1º VRP|SP: Dúvida – Escritura de doação com reserva de usufruto – Doação entre ascendente e descentente – Anuente estrangeiro qualificado com CPF de sua mulher, que é brasileira. Muito embora esteja erroneamente qualificado, sua participação no negócio de doação não era exigida por lei. Basta que seu nome não conste do registro acompanhado do elemento errôneo – Casal anuente com indisponibilidade de bens decretada. Entrave que se aplica somente aos bens dos anuentes e não tem o condão de prejudicar a doação de bem que não lhes pertence, feita por pessoa contra a qual não pesa a indisponibilidade dúvida improcedente.

Processo nº: 0034288-14.2013.8.26.0100 – Dúvida
Requerente:
14º Registro de Imóveis
Dúvida – escritura de doação com reserva de usufruto – doação entre ascendente e descentente – anuente estrangeiro qualificado com CPF de sua mulher, que é brasileira. Muito embora esteja erroneamente qualificado, sua participação no negócio de doação não era exigida por lei. Basta que seu nome não conste do registro acompanhado do elemento errôneo – casal anuente com indisponibilidade de bens decretada. Entrave que se aplica somente aos bens dos anuentes e não tem o condão de prejudicar a doação de bem que não lhes pertence, feita por pessoa contra a qual não pesa a indisponibilidade dúvida improcedente.
Vistos.
1. O 14º Ofício de Registro de Imóveis de São Paulo (RI) suscitou dúvida a requerimento de MASAYUKI KAWAMURO (MASAYUKI).
1.1. Consoante o termo de dúvida (fls. 02-03), em 29 de abril de 2013, o suscitado fez prenotar no 14º RI, sob nº 626.206, escritura de doação com reserva de usufruto (fls. 08-09). O objeto do negócio é 50% (cinquenta por cento) do imóvel de matrícula nº 35 do 8º RI (imóvel atualmente adstrito ao 14º RI). No referido título, figuram, como doadora, TERUKO KAWAMURO (TERUKO) e, como donatário, o suscitado. Ainda figuram, na qualidade de intervenientes, Hiroyuki Kawamuro, casado com Elza Muto Kawamuro, Alice Maki Kawamuro Ishida, casada com Issai Ishida, e Maria Keiko Kawamuro Endo, casada com Yoshihiko Endo.
1.2. A referida escritura já fora apresentada ao 14º RI em 01 de março de 2013 (prenotação nº 621.786), ocasião em que retornou com exigências (fls. 06) que ainda persistem em sua integralidade (fls. 05), quais sejam:
(a) no texto do título, Yoshihiko está qualificado com número de incrição no CPF que, em verdade, é de sua esposa. O registrador entende que é necessária a retificação do título, já que o CPF é documento obrigatório para qualquer participação em operações imobiliárias;
(b) Ficou constatado que Hiroyuki e Elza estão com seus bens em estado de indisponibilidade, por força de decisão exarada pela E. 7ª Vara de Execuções Fiscais de São Paulo (processo nº 200261820381145), logo não poderiam anuir com o negócio; e
(c) conforme averbação nº 7, da matrícula nº 35 do 8º RI, ficou definido que o imóvel lá descrito agora está sob a competência do 14º RI; no entanto, consta no certificado final da certidão de matrícula (fls. 22-24) que o imóvel pertence ao 8º RI (expressão “pertence a esta serventia” fls. 24).
1.3. O registrador ainda asseverou (fls. 03) que, após pesquisas, ficou elucidado que Masami Muto e Fusa Carmen Muto (genitores de Elza) doaram o imóvel matriculado sob nº 107.052 do 16º RI a Célia Muto (irmã de Elza), tudo com a interveniência de Hiroyuki e Elza (R-8/107.052 fls. 38-39). Tal fato pretérito e o registro que se pretende agora, no entendimento do registrador, configuram uma tentativa de os genitores de Elza e Hiroyuki alienarem seus imóveis aos descendentes que não estão com indisponibilidade de bens decretada. Com essa manobra, seria evitado que Hiroyuki e Elza recebessem quinhões dos bens de seus genitores, em eventual sucessão hereditária, e causassem a indisponibilidade deles, mesmo que em parte.
1.4. Inconformado com as exigências, MASAYUKI requereu dúvida (fls. 04). O suscitado reiterou o fato de o imóvel, objeto da doação, agora estar adstrito ao 14º RI. Argumentou no sentido de que a indisponibilidade de bens de um interveniente não tem força para prejudicar a doação de outro bem que não lhe pertence porque, afinal, sobre a efetiva doadora, não há qualquer pendência que obste o negócio. Finalmente, afirmou que Yoshihiko apenas utlizou o CPF de sua esposa porque não possui cadastro no Ministério da Fazenda, já que é cidadão japonês, residente e domiciliado no Japão.
1.5. MASAYUKI não está representado ad judicia. Foram juntados documentos (fls. 18-34).
2. O suscitado apresentou impugnação (fls. 37). Defendeu-se principalmente da observação do Ofício no que se refere à suposta e suspeita manobra aludida no item “1.3” supra. MASAYUKI afirmou que não há qualquer má-fé no negócio que se pretende registrar e que o 14º RI está supondo algo não verdadeiro. Em seguida, pediu que este juízo analise apenas a doação em si. Ademais, afirmou que sua mãe TERUKO apenas está doando a metade do imóvel porque ele foi pago totalmente pelo suscitado, que já detém a propriedade da outra metade do bem.
