STJ: Direito civil – Contrato de empréstimo celebrado em moeda estrangeira e indexado ao dólar – Alegada inexistência do pacto – Ausência de indicação do dispositivo legal violado – Pagamento mediante conversão em moeda nacional – Cálculo com base na cotação da data da contratação.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.323.219 – RJ (2011⁄0197988-8)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : JOSÉ LUIZ MARINHO SOARES
ADVOGADO : VIVIANE MALLET D’AVILLA E OUTRO(S)
RECORRIDO : JOSÉ MOREIRA DA SILVA
ADVOGADO : EMMANUEL BERNARDES FRANCISCO VIEGAS E OUTRO(S)
EMENTA
DIREITO CIVIL. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CELEBRADO EM MOEDA ESTRANGEIRA E INDEXADO AO DÓLAR. ALEGADA INEXISTÊNCIA DO PACTO. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. PAGAMENTO MEDIANTE CONVERSÃO EM MOEDA NACIONAL. CÁLCULO COM BASE NA COTAÇÃO DA DATA DA CONTRATAÇÃO.
1. O recurso especial não pode ser conhecido quando a indicação expressa do dispositivo legal violado está ausente.
2. O art. 1º da Lei 10.192⁄01 proíbe a estipulação de pagamentos em moeda estrangeira para obrigações exequíveis no Brasil, regra essa encampada pelo art. 318 do CC⁄02 e excepcionada nas hipóteses previstas no art. 2º do DL 857⁄69. A despeito disso, pacificou-se no STJ o entendimento de que são legítimos os contratos celebrados em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional.
3. A indexação de dívidas à variação cambial de moeda estrangeira é prática vedada desde a entrada em vigor do Plano Real, excepcionadas as hipóteses previstas no art. 2º do DL 857⁄69 e os contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior (art. 6º da Lei 8.880⁄94).
5. Quando não enquadradas nas exceções legais, as dívidas fixadas em moeda estrangeira deverão, no ato de quitação, ser convertidas para a moeda nacional, com base na cotação da data da contratação, e, a partir daí, atualizadas com base em índice oficial de correção monetária.
6. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurso especial e, nessa parte, dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 27 de agosto de 2013(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
RELATÓRIO
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
Cuida-se de recurso especial interposto por JOSÉ LUIZ MARINHO SOARES, fundamentado na alínea “a” do permissivo constitucional.
Ação (fls. 03⁄06, e-STJ): declaratória da existência de contrato de empréstimo, cumulada com ação de cobrança, ajuizada por JOSÉ MOREIRA DA SILVA, em face do recorrente.
Sentença (fls. 301⁄306, e-STJ): o Juízo de 1º grau julgou procedentes os pedidos para declarar a existência do contrato de empréstimo celebrado entre JOSÉ MOREIRA DA SILVA (credor) e JOSÉ LUIZ MARINHO SOARES (devedor) e condenar o recorrente ao pagamento da quantia de R$ 210.000,00 (duzentos e dez mil reais).
Acórdão (fls. 370⁄371, e-STJ): o TJ⁄RJ negou provimento ao recurso interposto por JOSÉ LUIZ MARINHO SOARES, nos termos do acórdão assim ementado:
Civil. Processual Civil. Ação declaratória c cobrança. Empréstimos indexados em moeda estrangeira.   Possibilidade. Precedentes do STJ1. Agravo retido. Matéria não suscitada no âmbito desse recurso. Reexame de Prova. Convencimento do juízo formado pela livre apreciação, mostrando-se  correta  a  aferição do conjunto probatório.
A vedação legal ao pagamento de obrigação em moeda estrangeira não impede o seu uso como indexador.
A matéria não suscitada em sede de agravo retido não pode ser conhecida na apelação.
Revelando-se correta a valoração das provas produzidas durante a instrução processual, impõe-se a manutenção do julgado.
Recurso desprovido.
