TJ|SP: Anulatória de escritura pública de compra e venda de imóvel – Simulação de venda por interposta pessoa para beneficiar companheira em detrimento da meação e dos herdeiros – Procedência – Negócio realizado sob a égide do Código Civil de 2002 – Prescrição não configurada – Reconhecimento da nulidade que se sujeita à aplicação do art. 205 do Código Civil – Contagem do prazo que se inicia da abertura da sucessão – Ilegitimidade ativa da co-autora afastada, pela aplicação da teoria da asserção – Elementos de convicção decorrentes do conjunto probatório que permitem reconhecer a simulação do ato entre as rés, nos termos do art. 167, §1º, I do Código Civil – Sentença mantida – Recurso desprovido.

EMENTA

Anulatória de escritura pública de compra e venda de imóvel – Simulação de venda por interposta pessoa para beneficiar companheira em detrimento da meação e dos herdeiros – Procedência – Negócio realizado sob a égide do Código Civil de 2002 – Prescrição não configurada – Reconhecimento da nulidade que se sujeita à aplicação do art. 205 do Código Civil – Contagem do prazo que se inicia da abertura da sucessão – Ilegitimidade ativa da co-autora afastada, pela aplicação da teoria da asserção – Elementos de convicção decorrentes do conjunto probatório que permitem reconhecer a simulação do ato entre as rés, nos termos do art. 167, §1º, I do Código Civil – Sentença mantida – Recurso desprovido. (TJSP – Apelação Cível nº 0605256-91.2008.8.26.0001 – São Paulo – 5ª Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Moreira Viegas – DJ 07.03.2013)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0605256-91.2008.8.26.0001, da Comarca de São Paulo, em que é apelante PATRICIA GUIMARAES SANTANA, são apelados MARIA APARECIDA LARA CONSTANTINO (INVENTARIANTE), CARLOS ALBERTO CONSTANTINO (ESPÓLIO) e 23 TABELIAO DE NOTAS DE SAO PAULO 137700SP.

ACORDAM, em 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, V.U. Sustentou oralmente o Dr. Alexandre Gronowicz Francio.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores MOREIRA VIEGAS (Presidente), EDSON LUIZ DE QUEIROZ E FABIO PODESTÁ.

São Paulo, 20 de fevereiro de 2013.

MOREIRA VIEGAS – Relator.

RELATÓRIO

Apelação interposta contra a r. sentença de fls. 847/854, que, nos autos da ação anulatória de escritura pública, julgou procedente o pedido para determinar a anulação da escritura pública de fls. 23/25 e, por consequência, cancelar o R.2, da Matrícula nº 103.156 (fls. 26), condenando as rés, AUAD MINGIONE ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA e PATRÍCIA GUIMARÃES SANTANA, nas custas processuais e verba honorária, fixada em 10% sobre o valor da causa corrigido e julgou parcialmente extinto o processo sem resolução do mérito em relação ao 23º Tabelião de Notas de São Paulo.

Alega a ré (fls. 899/939), nas preliminares, a ocorrência da prescrição e a ilegitimidade ativa da apelada Maria Aparecida Lara Constantino. Afirma que o marco inicial para a contagem da prescrição deve ser considerado a partir do término da convivência entre o falecido e a apelada, pois com o rompimento da união a mulher deixou de ter direito à meação sobre os bens do “de cujus”, e que o lapso de ruptura da vida em comum é de 22 (vinte e dois anos), até a data do falecimento de Carlos Alberto Constantino. Diz que a ilegitimidade ativa da ex-mulher deve ser reconhecida, ante a impossibilidade de comunicação dos bens decorrente da ruptura da vida conjugal. Entende que é cabível a denunciação da lide em relação ao Oficial Maior e Tabelião do 23º Cartório de Notas da Capital e, no caso, como foi relatado nos autos que ele é falecido, deve ser citado o espólio ou os herdeiros, sob o argumento de incidir a responsabilidade legal. Aduz, no mérito, que não houve simulação ou qualquer fraude na aquisição do imóvel, mencionando que conviveu com o falecido por cerca de 5 (cinco) anos, relação, inclusive, que é objeto de ação própria. Assevera que a escritura de compra e venda do imóvel é regular, inexistindo provas suficientes para anular o documento público, não se prestando para tanto mero compromisso de compra e venda não registrado. Menciona que o imóvel foi adquirido com dinheiro próprio, já que exerce atividade remunerada que lhe proporciona renda para a aquisição, enquanto que os autores não trouxeram qualquer prova do efetivo pagamento pelo falecido. Destaca que o instrumento de compromisso de compra e venda não registrado não contém eficácia real, mas só direitos obrigacionais. Assinala que deve ser reconhecida a preponderância do documento público e que o registro é modo de aquisição da propriedade. Ressalta que deve ser considerada a boa-fé na aquisição do bem. Requer, portanto, o provimento do recurso.

