CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura pública com descrição idêntica à contida na matrícula – Necessidade de aperfeiçoamento da descrição que não impede sua individualização – Princípio da Especialidade Objetiva atendido – Existência de registros anteriores baseados na mesma descrição – Ausência de prejuízo a terceiros – Princípio da Fé Pública – Dispensa de apresentação das CNDs do INSS e conjunta relativa aos tributos federais e à dívida ativa da União por representar sanção política – Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do TJSP – Modificação do entendimento do Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0003435-42.2011.8.26.0116, da Comarca de CAMPOS DO JORDÃO, em que é apelante INÁCIO PEDRO ABDULKADER FILHO e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, para o fim de julgar improcedente a dúvida, bem como determinar o registro, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, CARLOS AUGUSTO DE SANTI RIBEIRO, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 13 de dezembro de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura pública com descrição idêntica à contida na matrícula – Necessidade de aperfeiçoamento da descrição que não impede sua individualização – Princípio da Especialidade Objetiva atendido – Existência de registros anteriores baseados na mesma descrição – Ausência de prejuízo a terceiros – Princípio da Fé Pública – Dispensa de apresentação das CNDs do INSS e conjunta relativa aos tributos federais e à dívida ativa da União por representar sanção política – Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial do TJSP – Modificação do entendimento do Conselho Superior da Magistratura – Recurso provido.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que reconheceu impossibilidade do registro de Escritura Pública lavrada pelo 24º Tabelião de Notas da Capital referente ao imóvel constante da matrícula n. 13.492 em razão da precariedade da descrição contida na matrícula e repetida naquela, e inexistência de comprovação por certidão da negativa de débitos previdenciários.

Sustenta o apelante a possibilidade do registro ante a presença dos requisitos legais incidentes na hipótese.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

A descrição do imóvel contida na matrícula de fls. 10 e repetida na Escritura Pública de inventário e adjudicação de bens de fls. 15/18 é a seguinte:

“Um terreno situado na Fazenda Lageado, no bairro do mesmo nome, com a área total de três alqueires paulistas, ou sejam, 72.600,00m², na Cidade e Comarca de Campos do Jordão, neste Estado, que na sua integridade tem as seguintes divisas e confrontações: começa num ponto situado à margem esquerda de um pequeno córrego confluente do Ribeirão Legeado, nas divisas com terras pertences a Santo Scofano; daí segue o rumo 14º 00’ SE (sudoeste) e distância de 286,40m até atingir a margem direita da estrada de rodagem que de Campos do Jordão vai à Eugênio Lefreve, confrontando com terras de Santo Scofano; daí acompanhando a referida margem da estrada no sentido de Eugênio Lefreve na distância de 25,00 m; daí defletindo à direita seguem rumo de 62º 30’ W (sudoeste) e distância de 217,30m confrontando com terras de Emidio da Costa Manso; daí defletindo a direita segue rumo de 21º 00’ NW (noroeste) e distancia de 297,75m até atingir novamente a margem esquerda do pequeno córrego acima referido, confrontando ainda com Emidio da Costa Manso;daí defletindo à direita, acompanha, subindo a referida margem do córrego numa distância aproximada de 257,00 m até o ponto inicial confrontando pela outra margem com Sueyoshi Tagawa”

Essa descrição, não obstante a necessidade de aperfeiçoamento a ser realizado por meio de retificação do registro imobiliário, não é absolutamente vaga, permitindo compreensão acerca da localização do bem e sua individualização perante outros.

Nessa ordem de ideias, há atendimento do Princípio da Especialidade Objetiva, contido no art. 176 da lei n. 6.015/73, porquanto possível compreensão da localização do imóvel com suas características fundamentais.

Além disso, o imóvel foi alienado como um todo, bem como já foram registradas outras transferências imobiliárias, com a última14 de janeiro de 2003 (fls. 11v).

Noutra quadra, o Princípio da Fé Pública estabelece presunção (relativa) de veracidade da matrícula e, por conseguinte, da validade da descrição nela contida.

Igualmente, não se cogita de prejuízos a terceiros, competindo transmissão da propriedade em conformidade ao negócio jurídico celebrado, inclusive como elemento de segurança jurídica.

