TJ|SP: Apelação cível – Responsabilidade Civil – Indenização por danos morais – Reconhecimento de firma falsa – Ação julgada improcedente – Preliminar, em contrarrazões, onde a Fazenda do Estado argüiu sua ilegitimidade passiva – Inadmissibilidade – Serviço delegado que não exclui a responsabilidade do Estado – Inteligência do art. 37, § 6º, da CF/88 – Recurso voluntário dos autores que buscam o reconhecimento da legitimidade passiva do Tabelião e a procedência da ação – De rigor o provimento parcial do recurso.

EMENTA

Apelação cível – Responsabilidade Civil – Indenização por danos morais – Reconhecimento de firma falsa – Ação julgada improcedente. Preliminar, em contrarrazões, onde a Fazenda do Estado argüiu sua ilegitimidade passiva – Inadmissibilidade – Serviço delegado que não exclui a responsabilidade do Estado – Inteligência do art. 37, § 6º, da CF/88. Recurso voluntário dos autores que buscam o reconhecimento da legitimidade passiva do tabelião e a procedência da ação – De rigor o provimento parcial do recurso – Correto o polo passivo da ação, posto que a ação foi intentada contra o “1º TABELIÃO DE NOTAS – VALDIR JOSÉ INFORNAZATO”, respondendo este pessoalmente por eventuais danos causados, verificando-se sua legitimidade para compor o polo passivo da demanda – Ausência de ilicitude ou negligência na conduta do servidor – Firma reconhecida por semelhança – Impossibilidade de se verificar a falsidade sem a devida perícia técnica – Inexistência de nexo causal – Indenização indevida. R. Sentença parcialmente reformada – Extinção sem julgamento do mérito afastada – Ação julgada improcedente – Preliminar rejeitada – Recurso parcialmente provido. (TJSP – Apelação Cível nº 0253364-88.2009.8.26.0000 – Rio Claro – 6ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Sidney Romano dos Reis – DJ 18.12.2012)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0253364-88.2009.8.26.0000, da Comarca de Rio Claro, em que são apelantes JOSE CARLOS DE GASPERI e ROSELI FARIA DE GASPERI, são apelados 1. TABELIAO DE NOTAS e FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Rejeitaram preliminar e deram provimento em parte ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmo. Desembargadores LEME DE CAMPOS (Presidente sem voto), REINALDO MILUZZI E MARIA OLÍVIA ALVES.

São Paulo, 3 de dezembro de 2012.

SIDNEY ROMANO DOS REIS Relator.

RELATÓRIO

1. Trata-se de recurso interposto contra a r. sentença de fls. 188/190, cujo relatório se adota, proferida nos autos da a ação ordinária de indenização promovida por José Carlos de Gasperi e Roseli Faria de Gasperi contra a Fazenda do Estado de São Paulo e 1º Tabelião de Notas Valdir José Inforzato, que julgou extinta a demanda, sem apreciação do mérito, em relação ao corréu 1º Tabelião, nos termos d art. 267, VI, do CPC e improcedente a pretensão incial contra a Fazenda, nos termos do art. 269 I, do CPC. Inconformados, apelam os autores (fls. 201/208), alegando, em síntese, a legitimidade passiva do tabelião, sustentando ainda, a devida comprovação do nexo causal entre o ato praticado e o dano sofrido e a necessidade da condenação dos réus na indenização pleiteada. Requer a reforma da r. sentença e a total procedência da ação.

Contrarrazões pelo tabelião às fls. 210/216 e pela Fazenda do Estado às fls. 217/227, onde arguiu preliminar de sua ilegitimidade passiva.

É o relatório.

VOTO

2. A preliminar arguida não merece prosperar.

Ora, mesmo em se tratando de serviço delegado responde também o Estado por eventual reparação civil de dano provado pelo agente.

O C. STF vem considerando, para efeito de configuração da responsabilidade civil, que notários e registradores são agentes públicos e, por isso, nos termos do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, o Estado responde direta e objetivamente pelos danos causados a terceiros por tais agentes, cabendo ação de regresso por parte do Estado, no caso de comprovada a culpa, ou o dolo, dos titulares de serviços notariais e de registro (ou de seus prepostos).