Recurso processado e com o preparo recolhido.

Contrarrazões às fls. 951 /958 e fls. 960/ 978.

É o relatório.

VOTO

Trata-se de pedido de anulação de escritura de venda e compra do imóvel descrito na inicial, sob o argumento de que o bem foi adquirido pelo falecido, pai dos autores e ex-marido da co-autora, por meio de compromisso de compra e venda, razão pela qual ineficaz a escritura pública lavrada em favor da ré.

Cumpre, de início, analisar as preliminares suscitadas pela apelante.

Em primeiro lugar, a ré afirma que ocorreu a prescrição, entendendo que o marco inicial para a contagem do prazo é do rompimento da vida em comum com a co-autora e o falecido. No entanto, razão não lhe assiste. A escritura pública, sobre a qual litigam as partes, foi lavrada em 11.10.2007, conforme se extrai das fls. 22/26 e vº, o que enseja reconhecer que devem ser aplicadas as disposições do Código Civil vigente, em que o art. 167 dispõe que “é nulo o negócio jurídico simulado […]”.

Importante observar, no que tange à prescrição do ato simulado, que ao ser elevado à categoria de ato nulo, deve incidir o prazo prescricional geral previsto no caput do art. 205 do Código Civil. Neste ponto, segue-se o posicionamento jurisprudencial no sentido de que, ainda que o ato simulado seja nulo, não significa que a pretensão de pleitear a nulidade seja imprescritível, razão pela qual adotado o prazo geral. Nesse sentido, REsp nº 10.300-SP.

Pois bem. A contagem do prazo inicia-se a partir da abertura da sucessão. Assim, verificado que o óbito de Carlos Alberto Constantino ocorreu em 31.05.2008, enquanto a ação foi ajuizada em 25.06.2008, não se operou a prescrição.

Em segundo lugar, quanto à ilegitimidade ativa da co-autora, deve ser analisada no plano abstrato, com fulcro na teoria da asserção. Portanto, se a co-autora afirma a condição de titular do direito em disputa e a existência de prejuízo causado pela ré, presente a legitimidade ativa e o interesse processual.

Cumpre destacar nesse ponto, a lição de José Carlos Barbosa Moreira: “a questão da legitimidade “ad causam” tem de ser resolvida à luz do que se alega na inicial, admitindo-se, para argumentar, que seja veraz a narrativa do autor (uti si vera sint exposita). (in Direito Aplicado II, Pareceres, p.377).

Vale dizer que a verificação da legitimidade ativa requer a apreciação da análise da relação jurídica de direito material, razão pela qual, diante do exame da causa de pedir, constata-se que o falecido era casado com a co-autora sob o regime da comunhão universal, o que, por ora, é suficiente para admitir a legitimidade ad causam. Se eles estavam separados de fato ou não, tal questão não pode ser apreciada nesse momento, mesmo porque há notícia nos autos de que a co-autora e a ré litigam em ação negatória de união estável que não transitou em julgado.

Afastadas as preliminares, passa-se ao exame da questão de fundo.

Observa-se que, na escritura pública de venda e compra do imóvel descrito na inicial, datada de 11.10.2007, figura como vendedora do bem, a corré AUAD MINGIONE ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA, e como compradora, a corré PATRÍCIA GUIMARÃES SANTANA.

Os autores suscitaram a nulidade da referida escritura e do negócio, sob o argumento de que o mesmo imóvel teria sido adquirido pelo falecido por meio do compromisso de compra e venda firmado com a corré AUAD MINGIONE ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES LTDA em 27.05.2002. Alegam também que a corré agiu com a intenção de lesar a autora e os filhos do falecido, porque ela nunca adquiriu o imóvel. Juntaram documentos às fls. 32/62, referentes às contas de consumo e as cotas de condomínio do imóvel do período de 2.002 até 2.003 no nome do falecido. No lançamento do IPTU, consta o nome da proprietária da corré AUAD.

O juízo de origem adotou o entendimento de que houve simulação, motivo pelo qual determinou a nulidade da escritura de venda e compra firmada entre as corrés.

Em 27.05.2002, Carlos Alberto Constantino adquiriu a unidade nº 126 no Ed. Doll Residence, localizado na Rua Pedro Doll nº 43, Santana (fls. 10), por meio de instrumento de compra e venda, cuja quitação do preço consta no próprio documento. Não houve o registro do referido contrato no Cartório de Imóveis.

Passados 05 (cinco) anos após a conclusão do negócio, a corré AUAD outorgou a escritura de compra e venda do bem para Patrícia, que segundo consta dos autos, mantinha relacionamento amoroso com o falecido.

