CSM|SP: Registro de Imóveis – Cédula Rural Hipotecária – nulidade da garantia prestada por terceiro – prazo máximo de três anos – impossibilidade do registro – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 0000553-75.2011.8.26.0062, da Comarca de BARIRI, em que é apelante BANCO DO BRASIL S/A e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Desembargador Relator, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores IVAN RICARDO GARISIO SARTORI, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GASPAR GONZAGA FRANCESCHINI, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, CARLOS AUGUSTO DE SANTI RIBEIRO, Decano em exercício, SAMUEL ALVES DE MELO JUNIOR, ANTONIO JOSÉ SILVEIRA PAULILO e ANTONIO CARLOS TRISTÃO RIBEIRO, respectivamente, Presidentes das Seções de Direito Público, Privado e Criminal do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 13 de dezembro de 2012.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Cédula Rural Hipotecária – nulidade da garantia prestada por terceiro – prazo máximo de três anos – impossibilidade do registro – Recurso não provido.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que reconheceu impossibilidade do registro de Aditivo de Retificação e Ratificação à Cédula Real Pignoratícia e Hipotecária em virtude do reconhecimento de sua nulidade nos termos do art. 60, parágrafo 3º, do Decreto-lei n. 167/67.

Sustenta o apelante a validade do negócio jurídico representado pelo título, competindo seu registro.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Por meio de termo aditivo ocorreu conversão de Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária em Cédula Rural Hipotecária emitida por pessoa física, bem como houve gravame por meio de hipoteca de imóvel da propriedade de terceiros.

O art. 60, parágrafo 3º, do Decreto-lei n. 167/67, dispõe:

Também são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas.

Portanto, por expressa disposição legal há nulidade da garantia prestada, obstando a realização do registro pretendido.

A Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, em seu voto-vista no RE n. 599.545 – SP (2003/0185048-4) fixou a aplicação do referido dispositivo legal à Cédula Rural Hipotecária, como se observa do seguinte extrato:

Nessa linha de entendimento, quando o § 3.°, do art. 60, do Decreto-Lei n.º 167/1967, dispõe que “Também são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais, salvo quando prestadas pelas pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas.”, essas disposições igualmente são aplicáveis às cédulas de crédito rural, tratadas genericamente no caput do artigo.

Por conseqüência, também para as cédulas de crédito rural emitidas por pessoas físicas e que já têm garantia real cedularmente constituída (v. art 9.º, do Decreto-Lei n.º 167/1967), são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais prestadas por pessoas físicas, porquanto essa é a regra geral prevista na primeira parte do 3.° do referido Decreto-Lei.

Em conclusão, nas cédulas de crédito rural emitidas por pessoas físicas e que já têm garantia real cedularmente constituída sob a forma de penhor (Cédula Rural Pignoratícia), hipoteca (Cédula Rural Hipotecária) ou ambos (Cédula Rural Pignoratícia e Hipotecária), são nulas quaisquer outras garantias, reais ou pessoais prestadas por pessoas físicas.

A norma legal em comento ao referir “quaisquer outras garantias” tem sentido amplo e não restritivo, abarcando a hipoteca.

Diante disso, inviável a interpretação pretendida nas razões recursais (aplicação apenas as Notas Promissórias Rurais e Duplicatas Rurais), compete aplicação também às Cédulas Rurais Hipotecárias.

A referência aos terceiros nos artigos 68 e 69 do Decreto-lei n. 167/67 deve ser interpretada em consonância ao permissivo legal constante do art. 60, parágrafo 3º, do mesmo diploma legal, ou seja, as pessoas físicas participantes da empresa emitente, por esta ou por outras pessoas jurídicas. Portanto, a interpretação/aplicação dessa norma legal não encerra quaisquer terceiros, apenas os referidos em suas disposições.

Há precedente do Conselho Superior da Magistratura nesse sentido, como se infere da seguinte ementa: Registro de Imóveis. Dúvida. Cédula rural pignoratícia e hipotecária emitida por pessoa natural. Garantia real prestada por terceiro. Nulidade. Inteligência do parágrafo 3º., do art. 60 do Decreto-lei 167/67. Precedentes do Colendo Superior Tribunal de Justiça e do Conselho Superior da Magistratura. Ingresso obstado. Recurso não provido (Ap. Civ. 990.10.256.408-8, 24/08/2010, Rel. Munhoz Soares).

Vale trazer à colação voto do Des. Ruy Camilo, Corregedor Geral da Justiça à época, na ap. civ. n. 1.126-6/4, 30/06/2009 no Conselho Superior da Magistratura, conforme segue:

A jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, entretanto, se consolidou no sentido de que não é possível o registro de cédula rural pignoratícia, com penhor agrícola, que tenha prazo superior a três anos, que é o máximo previsto em lei.

(…)

Considerando, então, que o juízo de qualificação registrária não se pode apartar da lei – o que impõe o exame da legalidade, pelo registrador, dos aspectos formais do título -, forçoso negar registro ao título cuja apresentação extrínseca esteja em desajuste com os seus requisitos legais.

Outrossim, afirmação de prazo não excedente porque cinco anos é inferior à soma do triênio prorrogável por mais três anos, não se pode colher, sob pena de intelecção deturpada da norma legal que conduz a inutilidade das expressões “prazo” e “prorrogável” que a norma jurídica aponta, violando-se preceito básico de hermenêutica segundo o qual “a lei não contém palavras inúteis”.

Prazo é termo, limite temporal, intervalo temporal de curso linear “para que algum fato se dê dentro do trato de tempo, ou expirado o último momento” (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, T. 5, § 554.1, Ed. Bookseller, atualização de Vilson Rodrigues Alves, 1a ed., 2000, p. 239). Confira, ainda, entre outras, as lições de Henri Capitant (Introduction a L”Étude du Droit Civil – Notions Générales, Ed. ª Pedone, 1929, 50a ed., p. 369) e de Camille Soufflier, Vocabulaire de Droit ou Définition des termes usités dans l”étude du droit (Ed. Marcel Giard, 1926, 2a ed., p. 334).

Prorrogação de prazo é dilação, aumento ou ampliação de espaço temporal, e, por isso, “pressupõe prazo ou espaço de tempo, que não se extinguiu nem se findou…” (De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, volumes III e IV, 2ª ed., Ed. Forense, 1990, p. 482).

Logo, o prazo define o trato de tempo; a prorrogação o estende. Assim, prazo subsiste por si, mas prorrogação – que o supõe – não.

Fixado, pois, na lei, prazo máximo (embora prorrogável) para o penhor agrícola (três anos), não há como confundir essa definição de trato temporal com aquela decorrente da soma desse prazo com o lapso de sua possível e eventual dilação temporal”.

Por todo o exposto, nego provimento ao recurso.

(a) JOSÉ RENATO NALINI, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 22.02.2013 – SP)