Confira-se, por oportuno:

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Fazenda responde, em tese, por danos causados a terceiros por ato de Tabelião – Extinção do processo por falta de legitimidade passiva afastada – Recurso provido. (TJSP, Apelação Cível n. 379.295-5/3 – Presidente Venceslau – 6ª Câmara de Direito Público – Relator: Evaristo dos Santos – 04.04.05 – V.U.).

ILEGITIMIDADE “AD CAUSAM” Legitimidade passiva Ajuizamento de ação contra a Fazenda Pública Admissibilidade Dano resultante de atividade notorial Ações da TELEBRÁS transferidas a terceiros indevidamente Reconhecimento de firma ideologicamente falso Atividade pública delegada Responsabilidade objetiva do Poder Público Demonstração do dano e do nexo causal Suficiência Direito de regresso ressalvado Preliminar rejeitada. (TJSP, Apelação Cível n. 235.235-5/5-00 São Paulo 10ª Câmara de Direito Público Relator: Reinaldo Miluzzi 17.3.2006 V.U. Voto n. 1.341).

ILEGITIMIDADE “Ad Causam” Legitimidade passiva Serviço notarial e registral Delegação pelo Estado Responsabilidade objetiva do Estado e de natureza subjetiva do delegado de serviço Circunstância, todavia, limitada no tempo, isto é, que se dá em relação ao delegado, a contar da nomeação e início do exercício da atividade Ausência de sucessão Responsabilidade, portanto, restrita, ao longo do tempo não prescrita, ao Estado, e, de mesma forma, em relação ao delegado em exercício na data dos fatos que deram causa ao prejuízo, ainda que cessada a delegação Ilegitimidade passiva, portanto, presente em relação ao delegado de exercício em tempo diverso Sentença mantida Recurso não provido (TJSP, Apelação Cível n. 454.040-4/3-00 – Guarujá – 7ª Câmara de Direito Privado – Relator: Elcio Trujillo 13.09.06 – V.U. – Voto n.3.372).

INDENIZAÇÃO – Fazenda Pública – Responsabilidade civil – Perdas e danos resultantes de ato notarial ideologicamente falso – Atividade pública delegada – Responsabilidade objetiva do Poder Público – Possibilidade do ajuizamento da ação diretamente contra o Estado, ressalvado o direito de regresso – Legitimidade de parte passiva – Caracterização – Ação procedente – Recurso não provido. JTJ – 294/172.

Desse modo, nada obsta que, em tese, responda a Fazenda do Estado por suposto erro na prestação de serviços, razão pela qual, afasta-se desde já a aventada preliminar de ilegitimidade de parte passiva da Fazenda do Estado.

3. O recurso dos autores comporta acolhimento parcial.

Cuida-se de ação indenizatória, em que se objetiva a reparação de danos morais sofridos em razão de reconhecimento, pelo Tabelião de Notas, de firma falsa.

A ação foi proposta em face da Fazenda do Estado de são Paulo e do 1º Tabelião e Notas Valdir José Inforzato, tendo o MM. Juiz sentenciante julgado a ação extinta, sem apreciação do mérito, em relação ao corréu tabelião, em razão de ilegitimidade passiva.

Neste particular, entende assistir razão aos apelantes, quanto à legitimidade passiva do corréu Tabelião.

Pelo regime decorrente do § 1º, do art. 236, da Constituição Federal, regulado pelo art. 22, da Lei n. 8.935/94, os notários e registradores têm responsabilidade objetiva como pessoa física prestadora de serviço.

Daí ponderar o Professor Hércules Alexandre da Costa Benício que: “Com efeito, são numerosos os precedentes jurisprudenciais, no sentido de que os notários e registradores respondem por culpa, sem afastar a responsabilidade objetiva do Estado. De qualquer forma, até onde nos é dado saber, nossa Suprema Corte ainda não enfrentou, com a devida profundidade, o tema relativo à responsabilidade de tabeliães e oficiais de registro, a partir de uma análise sistemática dos dispositivos contidos no § 6º do art. 37 e no § 1º do art. 236, ambos da CF, bem como a regra estabelecida no art. 22 da Lei n. 8.935, publicada em 18 de novembro de 1994” (“Responsabilidade Civil do Estado Decorrente de Atos Notariais e de Registro”, ed. RT, 2005, pág. 234).

