1ª VRP|SP: Registro de imóveis – pedido de providências – procedimento administrativo para execução de garantia fiduciária sobre imóvel (Lei n. 9.514/97, arts. 26-27) – procedimento concernente a averbação (Lei n. 9.514/97, art. 26, § 7º) -havendo solidariedade passiva, como há, é necessária somente a intimação dos devedores fiduciantes (e não de todos os demais devedores, incluídos os mutuários e garantidores pessoais) – se o credor fiduciário apresenta demonstrativo de débito sem projetar encargos futuros, entende-se que abriu mão deles e preferiu não exigi-los – determinação para que se prossiga no procedimento administrativo de execução da garantia fiduciária.

Processo 0000936-65.2013.8.26.0100

CP 11

Dúvida

Registro de Imóveis

14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital/SP

Banco Safra S/A

Registro de imóveis – pedido de providências – procedimento administrativo para execução de garantia fiduciária sobre imóvel (Lei n. 9.514/97, arts. 26-27) – procedimento concernente a averbação (Lei n. 9.514/97, art. 26, § 7º) -havendo solidariedade passiva, como há, é necessária somente a intimação dos devedores fiduciantes (e não de todos os demais devedores, incluídos os mutuários e garantidores pessoais) – se o credor fiduciário apresenta demonstrativo de débito sem projetar encargos futuros, entende-se que abriu mão deles e preferiu não exigi-los – determinação para que se prossiga no procedimento administrativo de execução da garantia fiduciária.

CP 11 Vistos.

1. O 14º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo (14º RISP) suscitou dúvida (fls. 02-04 e 395) a pedido de Banco Safra S. A. (fls. 06-13).

1.1. Sob n. 573.383, em 30 de maio de 2011 (fls. 73) fora prenotado um pedido de execução de alienação fiduciária em garantia concernente aos imóveis das matrículas 125.302, 125.327 e 125.349 (fls. 385-393).

1.2. O credor fiduciário é o suscitado Banco Safra. Os devedores fiduciantes são JKL Administração de Bens e Participações Ltda. (mat. 125.302 R. 3, fls. 387 verso), e Paulo Gaspar Lemos e sua mulher Cecília Ana Lemos (mat. 125.327 R. 2., fls. 388; mat. 125.349 R. 2, fls. 391). A dívida garantida tem como devedores solidários JKL Administração de Bens e Participações Ltda., Paulo Gaspar Lemos e sua mulher Cecília Ana Lemos, GPV Veículos e Peças Ltda., e Venice Veículos e Peças Ltda.

1.3. Porém: (a) inadimplida a dívida, o credor fiduciário e suscitado Banco Safra teriam promovido, em juízo, a intimação de todos os credores solidários, salvo de GPV Veículos e Peças (fls. 395), e a falta dessa intimação faz nulo o procedimento de execução; e (b) o credor fiduciário não forneceu planilha com previsão dos valores devidos com os juros de 60 a 90 dias para o futuro (prazo suficiente para que haja informação sobre o montante a pagar no prazo de quinze dias depois da última intimação), o que é indispensável para que o ofício do registro de imóveis possa receber o valor da purgação da mora; essa planilha tampouco constara das intimações judiciais, que, portanto, são nulas; ademais, o credor fiduciário informou apenas posteriormente que aceitaria receber os valores do principal sem os juros, afirmação que, por extemporânea, é ineficaz.

1.4. A dúvida foi instruída com documentos (fls. 05-402).

2. O suscitado impugnou (fls. 404), reiterando o que já alegara ao requerer a suscitação (fls. 06-13).

2.1. Segundo o suscitado: (a) a devedora GPV Veículos e Peças não é fiduciante (Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997, art. 26, caput e § 1º) e, portanto, a sua intimação é desnecessária; e (b) fora mencionado (fls. 367) o valor devido na data da propositura da ação de intimação, suficiente para a purgação da mora, como o próprio suscitado veio a ressaltar, para isentar o ofício do registro de imóveis de qualquer responsabilidade.

2.2. A suscitada apresentou procuração ad iudicia (fls. 14).

3. O Ministério Público opinou (fls. 406) pela procedência da dúvida.

4. É o relatório. Passo a fundamentar e decidir.

5. Do ponto de vista exclusivamente formal, o procedimento executivo extrajudicial posto na Lei n. 9.514/97, arts. 26-27, se destina a obter uma averbação, isto é, a averbação da consolidação do domínio, se não for purgada a mora (art. 27, § 6º, verbis “o oficial… promoverá a averbação”); portanto, este processo tem de correr como pedido de providências, e não dúvida.