Embargos de declaração (fls. 378⁄379, e-STJ): opostos pelo recorrente, foram rejeitados pelo TJ⁄RJ.
Primeiro recurso especial: dei provimento, monocraticamente, ao primeiro recurso especial interposto pelo recorrente (fls. 482⁄483, e-STJ), por violação do art. 535 do CPC, a fim de anular o acórdão que julgou os embargos de declaração opostos e determinar a devolução dos autos ao TJ⁄RJ para manifestação acerca da alegada violação dos arts. 318 do CC⁄02 e 1º da Lei nº 10.192⁄01 (REsp 1.058.937⁄RJ).
Acórdão do TJ⁄RJ nos embargos de declaração (fls. 489⁄490, e-STJ): foram acolhidos, sem modificação no julgado, apenas para fazer constar do aresto embargado que “não houve afronta ao art. 318 do CC⁄02 e art. 1º da Lei 10.192⁄01, eis que tais dispositivos vedam apenas a imposição de pagamento em moeda estrangeira, admitindo-se, portanto, quando do cumprimento da obrigação, sua conversão em moeda nacional”.
Segundo recurso especial (fls. 498⁄508, e-STJ): interposto por JOSÉ LUIZ MARINHO SOARES, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional. Alega o recorrente que não há provas de que o recorrido lhe tenha emprestado dinheiro, e que os documentos apresentados por este são de formalidade duvidosa. Aduz que o acórdão impugnado, ao reconhecer a existência de contrato de empréstimo celebrado em moeda estrangeira e indexado a dólares norte-americanos, ofendeu o art. 318 do CC⁄02 e o art. 1º da Lei nº 10.192⁄01.
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ⁄RJ não admitiu o recurso especial (fls. 537⁄541, e-STJ), dando azo à interposição de agravo, do qual conheci e determinei a reautuação, nos termos do art. 34, XVI, do RISTJ (fls. 572, e-STJ).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.323.219 – RJ (2011⁄0197988-8)
VOTO
O EXMO. SR. MINISTRO NANCY ANDRIGHI (RELATOR):
Cinge-se a controvérsia a determinar: (I) a existência de dívida contraída pelo recorrente, de que é credor o recorrido; e (II) a validade do contrato de empréstimo celebrado pelas partes em moeda estrangeira, indexado à variação cambial do Dólar.
I. Da existência de dívida contraída pelo recorrente (ausência de indicação do dispositivo legal violado)
Sustenta o recorrente que não há provas de que o recorrido lhe tenha emprestado dinheiro, e que os documentos apresentados por este, para comprovar o negócio jurídico supostamente entabulado, são de formalidade duvidosa.
Deixa de indicar, todavia, o dispositivo legal que teria sido violado pelo acórdão impugnado, o que impede o conhecimento do recurso especial neste ponto.
II. Da validade do contrato de empréstimo celebrado em moeda estrangeira, indexado pela variação cambial do dólar (violação dos arts. 1º da Lei nº 10.192⁄01 e 318 do CC⁄02)
Alega o recorrente que, “em nenhuma hipótese, seria lícita a contratação, no Brasil, entre pessoas aqui residentes, de obrigações em dólares norte-americanos, ou a sua utilização como indexador, nos exatos termos do artigo 318 do Código Civil e do artigo 1º da Lei 10.192⁄01” (fl. 504, e-STJ).
Há, portanto, duas questões a serem decididas, que não se confundem entre si: (I) se é lícita a contratação de empréstimo em moeda estrangeira; e (II) se esse contrato pode ser indexado à variação cambial do Dólar.
i. Da contratação de empréstimo em moeda estrangeira
O Tribunal de origem reconheceu que as partes celebraram contrato de empréstimo, comprovado pelos diversos “vales” rubricados pelo recorrente (fls. 14, 16 e 18, e-STJ), os quais totalizam a quantia de U$ 65.000,00 (sessenta e cinco mil dólares).