Por fim, há precedente administrativo a respeito, como se observa do trecho do voto do Des. Ruy Camilo, na Ap. Civ. n. 909- 6/0, j. 21/10/2008, como segue:

Embora, efetivamente, a descrição do imóvel em questão necessite de aperfeiçoamento, no tocante à individuação do bem, à luz do disposto no art. 176, § 1º, inciso II, n. 3, letra a, da Lei n. 6.015/1973, não se pode deixar de considerar que não se está, no caso, diante de hipótese de descrição tabular absolutamente vaga, sem definição satisfatória no tocante às características do bem, capaz de impedir a correta identificação e localização deste, com possibilidade de prejuízo a terceiros.

Conforme consta da matrícula em discussão, trata-se de Um imóvel rural, denominado Barranco Vermelho, situado no município de Barrinha, desta comarca de Sertãozinho, com área de 48,40 ha. (quarenta e oito hectares e quarenta ares), com as seguintes divisas e confrontações: começa na parte mais estreita entre o Rio Mogi Guaçú e a Estrada de Ferro Paulista a uma medida de mais ou menos 6 quilômetros da estação férrea da Barrinha, caminhando-se para a estação de Martinho Prado, junto às terras de Florência Franco Barbosa, seguindo-se daí em direção à estação de Barrinha, fixando-se a divisa em linha reta entre a estrada de ferro e o rio Mogi Guaçú; contendo as seguintes benfeitorias duas casas de colonos, dois depósitos e um galpão e cinco mil metros de cercas; dito imóvel acha-se cadastrado no INCRA sob nº 4 118 0020 1015 (fls. 07).

À evidência, apesar de carecer de aperfeiçoamento, não há como não reconhecer que a descrição do imóvel contém a denominação do imóvel rural, a área e todas as confrontações deste, com pontos bem definidos e conhecidos que não deixam de configurar referência de amarração, valendo consignar que a adequação descritiva que se faz necessária já está em andamento com a promoção da retificação do registro imobiliário pelos Apelantes, noticiada nos autos.

Ademais, como ressaltado pelos Apelantes, desde a abertura da matrícula com essa mesma descrição, inúmeros atos de transmissão e oneração da propriedade tiveram ingresso no fólio real e, em especial, no ano de 2005, compromisso particular de venda e compra do bem, ao qual pretendem dar cumprimento com o registro da escritura ora apresentada, não havendo razão, agora, para que se obste este último ato. Por fim, cumpre anotar que, por intermédio do título levado a registro, haverá a transmissão da totalidade do imóvel, sem desmembramento ou modificação, situação que autoriza igualmente o acesso à tabua registral, considerando as já aludidas peculiaridades da descrição do bem constante da matrícula, como visto não totalmente precária.

A segunda exigência mantida pela r. sentença diz que, para o registro pretendido, é necessário apresentar a CND do INSSe a CND conjunta relativa aos tributos federais e à dívida ativa da União, conforme o regramento do art. 47, I, “b”, da Lei nº 8.212/91, e da instrução normativa nº 93/2001, da Receita Federal.

O E. Supremo Tribunal Federal tem reiterada e sistematicamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis e atos normativos do Poder Público que tragam em si sanções políticas, isto é, normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário.

Nos autos das ADIs nºs 173-6 e 394-1, reconheceu a Suprema Corte, por unanimidade, a inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e VI, e § § 1º a 3º, da Lei nº 7.711/88:

Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:

I – transferência de domicílio para o exterior;

(…)

III – registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme definida na legislação de regência;

IV – quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional – OTNs:

a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;

b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;

c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.

§ 1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes.

§ 2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida.

§ 3º A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.

Interessa, para o caso em exame, o inciso IV, alínea “b”, que cuida da necessidade de comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias quando do registro na serventia de imóveis dos negócios jurídicos realizados.

O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a inconstitucionalidade de referido inciso, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente.

Assim, não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, de contribuições federais e de outras imposições pecuniárias compulsórias para o ingresso de qualquer operação financeira no registro de imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado.

No caso posto, para o registro da escritura pública de partilha e adjudicação, está-se exigindo que o apelante apresente as CNDs do INSS e dos tributos federais em nome da autora da herança.

Trata-se de exigência que nenhuma relação guarda com o ato registral perseguido, revelando-se verdadeira cobrança do Estado por via oblíqua (sanção política) que, como visto, é reputada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

À vista de tais considerações é que a exigência de se apresentar as CNDs deve ser afastada também.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso, para o fim de julgar improcedente a dúvida, bem como determinar o registro.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 30.01.2013 – SP)