CSM|SP: Registro Civil das Pessoas Naturais – Recurso interposto contra sentença que deferiu habilitação de casamento homoafetivo – Orientação emanada em caráter definitivo pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 4277), seguida pelo Superior Tribunal de Justiça (Resp 1.183.378) – Impossibilidade de a via administrativa alterar a tendência sacramentada na via jurisdicional – Recurso não provido.

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Apelação Cível n° 9000002-32.2012.8.26.0344
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO N° 9000002-32.2012.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados RODRIGO BIAGINI COSTA e KLYLL MORAIS CARNEIRO.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, ALVES BEVILACQUA, SAMUEL JÚNIOR, SILVEIRA PAULILO E TRISTÃO RIBEIRO.
São Paulo, 27 de junho de 2013.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível n° 9000002-32.2012.8.26.0344
Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo
Apelados: Rodrigo Biagini Costa e Klyll Morais Carneiro
VOTO N° 21.288
REGISTRO CIVIL DAS PESSOAS NATURAIS – Recurso interposto contra sentença que deferiu habilitação de casamento homoafetivo – Orientação emanada em caráter definitivo pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 4277), seguida pelo Superior Tribunal de Justiça (Resp 1.183.378) – Impossibilidade de a via administrativa alterar a tendência sacramentada na via jurisdicional – Recurso não provido.
Apela o Ministério Público do Estado de São Paulo contra a r sentença [1] que, nos autos do procedimento administrativo de habilitação, autorizou o casamento homoafetivo desde que preenchidos os demais pressupostos legais.
Aduz o apelante que: a) o art. 1.514, do Código Civil, só permite o casamento entre pessoas de sexos distintos e; b) referido dispositivo legal encontra-se em vigor, o que impede a via administrativa, porque vinculada aos termos legais, de se conduzir como se lei não houvesse ou como se existisse declaração de inconstitucionalidade específica.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso [2].
É uma síntese do necessário.
Embora não haja hierarquia entre cortes judiciárias, o Supremo Tribunal Federal tem por atribuição a guarda precípua da Constituição da República e o Superior Tribunal de Justiça a missão de unificar a interpretação do ordenamento em todo o Brasil.
Ambos decidiram ser possível o reconhecimento da proteção jurídica a conviventes do mesmo sexo. As ementas da Adi 4277- DF, 5.5.2011, relatoria do atual Presidente do STF, Ministro AYRES BRITO, são eloqüentes:
“PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPITULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SOCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIANENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SOCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA””.
Idêntica a clareza das ementas redigidas pelo Ministro LUÍS FELIPE SALOMÃO, relator do REsp. 1.183.378-RS:
“DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1514, 1521, 1523, 1535 E 1565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF 132/RJ EDA ADIN 4277/DF.
Observe-se que nesse julgado o Superior Tribunal de Justiça, respaldado nos princípios fincados na Adi 4277/DF, do STF, admitiu a habilitação direta para o casamento entre pessoas do mesmo sexo sem a necessidade do prévio reconhecimento da união estável.
A partir da sinalização das Cortes Superiores, inúmeras as decisões amparadas e fundamentadas nesses julgados. Inclusive em São Paulo. Se, na via administrativa, fosse alterada essa tendência, o Judiciário se veria invocado a decidir, agora na esfera jurisdicional, matéria já sacramentada nos Tribunais com jurisdição para todo o território nacional.
Como servos da Constituição – interpretada por aquele Colegiado que o pacto federativo encarregou guardá-la – os juízes e órgãos do Poder Judiciário não podem se afastar da orientação emanada em caráter definitivo pelo STF.
É por isso que, doravante, os dispositivos legais e Constitucionais relativos ao casamento e à união estável não podem mais ser interpretados à revelia da nova acepção jurídica que lhes deram o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça.
Assim, a despeito das jurídicas razões contidas no recurso e no r parecer do Ministério Público, a r sentença deve ser mantida.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] FIs. 12/15.
[2] Fls. 25/29. (D.J.E. de 21.08.2013 – SP)