A propósito do tema, o art. 1º da Lei 10.192⁄01 proíbe a estipulação de pagamentos em moeda estrangeira para obrigações exequíveis no Brasil, regra essa mantida pelo art. 318 do CC⁄02, e excepcionada nas hipóteses previstas no art. 2º do DL 857⁄69.
A despeito disso, o STJ pacificou o entendimento de que é legítimo o contrato celebrado em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional. Nesse sentido: REsp 1.212.847⁄PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª Turma, DJe de 21⁄02⁄2011; REsp 804.791⁄MG, minha relatoria, 3ª Turma, DJe de 25⁄09⁄2009; AgRg no Ag 1.043.637⁄MS, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, 4ª Turma, DJe de 16⁄03⁄2009; REsp 848.424⁄RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 18.08.2008; e REsp 194.629⁄SP, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 22.05.2000.
Vale dizer, exceto nas hipóteses previstas no art. 2º do DL 857⁄69, que autorizam a estipulação de pagamento em moeda estrangeira de obrigação exequível no Brasil, e dentre as quais, frise-se, não se inclui a situação em tela, o devedor somente é liberado da dívida pelo pagamento em moeda corrente nacional, forçando-se, com isso, o curso desta.
Assim, não prospera a alegação do recorrente de que não é válido o negócio jurídico celebrado com o recorrido, por ter sido a dívida fixada em Dólares, cabendo apenas ressalvar que o pagamento deverá ser realizado pelo seu equivalente em Reais.
ii. Da indexação do contrato à variação cambial do dólar
O TJ⁄RJ, ao apreciar a matéria, afirmou que não há “qualquer vedação legal ao uso da moeda estrangeira como indexador” (fl. 371, e-STJ).
Sucede, entretanto, que essa prática é vedada pelo ordenamento jurídico desde a entrada em vigor do Plano Real, excepcionadas, mais uma vez, as hipóteses previstas no art. 2º do DL 857⁄69, além dos contratos de arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e domiciliadas no País, com base em captação de recursos provenientes do exterior (art. 6º da Lei nº 8.880⁄94).
A propósito do tema, no julgamento do REsp 804.791⁄MG, em que se decidiu questão semelhante, a 3ª Turma firmou o entendimento de que, “havendo previsão de pagamento futuro, tais dívidas [fixadas em moeda estrangeira] deverão, no ato de quitação, ser convertidas para moeda nacional com base na cotação da data da contratação e, a partir daí, atualizadas com base em índice de correção monetária admitido pela legislação pátria” (minha relatoria, DJe de 25⁄09⁄2009 – grifou-se).
Diante disso, não obstante se reconheça, na hipótese, a impossibilidade de indexação à variação cambial, tal fato não implica nulidade do contrato firmado, mas impõe que, na data do pagamento, a quantia devida em Dólares seja convertida em Reais, tendo como referência a cotação do dia da contratação, e, em seguida, atualizada segundo o índice oficial de correção monetária vigente no país.
Essa solução, sem dúvida, evita, de um lado, o enriquecimento ilícito do devedor, em detrimento do credor; e, de outro, protege o espírito do art. 1º da Lei nº 10.192⁄01, encampado pelo art. 318 do CC⁄02, de forçar o curso de nossa moeda, como forma de resguardar a estabilidade monetária interna e a própria soberania nacional.
No mais, qualquer conclusão em sentido contrário exigiria o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, circunstância que encontra óbice na Súmula 07⁄STJ.
Forte em tais razões, CONHEÇO EM PARTE do recurso especial e, nessa parte, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO para determinar que, na data da quitação, a dívida do recorrente seja convertida em moeda nacional, com base na cotação do Dólar na data da contratação, e, a partir daí, atualizada de acordo com o índice oficial de correção monetária.
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Turma, por unanimidade, conheceu em parte do recurso especial e, nessa parte, deu-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Sidnei Beneti, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.