisões devem ser cumpridas pelo Oficial de Registro; é inadequado cogitar de trânsito em julgado; a falta do cancelamento pode aumentar os seus prejuízos; revela-se desnecessária uma ordem judicial expressa determinando os cancelamentos; promovidos os cancelamentos, não haverá óbice ao registro da escritura de venda e compra, consoante reconheceu o Registrador, revendo seu posicionamento anterior; enfim, a dúvida suscitada é improcedente (fls. 40/45).

Após o parecer do Ministério Público (fls. 55/56), o MM Juiz Corregedor Permanente julgou procedente a dúvida (fls. 58/60), o interessado interpôs apelação, reiterando as suas ponderações pretéritas (fls. 63/71), o recurso foi recebido nos seus regulares efeitos (fls. 72) e, depois da manifestação do Ministério Público (fls. 74), os autos foram remetidos ao Conselho Superior da Magistratura (fls. 76), abrindo-se vista, em seguida, à Procuradoria Geral de Justiça, que se pronunciou pelo desprovimento do recurso (fls. 79/81).

É o relatório.

O Registrador, pelas razões abaixo aduzidas, agiu corretamente, ao recusar o acesso dos títulos ao fólio real: a propósito, a origem judicial dos títulos não dispensa a qualificação, a conferência destinada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato registral.

Claudia Giordano Filardi adquiriu, por meio de contrato de compra e venda, documentado em escritura pública lavrada no dia 03 de abril de 2007 e registrada no dia 29 de outubro de 2009, o bem imóvel descrito na matrícula n.º 141.814 do 18.º Oficial de Registro de Imóveis desta Capital (fls. 16 verso).

A adquirente, em 29 de setembro de 2009, alienou fiduciariamente tal imóvel à Brazilian Mortgages Companhia Hipotecária, de acordo com o instrumento particular registrado no dia 03 de novembro de 2009 (fls. 17): ato contínuo, a credora-fiduciária promoveu a averbação da emissão da cédula de crédito imobiliário (fls. 17 verso).

Por sua vez, a interessada, ora apelante, adquiriu – conjuntamente com Viviane de Almeida Jabur e Luciane de Almeida Jabur -, o bem imóvel acima aludido, por meio de compromisso de venda e compra avençado com Claudia Giordano Filardi, e, posteriormente, quitado o preço e diante da resistência oposta pela alienante, ajuizou ação de obrigação de fazer visando à outorga da escritura definitiva de venda e compra.

À luz dos documentos apresentados, a escritura pública de venda e compra, lavrada em 26 de novembro de 2010 (fls. 30/31), foi obtida após a concessão da tutela antecipada: de mais a mais, em primeira instância, o pedido da interessada e das outras promitentes compradoras foi julgado procedente, exclusivamente para condenar Claudia Giordano Filardi a outorgar a escritura definitiva de venda e compra (fls. 52/53).

No caso, o direito à adjudicação compulsória do imóvel decorreu da quitação do preço e da impossibilidade de arrependimento, como é curial, e não do registro do instrumento contratual, inexistente. No entanto, é o registro que protege os promitentes compradores contra as futuras alienações. É, com efeito, condição para a constituição do direito real, com o atributo da seqüela (artigos 1.417 e 1.418 do CC/2002).

Destarte, inocorrente o registro do compromisso de venda e compra, não há, mormente na esfera administrativa, como atribuir-lhe eficácia em relação à credora fiduciária: porque não constituído o direito real, os efeitos dos novos atos de disposição e oneração realizados pela promitente vendedora (devedora fiduciante), favorecendo terceira de boa-fé, a proprietária fiduciária, não restaram limitados.

Na realidade, a outorga da escritura pública de venda e compra, centrada, repita-se, na quitação do preço e na irretratabilidade do compromisso de venda e compra, não repercute na existência, na validade nem na eficácia da alienação fiduciária e da cédula de crédito imobiliário.

Neste momento, na seara administrativa, é possível cogitar apenas da ineficácia da venda e compra perante a credora fiduciária, emitente da cédula de crédito imobiliário, especialmente à vista dos parcos documentos apresentados: ora, quando lavrada, a alienante, Claudia Giordano Filardi, estava privada de legitimidade, do poder de disposição da coisa.

Além disso, os cancelamentos, quando fincados, tal como na hipótese vertente, em decisões judiciais, pressupõem sentenças ou acórdãos – apenas aqueles que extinguem o processo, desprovidos, assim, de natureza interlocutória -, transitados em julgado: de fato, a regra do inciso I do artigo 250 da Lei n.º 6.015/1973, ao referir-se expressamente ao trânsito em julgado, não contemplou, é lógico, as decisões interlocutórias.

Tais provimentos jurisdicionais não geram coisa julgada. Particularmente, as antecipações de tutela jurisdicional, medidas de urgência expressas em decisões interlocutórias, não a desencadeiam. Aliás, conforme o § 4.º do artigo 273 do CPC, podem ser revogadas ou modificadas a qualquer tempo. Portanto, estão despidas de potência para, nos termos do artigo 250, I, provocar os cancelamentos pretendidos.

Ocorre que as declarações de inexistência e de nulidade da alienação fiduciária e da cédula de crédito imobiliário, que sequer integraram o pedido formulado pela interessada no processo contencioso, não foram pronunciadas por meio da sentença proferida em primeiro grau de jurisdição (fls. 52/53). Constam somente de decisões interlocutórias (fls. 46 e 47), exaradas em processo no qual a proprietária fiduciária não participou. Ou seja, não estão sujeitas à coisa julgada, cuja consumação, de resto, tampouco foi provada, nem repercutem sobre a situação jurídica da credora fiduciária.

Portanto, a desqualificação dos títulos judiciais se mostrou pertinente: os cancelamentos visados, desacompanhados do termo de quitação fornecido pelo credor fiduciário e da declaração de quitação emitida pelo credor da cédula de crédito imobiliário, são inadmissíveis.

Por fim, antes deles, já desautorizados, descabe, no mais, garantir o registro da escritura pública de venda e compra: ora, ofenderia o princípio da continuidade, comprometendo o exato encadeamento subjetivo das transmissões e aquisições de direitos reais imobiliários, e o princípio da disponibilidade, pois a ninguém é dado transmitir mais direitos do que tem.

Pelo todo exposto, nego provimento à apelação.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 10.01.2013 – SP)