CSM|SP: Registro de Imóveis – Contrato de aforamento gratuito – Ausência da via original do título – Dúvida prejudicada – Exame, em tese, das exigências para orientar futura prenotação – Recurso Prejudicado.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0007958-33.2011.8.26.0590, da Comarca de SÃO VICENTE em que é apelante CONSTRUTORA TENDA S/A e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em receber o recurso como apelação, mas dela não conhecer porque prejudicada a dúvida, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, CARLOS AUGUSTO DE SANTI RIBEIRO, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 29 de novembro de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Contrato de aforamento gratuito – Ausência da via original do título – Dúvida prejudicada – Exame, em tese, das exigências para orientar futura prenotação – Recurso Prejudicado.

Trata-se de apelação interposta por Construtora Tenda S/A, objetivando a reforma da r. sentença de fls. 104/117, que julgou procedente a dúvida suscitada pelo Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São Vicente e manteve a recusa do registro do contrato de aforamento gratuito firmado entre a União e a apelante no imóvel objeto da matrícula no 136.311, daquela Serventia de Imóveis.

Aduz a apelante, em suma, que: a) a real natureza jurídica do imóvel objeto da matrícula 136.311 é de terreno de marinha com acrescido, em regime de ocupação; b) enquanto não houver o registro do contrato de aforamento ficará obstada a concretização da operação de venda e compra, mútuo e alienação fiduciária; c) o contrato de aforamento reafirma ser da União a propriedade sobre o imóvel, conforme definido nos processos de homologação da linha de preamar médio de 1831, numerados como DSPU 684/50 e 2.253/54; d) de acordo com o art. 20. VII, da CF, os terrenos de marinha e seus acrescidos são de propriedade da União; e) desnecessidade de anulação dos registros particulares em virtude da demarcação ocorrida nos processos DSPU 684/50 e 2.253/54; e f) enquanto suposta titular, concorda com o fato de que o domínio pertence à União (fls. 119/141).

Depois de apresentadas as contrarrazões do Ministério Público (fl. 144), a D. Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 148/153).

A apelante apresentou memoriais às fls. 155/159 e a Procuradoria de Justiça, em seguida. reiterou as razões constantes do r. parecer (fls. 163/164).

É o relatório.

Observe-se, de início, que, a despeito de a recorrente ter apresentado o recurso previsto no art. 246, do Código Judiciário, o caso em exame, por cuidar de ato passível de registro em sentido estrito, não o admite. Contudo, nada impede que, pela fungibilidade recursal, o recurso seja conhecido como apelação na forma do art. 202, da Lei de Registros Públicos.

A apelante busca a reforma da sentença fls. 104/117 a fim de obter o registro, na matrícula no 136.311, do Registro de Imóveis de São Vicente, do contrato de aforamento gratuito que, na qualidade de foreira, firmou com a União.

Ocorre que não consta dos autos a via original da certidão nº 97/2010, que instrumentaliza o contrato de aforamento cujo registro se pretende, sendo insuficiente a cópia autenticada apresentada às fls. 43, conforme sólida jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura.

Embora prejudicada a dúvida, nada impede que se examine, em tese, as exigências apresentadas a fim de orientar futura prenotação.

O Oficial de Registro de Imóveis, com fundamento na continuidade registral, desqualificou o contrato de aforamento gratuito porque o domínio do imóvel não está registrado em nome da União.

A despeito desse entendimento, o presente caso encerra situação peculiar que demonstra o contrário.

Para o adequado enfoque da questão, faz-se necessário examinar a cadeia filiatória do imóvel objeto da matrícula no 136.311, do Registro de Imóveis de São Vicente.

O registro mais antigo constante dos autos é a transcrição no 26.026, do Registro de Imóveis de Santos (fl. 88/95), referente à área maior, da qual se originou a a transcrição no 43.590, de São Vicente (fl. 82), que, por sua vez, deu origem à matrícula no 122.422 (fls. 83/85), a qual, fracionada, deu ensejo à abertura da matrícula no 129.762, que também foi fracionada e originou a matrícula no 136.311 (fls. 10/12), também de São Vicente.

Do exame da Av. 20, da transcrição nº 26.026, de Santos, verifica-se que a descrição do imóvel passou a contar com a discriminação da área de terreno de marinha de propriedade da União, de 131.832,57m2, a qual foi inserida por mandado expedido nos autos do processo de retificação da Corregedoria Permanente (fl. 93).

A transcrição no 43.590 – destacada da transcrição 26.026, de Santos – por sua vez, ao descrever o imóvel, diz que sua área tem 18.614,70m2, sendo 107,50m de faixa de marinha e 18.507,20m2 de acrescidos (fl. 82). Ou seja: toda a área está situada em terreno de marinha e acrescidos.

Essa descrição do terreno de marinha e acrescidos é repetida na abertura da matrícula 122.442 (fl. 79), mas olvidada na subsequente, matrícula no 129.762, o que também se verifica na matrícula no 136.311.

