1ª VRP|SP: Registro de Formal de Partilha – Aquisição do imóvel a título oneroso – Não consta do título a partilha relativa ao cônjuge pré-morto passando diretamente à sucessão da cônjuge virago, cuja partilha se pretende registrar – Violação ao princípio da continuidade – Dúvida procedente.

1036533-44.2014
(CP 110)
Dúvida
14º Oficial de Registro de Imóveis
R. R. R.
Registro de Formal de Partilha – Aquisição do imóvel a título oneroso – Não consta do título a partilha relativa ao cônjuge pré-morto passando diretamente à sucessão da cônjuge virago, cuja partilha se pretende registrar – Violação ao princípio da continuidade – Dúvida procedente.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 14º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de R. R. R., diante da recusa em efetuar o registro do Formal de Partilha expedido nos autos do inventário dos bens deixados por Alice Ferreira Batista, cujo feito tramitou perante o Juízo da 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Regional II Jabaquara, que transmitiu 50% do imóvel objeto da matrícula nº 91.466, que foi adquirido em conjunto com seu marido pré-morto (A. G. F.), aos herdeiros M. F. R. C. e R. R. R..
Sustenta o Registrador que o óbice registrário justifica-se em virtude de que Albino, falecido em 1998, deixou a filha Maria Flora, proveniente de seu primeiro casamento, sendo que sua segunda esposa (Alice) faleceu somente em 2008, logo, o direito sobre os 50% do imóvel deveria primeiro ser objeto de inventário pelo falecimento de Albino, sendo que 25% caberia à herdeira Maria Flora.
Neste contexto, por ocasião do falecimento de Alice, seriam inventariados somente 25% para seus herdeiros e não os 50%, conforme consta do título apresentado, o que consequentemente traria graves prejuízos à filha do primeiro casamento, violando o princípio da continuidade e segurança jurídica.
Devidamente intimado (fls.73/75), o suscitado não apresentou impugnação, conforme certidão de fl.78.
O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls.81/82).
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Preliminarmente, cumpre destacar que os títulos judiciais não estão isentos de qualificação, positiva ou negativa, para ingresso no fólio real. O Egrégio Conselho Superior da Magistratura já assentou, inclusive, que a qualificação negativa do título judicial não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação cível n.413-6/7). Cite-se, por todas a apelação cível nº 464-6/9, de São José do Rio Preto: Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental. Nessa linha, também o E. Supremo Tribunal Federal já decidiu que: “REGISTRO PÚBLICO – ATUAÇÃO DO TITULAR – CARTA DE ADJUDICAÇÃO – DÚVIDA LEVANTADA – CRIME DE DESOBEDIÊNCIA – IMPROPRIEDADE MANIFESTA. O cumprimento do dever imposto pela Lei de Registros Públicos, cogitando-se de deficiência de carta de adjudicação e levantando-se dúvida perante o juízo de direito da vara competente, longe fica de configurar ato passível de enquadramento no artigo 330 do Código Penal – crime de desobediência -, pouco importando o acolhimento, sob o ângulo judicial, do que suscitado” (HC 85911 / MG – MINAS GERAIS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, j. 25/10/2005, Primeira Turma).
Sendo assim, fica claro que não basta a existência de título proveniente de órgão jurisdicional para autorizar automaticamente o ingresso no registro tabular. Portanto, superada a questão sobre o ingresso do título judicial, passa-se à análise do princípio da continuidade, explicado por Afrânio de Carvalho, da seguinte forma: O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia, de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular.
Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254). Ou seja, o título que se pretende registrar deve estar em conformidade com o inscrito na matrícula. Oportuno destacar, ainda, a lição de Narciso Orlandi Neto, para quem: No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos praticados têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios (Retificação do Registro de Imóveis, Editora Oliveira Mendes, p. 56).
Necessário, por conseguinte, que o titular de domínio seja o mesmo no título apresentado a registro e no registro de imóveis, pena de violação ao princípio da continuidade, previsto no art. 195, da Lei nº 6.015/73: Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a previa matrícula e o registro do titulo anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.
Conclui-se, assim, que os registros necessitam observar um encadeamento subjetivo, ou seja, o instrumento que pretende ingressar no registro tabular necessita estar em nome do outorgante, sendo assim apenas se transmite o direito quem é o titular do direito.
Na presente hipótese embora casados sob o regime da separação obrigatória de bens, o imóvel objeto da matricula nº 91.466 foi adquirido na constância do casamento a título oneroso, o que presume-se a ocorrência de esforço comum dos cônjuges, conforme verifica-se no R.1 (fl.5), incidindo assim, a Súmula 377 do STF, segundo a qual: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.
Todavia, não consta na matrícula do imóvel em questão o registro do formal de partilha em nome do cônjuge varão Albino, tendo seu falecimento ocorrido em 1998, ou seja, anteriormente à sua segunda esposa Alice. Consequentemente não houve a partilha de 50% do seu direito sobre o imóvel em prol de sua filha herdeira Maria Flora, fruto do primeiro casamento, quebrando com isso a continuidade que dos registros públicos se espera, prejudicando com isso terceiro de boa fé.
Ora, essa omissão impede que o título apresentado a registro ingresse no fólio real, tendo em vista que foi suprimido os 25% referente à parte da herdeira, não podendo incidir a sucessão por “saltos” no ordenamento jurídico, afrontando o princípio da segurança jurídica.
Assim, coaduno com os termos do parecer da Douta Promotora de Justiça: “O respectivo formal de partilha não pode ter ingresso ao fólio real até que adequado à partilha do cônjuge pré-morto, a permitir a perfeita formalização do ato registrário, notadamente na hipótese dos autos em que se verifica potencial prejuízo à filha de Albino”.
Diante do exposto, julgo PROCEDENTE a dúvida suscitada pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de R. R. R., para manter a recusa do registro do formal de partilha.
Por fim, encaminhe a z. Serventia à respectiva unidade extrajudicial, os documentos originais depositados em Cartório, devendo o suscitado no prazo de 15 (quinze) dias retirar a documentação.
Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios.
Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C. São Paulo, 03 de julho de 2014.
Tania Mara Ahualli Juíza de Direito
(D.J.E. de 23.07.2014 – SP)