CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Arrematação de imóvel em hasta pública – Forma originária de aquisição de propriedade – Inexistência de relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem – Recurso Provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0000005-21.2011.8.26.0201, da Comarca de GARÇA em que é apelante JAIC – COMÉRCIO E IMPORTAÇÃO DE MOTOS LTDA e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, CARLOS AUGUSTO DE SANTI RIBEIRO, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 29 de novembro de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

Registro de imóveis – Dúvida – Arrematação de imóvel em hasta pública – Forma originária de aquisição de propriedade – Inexistência de relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem – Recurso Provido.

Trata-se de apelação interposta por Jaic Comércio e Importação de Motos Ltda., objetivando a reforma da r. sentença de fls. 66/69, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Garça, e manteve a recusa do registro da carta de arrematação extraída dos autos da execução nº 201.01.1998.002760-2, da 2ª Vara Judicial de Sumaré,6.925 na matrícula nº 65295, daquela Serventia de Imóveis, referente à metade ideal do imóvel pertencente ao executado Ulisses Daun.

Alega o apelante, em síntese, que, dos documentos exigidos pelo oficial de registro de imóveis, conseguiu a prova de quitação do certificado de cadastro de imóvel rural (CCIR) de 2006/2007/2008/2009, faltando apenas a declaração do ITR/2010 contendo DIAT e DIAC, a qual lhe foi negada pela Receita Federal porque não consta no banco de dados daquele órgão como titular de domínio do imóvel. Afirma, ainda, que, na qualidade de arrematante, não é responsável por qualquer dívida anterior, havendo sucessão tributária nos termos do art. 130, do CTN.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 86/89).

É o relatório.

De início, observe-se que também os títulos judiciais submetem-se à qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:

“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental” (Ap. Cível nº 31881-0/1).

De acordo com a carta de arrematação de fls. 19/47, a recorrente arrematou a fração ideal correspondente a ½ ideal do imóvel objeto da matrícula nº 6.925, do Registro de Imóveis de Garça.

O E. Superior Tribunal de Justiça, intérprete maior da legislação federal, tem entendido que a arrematação judicial de imóvel em hasta pública configura forma originária de aquisição da propriedade, sendo oportuno citar, por todos, o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº AgRg no Ag 1225813, relatado pela Ministra Eliana Calmon, assim ementado:

“EXECUÇÃO FISCAL – IPTU – ARREMATAÇÃO DE BEM IMÓVEL – AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA – INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA DO ARREMATANTE – APLICAÇÃO DO ART. 130, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CTN. 1. A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogamse no preço da hasta. 2. Agravo regimental não provido.” (grifou-se).

No mesmo sentido: REsp nº 1179056/MG, AgRg no Ag nº 1225813/SP, REsp nº 1038800/RJ, REsp nº 807455/RS e REsp nº 40191/SP.

Carlos Roberto Gonçalves aduz que a aquisição é derivada quando resulta de uma relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, havendo, pois, uma transmissão do domínio em razão da manifestação de vontade. Assim, sempre que não houver relação causal entre a propriedade adquirida e a situação anterior da coisa, está-se diante da aquisição originária (Direito civil brasileiro, v. V. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 231).

Francisco Eduardo Loureiro, in Código Civil Comentado, ao definir a natureza jurídica da aquisição da propriedade pela usucapião, acentua que se trata de modo originário porque não há relação pessoal entre um precedente e um subsequente sujeito de direito (2 ed., São Paulo: Manole, 2008, p. 1161).

Para Arnaldo Rizzardo, na aquisição derivada está sempre presente um vínculo entre duas pessoas, estabelecido em uma relação inter vivos ou causa mortis, ao passo que na originária não se constata uma relação jurídica entre o adquirente e o antigo proprietário (Direito das coisas. 3 ed. São Paulo: Forense, 2007, p. 244).

Gustavo Tepedino, Heloisa Helena Barbosa e Maria Celina Bodin de Moraes observam que a aquisição originária se verifica quando o modo aquisitivo não guarda relação de causalidade com o estado jurídico anterior de domínio, e que não decorre de relação jurídica estabelecida com o proprietário anterior como ocorre no contrato de compra e venda (Código civil interpretado conforme a constituição da república, v. III. Rio de Janeiro: Renovar, 2011, p. 519).

Quando o bem é arrematado judicialmente, não há relação negocial entre o anterior proprietário e o adquirente, e a transmissão de domínio não decorre de manifestação de vontade.

É nesse sentido a lição de Cândido Rangel Dinamarco: “A transferência do bem na execução forçada é um ato imperativo do Estado-juiz, realizado independentemente da vontade do dono, que é o executado, ou mesmo contra ela. Essa é a sanção representada pela execução forçada (Liebman – supra , n. 1.326) e esse ato imperativo constitui autêntica expropriação, uma vez que tem o efeito de cancelar o direito que o executado tinha o bem, inclusive o de propriedade; e subtrair um bem ao patrimônio do titular é, em tudo e por tudo, expropriá-lo.

Houve no passado uma série de tentativas de enquadramento desse ato judicial em categorias de direito privado, falandose em uma estranhíssima compra-e-venda realizada pelo juiz a condição de mandatário do executado(Carnelutti); mas que mandatário seria esse, constituído com o encargo de realizar um ato de tão grande inconveniência para o suposto “mandante”? A raiz desse erro, que hoje consideramos grosseiro, consiste na colocação da questão no plano do direito privado, como se o juiz tivesse a necessidade de ser municiado de poderes contratuais, para poder impor-se sobre os bens do executado; na realidade, o poder do juiz vem do Estado, que ele corporifica no processo como agente da jurisdição, sendo ele autorizado a realizar todos os atos processuais destinados a cumprir os objetivos desta, inclusive lançando mão sobre o patrimônio do devedor inadimplente. A execução envolve uma relação de direito público e pelo direito público é regida, não pelo direito privado (Liebman – supra, n.8). … Como as alienações judiciais não se enquadram no conceito de um contrato de compra-e-venda e de contrato algum, é inadequado referir-se ao valor pago pelo arrematante como preço, porque o preço é um dos elementos desse contrato (res, pretium, consensus);” (Instituições de Direito Processual Civil,Vol. IV, 2ª e., Malheiros, p.552/554).

Portanto, diante da inexistência de relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, tem-se que a arrematação do imóvel em hasta pública, conforme vem entendendo este Conselho Superior da Magistratura desde o julgamento da apelação nº 0007969-54.2010.8.26.0604, constitui forma originária da aquisição da propriedade.

Em sendo assim, não há que se exigir do recorrente a comprovação da prova de quitação dos tributos passados, como visto na ementa do Superior Tribunal de Justiça acima.

Os CCIRs, exigidos pelo Oficial de Registro de Imóveis, encontram-se às fls. 06.

Isto posto, dou provimento ao recurso.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 04.02.2013 – SP)