3. O Ministério Público requereu (fls. 43) que o suscitado esclarecesse se realmente pagou por todo o imóvel. Solicitou também sua manifestação sobre os óbices referentes ao erro na certidão de matrícula e sobre o uso do CPF da esposa por parte de Yoshihiko. Por fim, solicitou a juntada de certidão de objeto e pé referente ao processo que determinou a indisponibilidade de bens a Elza e Hiroyuki.
3.1. MASAYUKI prestou os esclarecimentos e providenciou a juntada de documentos (fls. 51-58).
3.2. Em seguida, o órgão ministerial requereu manifestação do 14º RI sobre as novas informações e documentos juntados pelo suscitado. O registrador entendeu que, com relação ao óbice referente ao erro na certidão de matrícula, basta apresentar nova certidão corrigida. No que tange à questão do CPF de Yoshihiko, o Ofício reafirmou que será necessária a retificação da escritura. Por fim, entendeu que somente este juízo poderá dirimir a questão referente à suposta fraude na operação de doação (item “1.3” supra).
3.3. O Parquet então opinou pela improcedência da dúvida (fls. 66-67). Entendeu que há excesso de zelo do registrador.
Muito embora o CPF de Yoshihiko esteja incorreto, tal fato não é relevante o suficiente para prejudicar o registro. A execução fiscal ajuizada contra Hiroyuki e Elza também não prejudica o negócio que se pretende registrar porque ambos figuram apenas como intervenientes e a doação em questão representa a antecipação da legítima a que terá direito MASAYUKI. Finalmente, o erro na certidão da matrícula é irrelevante porque, pela leitura da averbação nº 7/35, fica claro que o imóvel agora pertence à competência do 14º RI.
4. É o relatório. Passo a fundamentar e decidir.
5. Primeiramente discorro sobre o óbice referente ao CPF inexato de um dos intervenientes.
5.1. A lei não exige, nos casos de doação realizada por ascendente a um dos filhos, a anuência dos demais descendentes.
Isso porque tal tipo de doação já importa em adiantamento da legítima (artigo 544 do Código Civil). No presente caso, houve cautela não exigida por lei quando os irmãos de MASAYUKI intervieram na doação. Neste sentido já é pacífico o entendimento dos tribunais: “Não exige a lei, na doação de ascendente a descendente, a anuência dos demais descendentes, por isso que a mesma se considera adiantamento de legítima” (REsp 17.555/MG, Rel. Min. Dias Trindade, Terceira Turma, j.09/03/1992, DJ 06/04/1992, p.4495)
5.2. É verdade que a inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas é obrigatória para aqueles que figuram como participantes de negócios imobiliários (artigo 3º, inciso VI, da Instrução Normativa RFB nº 1.042, de 10 de junho de 2010). Atualmente não é mais permitido que cônjuges utilizem um mesmo número de CPF (artigo 3º, incisos II e VI, da Instrução Normativa RFB nº 864, de 25 de julho de 2008).
5.3. No entanto, ocorre que Yoshihiko está qualificado com número de CPF de sua esposa porque é cidadão japonês e não possui cadastro no Ministério da Fazenda (fls. 55-56). A sua anuência na doação não é exigida por lei; logo, não é sensato solicitar a retificação da escritura nos moldes exigidos pelo registrador. Claro que, em nome do princípio da especialidade subjetiva, dados inexatos não devem ser transcritos no registro; por este motivo, como a participação de Yoshihiko não é necessária para a concretização da doação, seu nome deve constar no registro sem referência a CPF.
6. No que se refere à indisponibilidade de bens de Hiroyuki e Elza, ela aplica-se tão somente aos bens de propriedade do casal. O imóvel, objeto da doação que se pretende registrar, pertence a TERUKO, que não possui qualquer restrição para aliená-lo. Além de tudo, não se pode alegar que a presente doação é um negócio ardiloso sem o devido processo legal.
7. Finalmente, no final da certidão da matrícula nº 35 expedida pelo 8º RI (fls. 24), a expressão “pertence a esta serventia, desde 1º/01/1972”, não tem o condão de retirar o valor da averbação nº 7, que deixa claro e expresso que o imóvel agora pertence à competência do 14º RI.
8. Não há óbice, portanto, para que o título ingresse em fólio real, tal como apresentado, sendo necessária apenas a atenção do registrador no tocante ao item “5.3” supra.
9. De todo o exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo 14º Ofício de Registro de Imóveis, a requerimento de MASAYUKI KAWAMURO (prenotação nº 626.206).
Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.
Desta sentença cabe apelação, com efeito suspensivo e devolutivo, para o E. Conselho Superior da Magistratura, no prazo de 15 dias.
Uma vez preclusa esta sentença, cumpra-se a Lei 6.015/73, artigo 203, II, e arquivem-se os autos se não for requerido nada mais.
P.R.I.C.
São Paulo, . Josué Modesto Passos, JUIZ DE DIREITO CP 171 (D.J.E. de 16.09.2013 – SP)