1ª VRP|SP: Dúvida – Registro de Imóveis – O imóvel adquirido mediante compra e venda e registro (CC02, arts.481, 1.227 e 1.245) por um cônjuge então casado em regime da separação obrigatória de bens (CC16, art. 258, par. único) é aquesto por ato oneroso e, portanto, presume-se que se tenha comunicado ao patrimônio do outro cônjuge (súmula STF 377) – Essa presunção tem de ser ilidida pelo que conste do registro, o que in casu não ocorre – Não basta para ilidi-la um argumento de silêncio tirado da inexistência de menção ao aquesto no inventário do cônjuge que não está inscrito como dono – Dúvida Procedente.

Processo 0023763-70.2013.8.26.0100 – Dúvida – Registro de Imóveis – 5º Oficial de Registro de Imóveis – Registro de imóveis – dúvida – o imóvel adquirido mediante compra e venda e registro (CC02, arts.481, 1.227 e 1.245) por um cônjuge então casado em regime da separação obrigatória de bens (CC16, art. 258, par. único) é aquesto por ato oneroso e, portanto, presume-se que se tenha comunicado ao patrimônio do outro cônjuge (súmula STF 377) – essa presunção tem de ser ilidida pelo que conste do registro, o que in casu não ocorre – não basta para ilidi-la um argumento de silêncio tirado da inexistência de menção ao aquesto no inventário do cônjuge que não está inscrito como dono – dúvida procedente. CP 103 Vistos etc. Somente nesta data por força de acúmulo de serviços a que não dei causa.
1. O 5º Ofício do Registro de Imóveis de São Paulo (RISP) suscitou dúvida (fls. 02-05) a requerimento (fls. 09-12) de Junji Hisa (matrícula 5.332, fls. 06-07; prenotação 264.233).
1.1. Segundo o termo de dúvida, foi apresentada a registro a certidão de uma escritura pública lavrada em 23 de março de 1998 pelo 3º Tabelião de Notas de São Paulo (livro 1.801, fls. 033; nestes autos, fls. 17-18).
1.2. Na escritura pública (fls. 17-18) consta que a dona Dulce Eliza de Campos Ferreira do Amaral (mat. 5.332 R. 1, fls. 06), dando cumprimento a compromisso de compra e venda (mat. 5.332 R. 2, fls. 07 verso), vendeu imóvel a Junji Hisa, casado no regime da comunhão universal antes da Lei 6.515/77 com Kazuko Hisa.
1.3. Esse imóvel fora adquirido em 24 de agosto de 1976, mediante ato oneroso, pela dona Dulce, que naquele tempo era casada em regime de separação obrigatória com Estanislau Ferreira do Amaral.
1.4. Não há nenhuma indicação de que se tratasse de bem reservado ou de que a aquisição se houvesse feito com recursos exclusivos de Dulce, e na mat. 5.332 – R. 2, consta que ela e seu maridos são proprietários, inscrição que produz efeitos até que seja cancelada (Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973 LRP73, art. 252).
1.5. Assim, à falta de alguma ressalva que deveria ser expressa e inequívoca , presumese que o aquesto se comunicou ao patrimônio de ambos os cônjuges (antigo Cód. Civil – CC02, arts. 258, par. único, e 259; Supremo Tribunal Federal STF, súmula 377; Conselho Superior da Magistratura de São Paulo CSMSP, Apelação Cível 990.10.017.578-5, j. 13.04.2010).
1.6. Essa presunção não se pode afastar na esfera administrativa (CSMSP, Apel. Cív. 376-6/7, j. 06.10.2005) nem é ilidida pelo fato de que o imóvel não tenha sido referido no inventário dos bens de Estanislau (6ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo, autos 025094-13.1983.8.26.0000 – fls. 32-38), pois essa omissão não se equipara a um pronunciamento judicial positivo sobre o assunto. Finalmente, a súmula STF 377 ainda não foi cancelada, e para sua aplicação o Superior Tribunal de Justiça STJ não tem exigido prova de esforço comum, mas apenas prova de vida em comum (Recurso especial REsp 736.627-PR, j. 11.04.2006; Agravo Regimento no REsp AgRg no REsp 1.008.684-RJ, j. 24.04.2012; CSMSP, Apel. Cív. 990.10.017.664-1, j. 30.06.2010).
1.7. Por tudo isso, sem prova de que o bem não integrara o patrimônio comum dos cônjuges, não se admitiu o registro da compra e venda.
1.8. O termo de dúvida foi instruído por documentos (fls. 06-54).
2. O suscitado impugnou (fls. 56-59).
2.1. Segundo a impugnação, o falecido cônjuge Estanislau assistira o compromisso de compra e venda, mas não interviera como promitente vendedor (fls. 29-31). Isso fez claro que ele não era titular de direito sobre o imóvel. Logo, aquando da escritura definitiva (passada em cumprimento desse compromisso) não era necessário que o seu espólio houvesse intervindo.
2.2. O registro (mat. 5.332 – R. 2, fls. 07 verso) é inexato, pois, como se depreende da escritura de compromisso de compra e venda (fls. 29-31), a dona era Dulce, exclusivamente.
