CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Inobservância do princípio da continuidade – Inocorrência – Qualificação registral que não pode discutir o mérito da decisão judicial – Recurso provido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de autos de Apelação n° 0001717-77.2013.8.26.0071, da Comarca de Bauru, em que é apelante RENATA FERREIRA FERNANDES, e apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE BAURU.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA O FIM DE JULGAR IMPROCEDENTE A DÚVIDA E DETERMINAR O REGISTRO, V.U.“, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores IVAN SARTORI (Presidente), GONZAGA FRANCESCHINI, ELLIOT AKEL, SILVEIRA PAULILO, SAMUEL JÚNIOR E TRISTÃO RIBEIRO.
São Paulo, 10 de dezembro de 2013.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator
VOTO N° 21.378
Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Inobservância do princípio da continuidade – Inocorrência – Qualificação registral que não pode discutir o mérito da decisão judicial – Recurso provido.
Trata-se de dúvida inversa apresentada por Renata Ferreira Zanda em razão da recusa do 2º Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Bauru de registrar formal de partilha por inobservância do princípio da continuidade.
O MM. Juiz Corregedor Permanente acolheu as ponderações do Oficial do Registro de Imóveis no tocante a indispensabilidade de reparo no formal de partilha por vício inerente ao título judicial – fls. 161/163 – em especial no tocante a ausência de esclarecimentos quanto à participação de Eliane Fernandes, ex-cônjuge do herdeiro Basílio Ferreira Filho no inventário.
Inconformada, a recorrente interpôs o presente recurso, argumentando que não cabe ao Oficial do RI ingressar na análise do mérito do título judicial; inexistindo quebra ou vulneração do princípio da continuidade – fls. 169/171.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso – fls. 183/184.
É o relatório.
É certo que os títulos judiciais submetem-se à qualificação registrária, conforme pacífico entendimento do E. Conselho Superior da Magistratura:
“Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental” (Ap. Cível n° 31881-0/1).
Contudo, a qualificação que recai sobre os títulos judiciais não é irrestrita, de modo que deve se restringir ao exame dos elementos extrínsecos, sem promover incursão sobre o mérito da decisão que o embasa.
No caso em exame, o Oficial recusou o ingresso do formal de partilha, pois da análise do formal de partilha percebe-se que quando do óbito de Basílio Ferreira o interessado Basílio Ferreira Filho era casado pelo regime da comunhão universal de bens com Eliane Fernandes Ferreira. Por outro lado, quando do óbito de Antonia Madureira Ferreira, Basilio Ferreira Filho já era separado judicialmente. Portanto, o auto de partilha deve refletir as consequências patrimoniais decorrentes da Saisini relativamente ao estado civil do herdeiro (fls. 09).
A qualificação do Oficial de Registro de Imóveis, ao questionar a título judicial, ingressou no mérito e no acerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, o que se situa fora do alcance da qualificação registral por se tratar de elemento intrínseco do título. Assim não fosse, estar-se-ia permitindo que a via administrativa reformasse o mérito da jurisdicional.
É nesse sentido a doutrina de Afrânio de Carvalho: “Assim como a inscrição pode ter por base atos negociais e atos judiciais, o exame da legalidade aplica-se a uns e a outros. Está visto, porém, que, quando tiver por objeto atos judiciais, será muito mais limitado, cingindo-se à conexão dos respectivos dados com o registro e à formalização instrumental. Não compete ao registrador averiguar senão esses aspectos externos dos atos judiciais, sem entrar no mérito do assunto neles envolvido, pois, do contrário, sobreporia a sua autoridade à do Juiz” (Registro de Imóveis, Forense, 3ª ed., pág. 300).
Na mesma direção, a r. decisão da E. 1ª Vara de Registros Públicos, da lavra do então MM. Juiz Narciso Orlandi Neto:
“Não compete ao Oficial discutir as questões decididas no processo de inventário, incluindo a obediência ou não às disposições do Código Civil, relativas à ordem da vocação hereditária (art° 1.603). No processo de dúvida, de natureza administrativa, tais questões também não podem ser discutidas. Apresentado o título, incumbe ao Oficial verificar a satisfação dos requisitos do registro, examinando os aspectos extrínsecos do título e a observância das regras existentes na Lei de Registros Públicos. Para usar as palavras do eminente Desembargador Adriano Marrey, ao relatar a Apelação Cível 87-0, de São Bernardo do Campo, ‘Não cabe ao Serventuário questionar ponto decidido pelo Juiz, mas lhe compete o exame do título à luz dos princípios normativos do Registro de Imóveis, um dos quais o da continuidade mencionada no artº 195 da Lei de Registros Públicos. Assim, não cabe ao Oficial exigir que este ou aquele seja excluído da partilha, assim como não pode exigir que outro seja nela incluído. Tais questões, presume-se, foram já examinadas no processo judicial de inventário.” (Processo n° 973/81)
Portanto, em caso de eventual desacerto da r sentença proferida no âmbito jurisdicional, caberá o interessado se valer dos recursos e ações previstos no ordenamento jurídico. O que não se permite é que a qualificação registrária reveja o mérito da sentença judicial que já transitou em julgado.
Não se confunda o presente caso com aqueles em que o Oficial de Registro de Imóveis devolve o título por conter vício de ordem formal (extrínseca), e o MM. Juízo que o gerou, em sede jurisdicional e de forma específica, examina e afasta a exigência que era pertinente porquanto restrita aos aspectos formais do título judicial.
Aqui, diferentemente, a qualificação do Oficial recaiu sobre o mérito do título judicial, o que lhe é defeso, por se tratar de elemento intrínseco do título que lhe foi apresentado. Deste modo, não há que se exigir decisão específica do MM. Juízo do qual o título é oriundo afastando a exigência.
Assim, a recusa do Oficial de Registro de Imóveis deve ser afastada porque o título encontra-se formalmente em ordem, inexistindo inclusive desacerto tributário – conforme homologação judicial de aceite pela Fazenda às fls. 108.
Isto posto, dou provimento ao recurso para o fim de julgar improcedente a dúvida e determinar o registro.
JOSÉ RENATO NALINI
Corregedor Geral da Justiça e Relator.
(D.J.E. de 08.04.2014 – SP)