TJ|MG: Direito de Sucessões – Direito sucessório de companheiro sobrevivente – Bem adquirido por sub-rogação – Questão comprovada por meio de documentos – Remessa para vias ordinárias – Desnecessidade – Ao companheiro sobrevivente é assegurado o direito sucessório de todos os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável (“ex vi” do “caput” art. 1.790, Código Civil) – Deve ser resolvida nos próprios autos do inventário a questão relativa à alegada exclusão do direito do inventariante à sucessão de bem imóvel de propriedade de sua falecida companheira, já que a alegada aquisição por sub-rogação deve ser comprovada por meio de documentos e, portanto, não ser de alta indagação – Recurso provido.

Íntegra do v. acórdão:
Acórdão: Agravo de Instrumento n. 1.0271.04.025359-0/002, de Frutal.
Relator: Des. Edgard Penna Amorim.
Data da decisão: 08.03.2012.
EMENTA: DIREITO DE SUCESSÕES – DIREITO SUCESSÓRIO DE COMPANHEIRO SOBREVIVENTE – BEM ADQUIRIDO POR SUB-ROGAÇÃO – QUESTÃO COMPROVADA POR MEIO DE DOCUMENTOS – REMESSA PARA VIAS ORDINÁRIAS – DESNECESSIDADE. 1. Ao companheiro sobrevivente é assegurado o direito sucessório de todos os bens adquiridos onerosamente na constância da união estável (“ex vi” do “caput” art. 1.790, Código Civil). 2. Deve ser resolvida nos próprios autos do inventário a questão relativa à alegada exclusão do direito do inventariante à sucessão de bem imóvel de propriedade de sua falecida companheira, já que a alegada aquisição por sub-rogação deve ser comprovada por meio de documentos e, portanto, não ser de alta indagação. 3. Recurso provido.
AGRAVO DE INSTRUMENTO CÍVEL N° 1.0271.04.025359-0/002 – COMARCA DE FRUTAL – AGRAVANTE(S): SAUL SIMÃO FERREIRA – AGRAVADO(A)(S): WILSON JOSÉ DAS NEVES E OUTRO(A)(S) – RELATOR: EXMO. SR. DES. EDGARD PENNA AMORIM
ACÓRDÃO
Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador EDGARD PENNA AMORIM , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
Belo Horizonte, 08 de março de 2012.
DES. EDGARD PENNA AMORIM – Relator
NOTAS TAQUIGRÁFICAS
O SR. DES. EDGARD PENNA AMORIM:
VOTO
Trata-se de agravo de instrumento interposto por SAUL SIMÃO FERREIRA, nos autos do inventário dos bens de VILMA NEVES DE OLIVEIRA, contra decisão do i. Juiz da 2ª Vara Cível da Comarca de Frutal que remeteu as partes para os meio ordinários, a fim de apurar-se se o bem imóvel arrolado nos autos foi adquirido pela falecida, ex-companheira do ora agravante, com produto da venda de outro imóvel, que lhe pertencia anteriormente ao período da união estável (f. 09-TJ).
Sustenta o agravante que a questão não é de alta indagação, pois já decidido por este eg. Tribunal de Justiça, no julgamento da apelação interposta contra a sentença que extinguiu o presente inventário, seu direito à totalidade da herança, por não ter deixada a autora da herança, sua ex-companheira, ascendentes e nem descendentes, não tendo os ora agravados impugnado o acórdão.
Às f. 87-TJ, indeferi o pedido de efeito suspensivo e requisitei informações ao i. Juiz de primeira instância.
Informações prestadas às f. 91-TJ, noticiando o i. magistrado a manutenção da decisão e ter o agravante cumprido o disposto no art. 526 do CPC.
Os agravados não apresentaram contraminuta (f. 104-TJ), conquanto devidamente intimados (f. 102 e 103-TJ).
Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade. A falta de preparo justifica-se por estar o recorrente sob o pálio da justiça gratuita.
Inicialmente, registro que, ao contrário do afirmado no julgamento da Apelação Cível nº 1.0271.04.025359-0/001 – interposta contra sentença que extinguiu o presente inventário, ao fundamento de que a questão relativa à alegada união estável é de alta indagação (cf. cópia de acórdão juntada às f. 106/110-TJ) -, aplicável, na sucessão em favor do companheiro sobrevivente, a atual legislação civil, vigente no momento do óbito (CC, art. 1.787).
Assim, o direito do recorrente à totalidade da herança deixada por sua ex-companheira decorreria do fato de ela não ter deixado ascendentes e nem descendentes. Neste sentido, dispõe o Código Civil:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. (Destaque deste voto.)
