1ª VRP|SP: Registro de imóveis – Dúvida – A fração ideal adquirida mediante permuta (CC02, art. 533) por um cônjuge casado em regime da separação obrigatória de bens (CC16, art. 258, par. único, II) é aquesto por ato oneroso e, portanto, presume-se que se tenha comunicado ao patrimônio do outro cônjuge (STF, súmula 377) se a fração ideal estava gravada com cláusula de incomunicabilidade, a manutenção desse vínculo, depois da permuta, dependia de sub-rogação expressa, mediante processo de jurisdição voluntária (CPC73, art. 1.112, II) que não houve logo, presumindo-se a comunicação, não tendo havido subrogação de vínculo, e falecendo o cônjuge a quem favorecia a presunção, o cônjuge supérstite só pode dispor do aquesto se demonstrar que na partilha o aquesto lhe tocou à falta dessa prova, não se pode verificar se houve continuidade (LRP73, arts. 195 e 273) quando o cônjuge supérstite quis instituir usufruto sobre o aquesto, e a respectiva escritura pública não pode ser registrada – Dúvida procedente.

Processo nº: 0011231-64.2013.8.26.0100 – Dúvida
Requerente: 7º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Registro de imóveis dúvida a fração ideal adquirida mediante permuta (CC02, art. 533) por um cônjuge casado em regime da separação obrigatória de bens (CC16, art. 258, par. único, II) é aquesto por ato oneroso e, portanto, presume-se que se tenha comunicado ao patrimônio do outro cônjuge (STF, súmula 377) se a fração ideal estava gravada com cláusula de incomunicabilidade, a manutenção desse vínculo, depois da permuta, dependia de sub-rogação expressa, mediante processo de jurisdição voluntária (CPC73, art. 1.112, II) que não houve logo, presumindo-se a comunicação, não tendo havido subrogação de vínculo, e falecendo o cônjuge a quem favorecia a presunção, o cônjuge supérstite só pode dispor do aquesto se demonstrar que na partilha o aquesto lhe tocou à falta dessa prova, não se pode verificar se houve continuidade (LRP73, arts. 195 e 273) quando o cônjuge supérstite quis instituir usufruto sobre o aquesto, e a respectiva escritura pública não pode ser registrada dúvida procedente.
Vistos etc.
Somente nesta data por força de acúmulo de serviços a que não dei causa.
1. O 7º Ofício do Registro de Imóveis de São Paulo (RISP) suscitou dúvida (fls. 02-06) a requerimento de Leonor Pajaro Grande Ferreira (prenotação 319.366).
1.1. Segundo o termo de dúvida, foi apresentada a registro a certidão de uma escritura pública lavrada em 14 de janeiro de 2011 pelo 28º Tabelião de Notas de São Paulo (livro 1.298, fls. 075-076; nestes autos, fls. 14).
1.2. Na escritura pública consta que Leonor instituiu usufruto em favor de Lourdes Pajaro Grande Brandão sobre a parte ideal de 80% do imóvel objeto da matrícula 44.856.
1.3. Leonor adquiriu essa fração ideal de 80% da seguinte forma:
(a) 20%, na sucessão de sua mãe Guadalupe Fernandes Pajaro (mat. 44.856 R. 07, fls. 19); aquando dessa aquisição, Leonor estava casada com José Gomes Ferreira, no regime da separação obrigatória de bens; e
(b) 60%, por permuta (mat. 44.856 R. 09, fls. 20) com os condôminos Luiza Pajaro Grande (20%), Lilian Pajaro Grande (20%) e Sérgio Pajaro Grande (20%), este acompanhado de sua mulher Maria Helena Gomes Pajaro Grande; aquando dessa aquisição onerosa, Leonor estava casada com José Gomes Ferreira, no regime da separação obrigatória de bens.
Todas essas partes ideais (a havida por Leonor diretamente na sucessão de Guadalupe, e as havidas por permuta com Luiza, Lilian e Sérgio) estão gravadas com cláusula vitalícia de incomunicabilidade, imposta em testamento (mat. 44.856 Av. 08, fls. 19).
1.4. A fração de 20%, havida por Leonor diretamente na sucessão de Guadalupe (item 1.3, letra a, supra), é incomunicável ao cônjuge, não apenas por força da cláusula de incomunicabilidade, como também em virtude do regime de bens adotado no matrimônio (= separação obrigatória, nos termos do Cód. Civil de 1916 CC16, art. 258, par. único, II).
