1ª VRP|SP: Dúvida – Formal de partilha extrinsecamente apto a registro – Óbice referente a conflito temporal entre a data do óbito e a data da lavratura da escritura pública que levou à aquisição do imóvel deixado pela ‘de cujus’ – Possível irregularidade de título subjacente ao último registro conflito que ocasiona insegurança sobre a situação do imóvel – Procedência.

Processo nº: 0078349-91.2012.8.26.0100
Pedido de Providências
16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital
Dúvida formal de partilha extrinsecamente apto a registro óbice referente a conflito temporal entre a data do óbito e a data da lavratura da escritura pública que levou à aquisição do imóvel deixado pela ‘de cujus’ possível irregularidade de título subjacente ao último registro conflito que ocasiona insegurança sobre a situação do imóvel procedência.
Vistos.
Somente nesta data por força de acúmulo de serviços.
1. O 16º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo (RI) suscitou dúvida (fls. 02-03) a requerimento de MARIA DAS GRAÇAS DA SILVA SANTOS DE ALMEIDA (MARIA).
1.1. A suscitada fez prenotar, sob nº 414.059, formal de partilha (fls. 13 – 84) que dispõe sobre a divisão do único bem deixado pelo falecimento de LUZIA APARECIDA CONQUISTA DE ALMEIDA (LUZIA), qual seja o imóvel matriculado sob nº 36.940, do 16º RI. No referido formal, fica elucidado que LUZIA faleceu na data de 31 de outubro de 1978 (fls. 24).
1.2. Houve devolução do título (fls. 08-09), porquanto o 16º RI notou que, no registro R-1 da matrícula nº 36.940 (fls. 04), a metade do imóvel lá descrito foi transferida, em 17 de novembro de 1978, a VALDELICIO CUNHA DE ALMENIDA (VALDELICIO), qualificado como casado com LUZIA. Há um aparente conflito temporal já que VALDELICIO não poderia estar qualificado, no mencionado registro, como sendo casado com LUZIA, afinal, ela já havia falecido no mês anterior, antes da lavratura da escritura. O ingresso do formal de partilha traria registros conflitantes na matrícula nº 36.940.
1.3. Inconformada, MARIA requereu suscitação de dúvida (fls. 06-07), caso o registrador não acatasse a sua argumentação no sentido de que VALDELICIO está qualificado como casado com LUZIA, no registro R-1, da matrícula nº 36.940 do 16º RI, porque a escritura que deu origem ao referido registro foi lavrada em estrito cumprimento de instrumento de promessa de venda e compra celebrado em 1971, ou seja, anteriormente ao falecimento de LUZIA. Persistindo em sua posição, o registrador suscitou dúvida com o principal argumento de que, na ocasião do falecimento de LUZIA, deveria ter sido averbada a partilha de seus direitos no alegado compromisso de venda e compra, para que depois a escritura fosse outorgada ao viúvo e aos herdeiros.
2. A suscitada não está representada ad judicia e não apresentou impugnação nos autos.
3. O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida a fls. 88-89. Entendeu que o erro na qualificação do requerente não afeta a mera burocracia do registro, mas também o plano das sucessões, já que a escritura deveria ter sido lavrada com o viúvo VALDELICIO e os herdeiros de LUZIA.
4. É o relatório. Passo a fundamentar e decidir.
5. Como bem notado pelo registrador, há um conflito temporal entre o registro R-1, da matrícula nº 36.940 do 16º RI (R-1/36.940), e a data do falecimento de LUZIA, evidenciada pela certidão de óbito presente no formal de partilha que se fez prenotar.
5.1. Pela leitura da certidão de matrícula (fls. 04) e do formal de partilha (fls. 13 – 84), parece que o título subjacente ao registro R-1/36.940, é nulo, porquanto fora celebrado, de alguma forma, com uma parte inexistente (LUZIA já teria falecido quando da lavratura da escritura). Da possível nulidade, em princípio, soergueriam-se duas consequências lógicas: (a) não houve a transmissão do imóvel tal como descrita no registro R-1/36.940; e (b) não houve a transmissão causa mortis da parte do imóvel que incumbia a LUZIA, aos seus herdeiros. Todavia, a eventual nulidade discutida não é de pleno direito e, portanto, não pode acarretar no cancelamento do registro R-1/36.940 de imediato e sem o adequado processo (art. 214, caput – Lei 6.015/73).
5.2. Neste cenário, enquanto não for provada a eventual nulidade do registro R-1/36.940, pela via processual competente, o mesmo continuará a produzir seus efeitos legais, conflitando com o formal de partilha (art. 252, caput – Lei 6.015/73).
6. A argumentação da requerente (fls. 06) no sentido de que a escritura, que gerou o registro R-1/36.940, foi celebrada em estrito cumprimento a um compromisso, firmado quando LUZIA ainda era viva, não prospera. Primeiramente, esta declaração expressa da requerente deixa ainda mais clara a hipótese de a escritura ter sido lavrada sem anuência de LUZIA.
6.1. O compromisso de venda e compra é um negócio jurídico distinto da efetiva venda e compra celebrada por meio de escritura pública. Ambos os negócios são autônomos e não dependem um do outro para existir. As partes devem ser qualificadas de acordo com o momento da lavratura do ato. Se LUZIA já era falecida à época da lavratura da escritura, ela jamais poderia figurar nesse instrumento como parte capaz.
7. Em que pese a perfeição extrínseca do formal de partilha, se este título ingressar em fólio real, trará dados conflitantes na matrícula e afetará também o plano do direito sucessório, como bem observado pelo registrador e o Ministério Público, fato que comprometerá a segurança jurídica do registro:
‘O problema não está no formal de partilha, mas sim no registro do título aquisitivo da “de cujus”.’ (fls. 02 – item 2)
Nada impede, todavia, que o referido título seja utilizado em eventual ação de usucapião ordinário.
8. Do exposto, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 16º Ofício de Registro de Imóveis a pedido de MARIA DAS GRAÇAS DA SILVA SANTOS DE ALMEIDA (prenotação nº 414.059).
Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.
Desta sentença cabe apelação, com efeito suspensivo e devolutivo, para o E. Conselho Superior da Magistratura, no prazo de 15 dias.
Uma vez preclusa esta sentença, cumpra-se a Lei 6.015/73, artigo 203, I, e arquivem-se os autos, se não for requerido nada mais.
P.R.I.C.
São Paulo,.
Josué Modesto Passos , JUIZ DE DIREITO CP 437 (D.J.E. de 03.09.2013 – SP)