6. Havendo mora debitoris, mora de pagar (Cód. Civil vigente CC02, arts. 394-401), e estando a dívida garantida por alienação fiduciária de imóvel, quem tem de ser intimado para pagar?

6.1. A esse respeito, a Lei n. 9.514/97, art. 26, diz apenas o seguinte (grifou-se): Art. 26. Vencida se não paga, no todo ou em parte, a dívida e constituído em mora o fiduciante, consolidar-se-á, nos termos deste artigo, a propriedade do imóvel em nome do fiduciário. § 1º Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação. § 3º A intimação far-se-á pessoalmente ao fiduciante, ou ao seu representante legal ou ao procurador regularmente constituído, podendo ser promovida, por solicitação do oficial do Registro de Imóveis, por oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la, ou pelo correio, com aviso de recebimento. § 4º Quando o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído se encontrar em outro local, incerto e não sabido, o oficial certificará o fato, cabendo, então, ao oficial do competente Registro de Imóveis promover a intimação por edital, publicado por três dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária.

6.2. As Normas de Serviço da E. Corregedoria Geral da Justiça – NSCGJ, tomo II, cap. XX, complementam (grifou-se): 302. Do requerimento do credor fiduciário dirigido ao Oficial do Registro de Imóveis devem constar as seguintes informações: a) número do CPF e nome do devedor fiduciante (e de seu cônjuge, se for casado em regime de bens que exija a intimação), dispensada a indicação de outros dados qualificativos […]. 312. Cuidando-se de vários devedores, ou cessionários, inclusive cônjuges, necessária a promoção da intimação individual e pessoal de todos eles. 312.1. Na hipótese de falecimento do devedor, a intimação será feita ao inventariante, devendo ser apresentadas cópias autênticas da certidão de óbito e do termo de compromisso de inventariante, ou certidão passada pelo ofício judicial ou tabelião de notas. 312.1.1. Não tendo havido abertura de inventário, serão intimados todos os herdeiros e legatários do devedor, os quais serão indicados pelo credor fiduciário. Neste caso, serão apresentadas cópias autênticas da certidão de óbito e do testamento, quando houver, ou declaração de inexistência de testamento, emitida pelo Registro Central de Testamentos On-Line RCTO. 312.2. As intimações de pessoas jurídicas serão feitas aos seus representantes legais, indicados pelo credor fiduciário. 312.3. Quando o devedor não for encontrado nos endereços indicados pelo credor, tentativa de intimação deverá ser feita no endereço do imóvel dado em garantia. 312.4. Quando o devedor, seu representante legal, ou procurador se encontrar em local incerto ou não sabido, o Oficial incumbido da intimação certificará o fato, e o Oficial do Registro de Imóveis promoverá intimação por edital, publicado por três dias, pelo menos, em um dos jornais de maior circulação local ou noutro de Comarca de fácil acesso, se no local não houver imprensa diária. 312.5. Na hipótese de o devedor, seu representante legal, ou procurador se ocultar de forma a não permitir a intimação, o Oficial do Registro de Imóveis certificará essa circunstância, a fim de que o credor fiduciário promova a intimação pela via judicial. O procedimento extrajudicial será mantido aberto por 60 (sessenta) dias, findos os quais, se não houver manifestação do credor fiduciário, será arquivado. 312.6. A intimação judicial deverá conter os requisitos do item 308. 312.6.1. Os autos de intimação judicial, entregues à parte na forma do art. 872 do CPC, serão juntados aos autos do procedimento em curso no Registro de Imóveis para fins de controle da purgação da mora. 312.6.2. No caso de não localização ou de ocultação do devedor, a publicação de editais e controle da purgação da mora dependerá de haver constado na certidão do Oficial de Justiça, na notificação judicial, que o intimando foi procurado nos endereços fornecidos pelo credor fiduciário e no do próprio imóvel objeto da alienação fiduciária.

6.3. O modelo sobre o qual se construíram tais regras é claro: um mútuo garantido por uma alienação fiduciária, com identidade entre o(s) mutuante(s) e credor(es) fiduciário(s), de um lado, e entre o(s) mutuário(s) e o(s) devedor(es) fiduciante(s), de outro.

7. O problema destes autos está em que, como se viu (item 1.2; cf. também fls. 232-233 e 337-349), no polo passivo do mútuo e da alienação fiduciária não estão as mesmas pessoas. Quid inde? Quem deve ser intimado na execução extrajudicial (Lei n. 9.514/97, arts. 26-27): todos os devedores i. e., todos os mutuários (e garantidores pessoais) e todos os fiduciantes, como pretende o 14º RISP; ou somente os fiduciantes, como pretende o suscitado?