Na matrícula no 136.311 – na qual se pretende o registro do contrato de aforamento – contudo, averbou-se, com base no documento expedido pela Gerência Regional do Patrimônio da União no Estado de São Paulo, que o imóvel está inscrito no Registro Imobiliário Patrimonial (RIP), sob a conceituação de “marinha com acrescido” em regime de ocupação estando inscrito como ocupante Alberto Weberman (Av.02 – fl. 10v).

E, na averbação de no 03, menciona-se, no mesmo sentido, que a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) expediu certidão de inteiro teor do imóvel da qual consta que o imóvel está cadastrado no Registro Imobiliário Patrimonial (RIP) sob o regime de ocupação, na conceituação de “marinha com acrescido”figurando como responsável Alberto Weberman.

Mais adiante, no R. 05, consta a transferência do imóvel de Alberto e Sofia Weberman à apelante com base na escritura pública de compra e venda de 15.02.08, lavrada pelo 8o Tabelião de Notas de Aracaju/SE.

Em seguida vem a Av. 06, feita com base na mesma escritura pública de compra e venda do R.05, que traz a informação de que a transferência em questão foi autorizada pela Gerência Regional de Patrimônio da União de São Paulo, que expediu Certidão Autorizativa de Transferência – CAT, na qual se mencionou que o imóvel, com área de 6.691,55m2, é de domínio da União e está em regime de ocupação (fl. 11).

Como se vê, desde os registros primitivos, dos quais houve sucessivos destacamentos até o descerramento da atual matrícula nº 136.311, há diversos apontamentos no sentido de que o imóvel em exame é de marinha com acrescidos de titularidade da União.

Há, de fato, certa confusão registral por conta de alguns registros que dão a entender que se trata de área particular, como por exemplo o R.05, da matrícula nº 136.311, ao mesmo tempo em que trazem anotações no sentido de que se trata de terreno de marinha com acrescidos, de domínio da União, sob o regime de ocupação (v. Avs. 02, 03 e 06).

E é bem provável que esse desencontro de informações tenha se originado quando da transposição dos dados da matrícula nº 122.442 para a nº 129.762.

Contudo, é possível concluir, à vista das transcrições e matrículas juntadas, que toda a área da matrícula nº 136.311 situa-se em terreno de marinha e acrescidos, haja vista que como a transcrição nº 43.590 tinha toda a sua área com essa característica, as demais que dela se originaram por fracionamento, por óbvio, também ostentam essa qualidade.

Assim, a realidade registral existente – malgrado a imprecisão de alguns registros – é no sentido de que o imóvel, por se situar em terreno de marinha com acrescidos, é de titularidade da União (CF art. 20, VII), que está dispensada de mover ação judicial para anulação ou retificação dos registros imprecisos ou mesmo de procedimento demarcatório ou discriminatório com a participação de interessados para ter reconhecido seu domínio.

Aliás, como essa conclusão é tirada do próprio registro – neste caso em situação peculiar devido à confusão de sua escrituração – inverte-se a presunção, de modo que caberia ao particular interessado provar que o domínio lhe pertence.

Ocorre que, no caso, o particular é a própria apelante que, de forma expressa e em diversas vezes nos autos, reconhece que o domínio do imóvel não lhe pertence e que adquiriu de Alberto e Sofia Weberman, em verdade, apenas o direito de ocupação do imóvel, porquanto situado em terreno de marinha com seus acrescidos, o que, aliás, fora constatado nos processos DSPU 684/50 e 2.253/54, conforme consta do contrato de aforamento.

À vista de todas essas constatações, conclui-se que o registro ora perseguido em nada ofende o art. 252, da Lei de Registros Públicos, porque a realidade registral já demonstra a titularidade do imóvel em favor da União.

E, partindo-se dessa premissa, não se pode afirmar que o registro do contrato de aforamento recusado violaria a continuidade registral porque quem está transferindo o direito consta da matrícula como seu titular, embora tal circunstância demande interpretação atenta para ser identificada.

Assim não fosse, o Oficial teria de ter recusado as averbações de nº 02, 03 e 06 porque pressupõem o domínio da União. Afinal, não há que se falar em regime de ocupação sem terreno de marinha e acrescidos, destacando-se que, na Av. 06, constou de forma expressa que o domínio do imóvel era da União.

Em suma, a peculiar situação aferida – não fosse a questão prejudicial da dúvida decorrente da falta da via original do título – permitiria o ingresso do contrato de aforamento no registro de imóveis, a despeito da recusa do Oficial de Registro de Imóveis, mantida pela r. sentença recorrida e ratificada pelo parecer da ilustrada Procuradoria Geral da Justiça.

Assim, prevaleceriam os bem lançados fundamentos técnicos e jurídicos constantes da r. sentença da lavra do do MM. Juiz Corregedor Permanente Dr. Artur Martinho de Oliveira Júnior caso não se pudesse aferir, a partir dos registros primitivos até o mais recentes, que o imóvel objeto da matrícula nº 136.311, do Registro de Imóveis, situa-se em terreno de marinha com acrescidos e, portanto, pertence à União.

Ante o exposto, recebo o recurso como apelação, mas dela não conheço porque prejudicada a dúvida.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 04.02.2013 – SP)