2.3. Ademais, o imóvel em questão não chegou sequer a ser arrolado no inventário de Estanislau (fls. 35-36).
2.4. Assim, não tem lugar a presunção posta pela súmula STF 377, não existe violação ao princípio da continuidade, e a dúvida é improcedente.
2.5. O suscitado não apresentou procuração ad iudicia.
3. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 61-62).
4. É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
5. Por força do princípio da continuidade, uma inscrição (lato sensu) subsequente só transfere um direito se o direito por transferir efetivamente estiver compreendido, objetiva e subjetivamente, na inscrição (lato sensu) antecedente que lhe dá fundamento (ou seja: para que se faça a inscrição subsequente, é necessário que o disponente possa, objetiva e subjetivamente, dispor do direito, o que só se pode concluir pela própria inscrição antecedente). É o que diz a LRP73: Art. 195. Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro. Art. 237. Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.
5.1. Se entre cônjuges vigorava o regime da separação obrigatória de bens (CC16, art. 258, par. único, I-IV), e se houve aquisição onerosa de bens durante a sociedade conjugal, esse aquesto presume-se (iuris tantum) decorrente pelo esforço comum e, portanto, comunica-se ao patrimônio de ambos (STF, súmula 377). Em tal caso, se um dos cônjuges falecer, para que se possa determinar qual poder de disposição sobre o aquesto restou em mãos do supérstite, é necessário que no registro se demonstre ou que não houvera comunicação (= que se ilida a presunção decorrente da súmula 377), ou que, por outra causa, na partilha ou adjudicação o aquesto coube todo ao supérstite.
6. No caso destes autos, o registro não faz prova de que o aquesto (= o imóvel da mat. 5.332 – 5º RISP) não se comunicou ao patrimônio do marido de Dulce, ou que, depois, tenha tocado exclusivamente a ela: (a) em primeiro lugar, o imóvel foi adquirido por Dulce onerosamente (= por compra e venda) e na constância de sociedade conjugal em que vigorava separação total de bens (mat. 5.332 R. 1, fls. 06); e (b) a inscrição (lato sensu) seguinte (mat. 5.332 R. 2, fls. 07 verso) não prova acrescenta nada em favor das alegações do suscitado.
6.1. É bem verdade que o R. 2 da mat. 5.332 (fls. 07 verso) foi lavrado em erro: com efeito, nesse registro (stricto sensu) consta que “os proprietários se comprometeram a vender”, o que não está direito, porque a dona era apenas Dulce (R. 1, fls. 06), e a escritura pública de compromisso de compra e venda, que é o título subjacente ao R. 2 (fls. 29-31), deixa claro que a promitente vendedora outorgante era somente ela, assistida por seu marido (cf. fls. 29, especialmente). Entretanto, enquanto esse R. 2 não for retificado (LRP73, arts. 212 e 213, I, a), ou seja, enquanto não constar, do registro, que a promessa fora feita exclusivamente por Dulce, com a vênia de seu marido (que à época se exigia: cf. CC02, arts. 235, I, e 242, I e II), não se pode tirar, no plano do registro (= para o controle da disponibilidade, i. e., para manter a continuidade), conclusão que ilida a presunção dada pela súmula STF 377.
6.2. O inventário de Estanislau não prova que o bem não lhe haja tocado, uma vez que ali não se fez menção desse imóvel, e argumento de silêncio (argumentum e silentio) não basta para ilidir a presunção positiva que decorre da súmula STF 377: como fez notar o 5º RISP (fls. 03 in fine), “o inventário é típica prestação de jurisdição voluntária, sem substância litigiosa, e se inaugura e finaliza a partir das declarações do inventariante (art. 991, III, e art. 993, dentre outros do CPC). A presunção de incomunicabilidade deveria ser apresentada e apreciada pelo juiz do feito, o que não ocorreu, a fiar-se nos documentos apresentados. Para que se pudesse afastar a presunção de comunicabilidade dos aquestos mister seria o pronunciamento judicial, destruindo-a.”.
6.3. Por fim, a súmula STF 377 ainda não foi cancelada e, de qualquer forma, o problema da comunicação do aquesto surgiu quando, em razão do CC02, art. 259, era inequívoco que se aplicasse.
7. Ora, não sendo possível ilidir, pelo que do registro consta, a presunção da súmula STF 377, então não é possível – ao menos por ora – registrar a compra e venda celebrada apenas por Dulce (fls. 17-18).
8. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 5º Ofício do Registro de Imóveis de São Paulo a requerimento de Junji Hisa (prenotação 264.233). Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios. Desta sentença cabe apelação, com efeito suspensivo, dentro em quinze dias, para o E. Conselho Superior da Magistratura (LRP73, art. 202; Decreto-lei Complementar Estadual n. 3/69, art. 64, VI; Regimento Interno do Tribunal de Justiça, artigo 16, V). Para o recebimento da apelação, se for interposta, o suscitado tem de regularizar a sua procuração ad iudicia. Oportunamente, cumprase a LRP73, art. 203, I, e arquivem-se.
P. R. I.
São Paulo, .
Josué Modesto Passos
Juiz de Direito – CP 103 – ADV: NATALIA DA SILVA NUNES (OAB 81312/SP) . (D.J.E. de 29.08.2013 – SP)