7.1. A resposta tem de buscar-se nas regras gerais do direito civil para as dívidas com solidariedade passiva (CC02, art. 264) que há, in casu (fls. 338 verso, item 14, e 339; fls. 349 verso, item 12).

7.2. Ora, segundo as regras da solidariedade passiva, o credor (= o suscitado Banco Safra) podia exigir e receber a dívida comum de qualquer dos devedores, parcial ou totalmente (CC02, art. 275, caput), sem que o exercício de seu direito de ação (no sentido material, i. e., seja em processo jurisdicional, seja administrativamente) importe renúncia da solidariedade (CC02, art. 275, par. único). Logo, o suscitado Banco Safra podia ter notificado para pagamento apenas os devedores fiduciantes (=JKL Administração de Bens e Participações Ltda., e Paulo Gaspar Lemos e sua mulher Cecília Ana Lemos) para que, executando a garantia fiduciária, fosse satisfeita a dívida comum. Dentro da relação jurídica real (que, por força da alienação fiduciária em garantia, estabeleceu-se apenas entre o suscitado e dos ditos devedores fiduciantes) não faltou nenhuma intimação exigida pela Lei n. 9.514/97, art. 26, ou pelas NSCGJ, II, XX, itens 302 e 312.

8. Dessa forma, não tem lugar a primeira exigência posta pelo 14º RISP a intimação de todos os devedores (mutuários e garantidores pessoais, e devedores fiduciantes cf. item 1.3, letra a, supra, e fls. 395, item 2).

8.1. É bem verdade que constatase a fls. 75 o suscitado pedira, também, a intimação de GPV Veículos e Peças; nem por isso, contudo, o insucesso final das tentativas dessa intimação significa que o procedimento executivo não possa ser levado a cabo.

9. Que valor deve ser intimado ao devedor fiduciante em mora, para que possa purgá-la?

9.1. A esse respeito a Lei n. 9.514/97, art. 26, § 1º, determina que (grifou-se): Para os fins do disposto neste artigo, o fiduciante, ou seu representante legal ou procurador regularmente constituído, será intimado, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do competente Registro de Imóveis, a satisfazer, no prazo de quinze dias, a prestação vencida e as que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, além das despesas de cobrança e de intimação.

9.2. As NSCGJ, II, XX, complementam (grifou-se): 302. Do requerimento do credor fiduciário dirigido ao Oficial do Registro de Imóveis devem constar as seguintes informações: […] e) demonstrativo do débito e projeção de valores para pagamento da dívida, ou do valor total a ser pago pelo fiduciante por períodos de vencimento […]. 308. Deverá o Oficial de Registro de Imóveis expedir intimação a ser cumprida em cada um dos endereços fornecidos pelo credor fiduciário, da qual constarão: b) o demonstrativo do débito decorrente das prestações vencidas e não pagas e das que se vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive tributos e as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel, bem como a projeção da dívida, em valores atualizados, para purgação da mora […].

9.3. No caso dos autos, o requerimento inicial do procedimento administrativo (fls. 76 e 77) e a intimação final (fls. 234-235) apontaram um valor único, sem previsão de encargos para o futuro, de modo que só se podia entender que o suscitado abriu mão dos montantes que se poderiam acrescer no período para a purgação da mora: afinal, esse direito é disponível, e a situação dos devedores fiduciantes não se agravou em nada, pelo contrário.

9.4. Note-se ainda que o ofício do registro de imóveis, se tinha ressalva a fazer a respeito, havia de tê-la feito desde logo (quinze dias, na redação então vigente das NSCGJ, II, XX, item 32, segundo o Prov. CGJ 32/97), e não meses depois (fls. 73 e 395), quando se ultimaram as notificações.

10. Portanto, também não pode ser mantida a outra exigência (item 1.3, letra b, supra, e fls. 395, item 1) posta pelo ofício do registro de imóveis.

11. Do exposto: (a) corrija-se a autuação e anote-se que este procedimento é pedido de providências, e não dúvida; e (b) determino ao 14º Ofício do Registro de Imóveis de São Paulo (prenotação 573.383) que prossiga nos autos do procedimento administrativo de execução da garantia fiduciária requerido por Banco Safra S. A.; para tanto, fica autorizado, desde logo, o desentranhamento dos autos do procedimento administrativo, com substituição por cópia.

Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios. Desta sentença cabe recurso administrativo, com efeito suspensivo, em quinze dias, para a E. Corregedoria Geral da Justiça (Cód. Judiciário de São Paulo, art. 246). Esta sentença vale como mandado (Portaria Conjunta 01/08). Oportunamente, arquivem-se estes autos, se não for requerido nada mais.

P. R. I.

(D.J.E. de 30.07.2013 – SP)