Então, a responsabilidade da Fazenda seria subsidiária, podendo integrar o polo passivo da demanda juntamente com o Tabelião, verificando-se, portanto, a legitimidade passiva do corréu Tabelião, devendo ser afastada a extinção da ação em relação a ele.

Quanto a questão de fundo, a pretensão dos autores não merece prosperar pelas razões a seguir elencadas.

Conforme se depreende dos autos, não restou demonstrado o nexo causal entre o ato praticado pelo servidor e os danos sofridos pelos autores, posto que não se pode afirmar que o tabelião tenha agido com dolo, culpa ou negligência, mormente em razão de que o reconhecimento da firma foi feito por semelhança.

Neste sentido, bem afirmou o MM. Juiz sentenciante:

“Desta forma, não se pode afirmar que o Tabelião agiu com negligência, uma vez que a conferência é feita através de uma simples comparação”.

O clássico Menezes de Cordeiro trata da matéria como desequilíbrio no exercício de direitos, provocando danos inúteis à desproporção dos efeitos práticos. Ensina que da ponderação dos casos concretos que deram corpo ao exercício em desequilíbrio, desprende-se a idéia de que, em todos, há uma desconexão – ou, se quiser, uma desproporção – entre as situações sociais típicas prefiguradas pelas normas jurídicas que atribuíam direitos e o resultado prático do exercício desses direitos. Parece, pois, haver uma bitola que, transcendendo as simples normas jurídicas, regula, para além delas, o exercício de posições jussubjetivas; essa bitola dita a medida da desproporção tolerável, a partir da qual já há abuso (Da Boa Fé no Direito Civil, Coimbra: Almedina, 1.977, p. 859).

Em suma, não se vê ato doloso ou culposo do réu, que gere o dever de indenizar os autores.

Cumpre destacar, também nesse sentido, a lição do preclaro Yussef Said Cahali, para o qual, no plano da responsabilidade objetiva do direito brasileiro, o dano ressarcível tanto resulta de um ato doloso ou culposo do agente público como, também, de ato que, embora não culposo ou revelador de falha da máquina administrativa ou do serviço, tenha-se caracterizado como injusto para o particular, como lesivo ao seu direito público Não basta a preterição de simples interesse econômico. O Estado tem o dever de indenizar o dano decorrente tanto de ação lícita quanto ilícita. No entanto, somente por dano jurídico será impositivo esse dever, não por mero dano econômico. (Responsabilidade Civil do Estado, 3ª edição. São Paulo: RT, 2007, p. 68).

Ensina Antônio Jeová Santos que tem sido observada na experiência diária que, de par a algum outro pedido, o autor acresce o de dano moral, sem nenhuma fundamentação, sem mostrar a causa de pedir. Logo, não basta a simples menção de que a vítima sofreu dano moral e que por isso faz jus à indenização (Dano Moral Indenizável, 2ª edição, São Paulo: Lejus, 1.997, p.218).

Não resta dúvida de que certas ofensas geram dano moral “in re ipsa”. Imprescindível, todavia, que se determine, se individualize qual foi a ofensa e sua repercussão no espírito do ofendido (Maria Celina Bodin de Moraes, Danos à Pessoa Humana, Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 160).

Pedidos sem lastro comprobatório suficiente, como o ora em exame, banalizam a conquista fundamental da indenização por danos extrapatrimoniais e se convertem em instrumento de voracidade de quem nada sofreu, mas antevê a possibilidade de obter algum ganho com determinado ato ilícito.

É inadmissível a pasteurização dos danos materiais e morais, com iniciais cujas causas de pedir são manifestamente deficientes.

Portanto, no caso em tela, não há que se falar em ressarcimento por danos morais, devendo a r. sentença ser parcialmente reformada, tão somente para afastar a extinção da ação em relação do corréu Tabelião, devendo a demanda ser julgada improcedente, ficando, no mais, mantida a r. decisão de Primeiro Grau.

4. Ante o exposto, pelo meu voto, rejeito a preliminar e dou parcial provimento ao recurso dos autores.

SIDNEY ROMANO DOS REIS – Relator.

Fonte: Boletim INR nº 5677 –  Grupo Serac – São Paulo, 31 de Janeiro de 2013.