Todavia, como destacado no dispositivo transcrito, o direito sucessório do companheiro sobrevivente se refere aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável. Por sua vez, sobre a matéria, ensina FRANCISCO CAHALI:
Pelo ‘caput’ do artigo 1.790, a convocação é feita para participar apenas de uma parcela da herança, e não de sua integralidade, restrita ao patrimônio adquirido na vigência da união a título oneroso. Em nada importa o regime patrimonial, se da comunhão parcial ou de outra previsão contratual, sendo irrelevante, ainda, eventual titularidade do viúvo sobre parte deste acervo. Também, pelo limite da lei, poderá ocorrer de o sobrevivente ser meeiro de um bem adquirido por fato eventual, por exemplo, mas nele não participar por sucessão.
Ainda, por aquisição onerosa, entende-se o patrimônio acrescido a título oneroso, excluídos aqueles bens sub-rogados ao patrimônio particular. Assim, se durante a convivência o falecido tiver adquirido um imóvel com numerário a ele pertencente, em sua integralidade, antes da união, este bem, embora onerosa a compra, deverá ser destacado da herança, para destino aos demais sucessores. Não é pela forma de aquisição, mas pelo acréscimo patrimonial efetivo ou real que se identifica a parcela da herança na qual participará o companheiro sobrevivente. (“In” Curso avançado de direito civil: direito das sucessões. Francisco José Cahali, Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka; coordenação Everaldo Augusto Cambler. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 229/230.)
Assim, em razão da alegação dos agravados de que o bem imóvel, relacionado no inventário, foi adquirido pela falecida, ex-companheira do agravante, por meio de sub-rogação de outro bem imóvel que lhe pertencia anteriormente à união estável, estabelecida no período de 31/07/1986 a 12/01/2004, sobreveio a decisão ora recorrida por meio da qual as partes foram remetidas às vias ordinárias, ao fundamento de que se trata de questão de alta indagação.
Segundo o Código de Processo Civil:
Art. 984. O juiz decidirá todas as questões de direito e também as questões de fato, quando este se achar provado por documento, só remetendo para os meios ordinários as que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas.
Acerca deste dispositivo confiram-se as palavras de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR (“in” Curso de direito processual civil. 13ª ed. Rio de Janeiro: Forense, v. III, p. 267):
(…). Somente, portanto, quando a questão, por sua natureza, depender de um outro processo especial, ou se achar subordinada a fato somente pesquisável por meio de outras provas que não a documental, é que o magistrado do inventário poderá remeter os interessados para as vias ordinárias.
A complexidade da tese jurídica aplicável à controvérsia mostra-se irrelevante, pois só se pode ter como questão de alta indagação para os fins do art. 984 ‘aquela que exige um procedimento comum, vale dizer, um processo próprio’, e não a que decorre de ‘dificuldade da aplicação do direito’. Não são, pois, dessa natureza as questões de direito, por mais controvertidas e complexas que sejam.
Na espécie, como dito alhures, sustentam os agravados que o bem imóvel relacionado no inventário foi adquirido pela falecida companheira do agravante, por meio de sub-rogação e fulcram a alegação em depoimentos prestados nos autos da ação de reconhecimento de união estável. Também sustentam que cabe ao companheiro sobrevivente comprovar ter participado efetivamente na aquisição do referido bem.
A questão, “data venia” do entendimento do i. magistrado de primeira instância, não se trata de alta indagação, sendo desnecessária a sua remessa para vias ordinárias, devendo ser resolvida nos próprios autos do inventário.
Primeiro, porque a prova da alegada sub-rogação, como os próprios agravados apontam, é documental, emprestada daqueles autos da ação de reconhecimento – depoimentos de testemunhas -, bem como aqueles documentos registrais dos bens adquiridos pela companheira falecida do ora agravante, o que poderá ser feito por meio de simples juntada destes documentos aos autos.
Segundo, porque, ao contrário do alegado pelos recorridos, o direito do companheiro sobrevivente, caso afastada a sub-rogação, não depende de prova de participação efetiva na aquisição do bem, pois decorre do regime de bens aplicável na união estável, qual seja, comunhão parcial de bens (“ex vi” do art. 1.725 do CC).
Diante do exposto, dou provimento ao recurso, para reformar a decisão de primeiro grau e determinar que a questão alegada pelos agravados seja apreciada nos próprios autos do inventário.
Custas, pelos agravados.
Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): TERESA CRISTINA DA CUNHA PEIXOTO e VIEIRA DE BRITO.
SÚMULA : DERAM PROVIMENTO AO RECURSO