1.5. Entretanto, a fração de 60%, havida por Leonor por permuta com Luiza, Lilian e Sérgio, tornou-se comunicável, já que a aquisição foi onerosa, nos termos da súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF) e da jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo CSMSP (apelações cíveis 376-6/7; 843-6/9; 976-6/5 e 0045658-92.2010.8.26.0100).
1.6. José Gomes Ferreira, marido de Leonor, faleceu (na escritura pública consta que ela seja viúva fls. 14).
1.7. Logo, para o registro da escritura pública (fls. 14), por força do princípio da continuidade (Lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 LRP73, arts. 195 e 237), tem de ser demonstrado que a fração ideal de 60% coube a Leonor, na partilha dos bens deixados por José Gomes Ferreira.
1.8. Observa o 7º RISP que não se pode dizer que a incomunicabilidade que originalmente recaía sobre os quinhões de Luiza, Lilian e Sérgio continuasse a gravar a fração de 60% que passou a tocar a Leonor, pois a aquisição fora, aí, onerosa, e em tal espécie de transmissão não se pode impor incomunicabilidade (vigente Cód. Civil CC02, art. 1.848). A sub-rogação do vínculo não era automática, e devia ter sido feita por meio de processo de jurisdição voluntária (vigente Cód. de Proc. Civil CPC73, art. 1.112, II).
1.9. O termo de dúvida veio acompanhado de documentos (fls. 07-20).
2. A suscita impugnou (fls. 22-24).
2.1. Segundo a impugnação, a incomunicabilidade imposta no testamento é vitalícia e não se exclui pelo casamento ou pela permuta entre os irmãos herdeiros.
2.2. A suscitada apresentou procuração ad iudicia (fls. 08).
3. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 26-27).
4. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
5. Por força do princípio da continuidade, para que um registro subsequente transfira um direito é necessário que o direito por transferir de fato esteja compreendido, objetiva e subjetivamente, no registro antecedente que lhe dá fundamento, ou seja, é necessário que o disponente possa, objetiva e subjetivamente, dispor do direito. É o que diz a LRP73:
Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.
5.1. Se entre cônjuges vigorava o regime da separação obrigatória de bens (CC16, art. 258, par. único, I-IV), e se houve aquisição onerosa de bens durante a sociedade conjugal, o aquesto presume-se (iuris tantum) decorrente pelo esforço comum de ambos e, portanto, comunica-se (STF, súmula 377).
Em tal caso, se um dos cônjuges falecer, para que se possa saber, com relação ao aquesto, qual poder de disposição restou em mãos do cônjuge supérstite, é necessário que se demonstre que comunicação não houve (= que se derrube a presunção decorrente da súmula 377) ou que, por outra causa, na partilha ou adjudicação o aquesto coube todo ao supérstite.
6. No caso destes autos, Leonor houve a fração de 60% do imóvel (mat. 44.856, R. 09, fls. 20) por ato oneroso, ou seja, por permuta (CC02, art. 533). Portanto, presume-se (súmula 377) que essa fração se haja comunicado ao patrimônio de seu marido, a despeito do regime da separação obrigatória (cf. mat. 44.856, R. 07, fls. 19 verso).
6.1. Para que não se pudesse cogitar dessa presunção, teria sido necessário que o vínculo fosse formalmente sub-rogado sobre a fração adquirida, o que não consta tenha sido feito.
7. Por força dessa presunção, agora que faleceu o cônjuge de Leonor, é necessário, como exigiu o 7º RISP, que se demonstre que a fração de 60% acabou por tocar exclusivamente a ela; até que tal prova se faça, não há como saber se Leonor efetivamente tenha ou não a disponibilidade sobre essa fração, ou (mais concretamente) não se pode saber se podia gravar essa fração com usufruto, como consta da escritura pública (fls. 14). Logo, foi correta a denegação do registro.
8. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 7º Ofício do Registro de Imóveis de São Paulo a requerimento de Leonor Pajaro Grande Ferreira (prenotação 319.366).
Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios.
Desta sentença cabe apelação, com efeito suspensivo, dentro em quinze dias, para o E. Conselho Superior da Magistratura (LRP73, art. 202; Decreto-lei Complementar Estadual n. 3/69, art. 64, VI; Regimento Interno do Tribunal de Justiça, artigo 16, V).
Oportunamente, cumpra-se a LRP73, art. 203, I, e arquivem-se.
P. R. I.
São Paulo, .Josué Modesto Passos, Juiz de Direito – CP 35 (D.J.E. de 23.08.2013 – SP).