Evidente que o ordenamento jurídico pátrio atribui à qualidade de proprietário àquele que consta no Registro do Imóvel, ou seja, o direito real somente se constitui com o registro imobiliário.

No entanto, “a presunção de veracidade dos registros imobiliários não é absoluta, mas juris tantum, admitindo-se prova em contrário” (REsp nº 664523-CE). Daí porque, se decretada a nulidade da escritura pública, não produzirá qualquer efeito.

No caso em tela, é preciso considerar que o compromisso de compra e venda do imóvel foi quitado pelo falecido em 2002, o que indica que já mantinha o seu direito de posse e o direito à aquisição decorrente de sua promessa de compra e venda.

De outro lado, a corré AUAD, não logrou êxito em comprovar a rescisão do contrato com o falecido. O argumento dela no sentido de que o instrumento de rescisão estava em poder do 23º Tabelião é, sem dúvida, difícil de vingar. Isto porque em se tratando de contrato quitado, deveria ter uma cópia da referida rescisão, sob pena de correr o risco de responder por perdas e danos ante a impossibilidade de eventual direito de adjudicação pelo espólio do falecido.

Outrossim, a corré Patrícia invoca a tese de que quando há vendas sucessivas sobre o mesmo imóvel, aquele que registra primeiro adquire o direito real, restando ao outro adquirente somente a via das perdas e danos.

É verdade que aquele que primeiro registra o imóvel torna-se seu proprietário.

Entretanto, este caso peculiar deve ser analisado sob ótica diversa, uma vez que a ré admite que entre ela e o falecido havia um relacionamento amoroso.

Por isso, a questão colocada nos autos não se resolve somente com a aplicação das regras atinentes ao direito real de propriedade, tampouco sob o argumento de se tratar de terceiro adquirente.

A par disso, é imprescindível analisar se a conduta das rés subsumam-se ao disposto no art. 167 do Código Civil.

Como se viu, a corré Patrícia sustenta que adquiriu o imóvel da corré AUAD. Contudo, não trouxe a prova de pagamento em favor da vendedora, limitando-se a demonstrar que teria condições financeiras de adquirir o bem.

Ademais, com base nos fatos e provas, nas circunstâncias do caso e nas afirmações feitas nas contestações apresentadas pelas rés, constata-se que Patrícia tinha pleno conhecimento da existência de anterior contrato sobre o imóvel realizado pelo falecido.

Segundo a doutrina, “na simulação as partes desejam mera aparência do negócio e criam ilusão de existência. Os contraentes pretendem criar aparência de um ato, para assim surgir aos olhos de terceiros”.

Leciona CARLOS ROBERTO GONÇALVES que a simulação “é uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar negócio diverso do efetivamente desejado” (in Direito Civil Brasileiro, Volume I, Parte Geral, Editora Saraiva, 2ª edição, 2005, páginas 440 e 441).

Tudo indica que a lavratura da escritura em nome da corré Patrícia decorreu de ato simulado, pelo fato de a vendedora já ter firmado anterior contrato de compra e venda do mesmo imóvel com o falecido, não tendo se desincumbido de provar a existência da anterior rescisão da avença.

Observa-se que o negócio não foi pelas próprias partes, mas por pessoa interposta ficticiamente (CC, art. 167, §1º, I), no caso a vendedora, que deveria ter outorgado a escritura de compra e venda ao falecido, mas o fez em nome de Patrícia.

Nas palavras de Silvio Venosa: “Há simulação sobre a pessoa participante do negócio quando o ato vincula outras pessoas que não os partícipes do negócio aparente; quando, na compra e venda, por exemplo, é um “testa de ferro” que aparece como alienante ou adquirente” (fls. 531).

Isso implica em reconhecer que a vendedora AUAD realizou negócio aparente com a corré para mascarar a intenção de disposição do imóvel pelo falecido em favor da apelante.

Os autores comprovaram a existência da simulação fraudulenta com o nítido objetivo prejudicar a legítima, o que foi devidamente reconhecido pelo juízo “a quo”.

No que tange à alegação da apelante no sentido de que o Tabelião do 23º Cartório deveria integrar a lide, embora o juízo “a quo” tenha fundamentado a ilegitimidade no fato de que deve recair a responsabilidade sobre a pessoa física que exercia a função na época dos fatos narrados nos autos, o certo é que aquele que participou de ato simulado não pode invocar a responsabilidade de terceiro pelo ato, razão pela qual não se há de falar em denunciação da lide.

Dessa forma, os elementos de convicção permitem a manutenção da r. sentença, no sentido de anular o negócio jurídico e cancelar do respectivo registro imobiliário do imóvel descrito na inicial.

Pelo exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao recurso.

JOÃO FRANCISCO MOREIRA VIEGAS – Relator.

Fonte: Boletim INR nº 5736 – Grupo Serac – São Paulo, 14 de Março de 2013