1ª VRP|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – inventário judicial – Adjudicação homologada por sentença judicial com trânsito em julgado – qualificação registral que não pode discutir o mérito da decisão judicial – Dúvida Improcedente.

Processo 1057435-18.2014.8.26.0100
Dúvida – Registros Públicos – R. C. J. A.
Registro de Imóveis – Dúvida – inventário judicial – Adjudicação homologada por sentença judicial com trânsito em julgado – qualificação registral que não pode discutir o mérito da decisão judicial – Dúvida Improcedente.
O 6º Oficial de Registro de imóveis de São Paulo suscitou dúvida a pedido de R. C. J. A., diante da negativa em se registrar o instrumento particular de venda e compra de imóvel, mútuo e alienação fiduciária em garantia no SFH, tendo como credora fiduciária a Caixa Econômica Federal, cujo objeto é o bem transcrito sob nº 57.273, da mesma Serventia.
Segundo o Oficial, a qualificação negativa ocorreu porque houve quebra do princípio da continuidade registral. Aduz que o antigo proprietário J. J., já falecido e pai da suscitada, adquiriu o imóvel em 17 de junho de 1960 e ostentava estado civil de desquitado (fls.50/51). Contudo, após as pesquisas feitas na serventia, constatou-se que, na verdade, ele estava casado com A. O., tendo o matrimônio ocorrido em 14 de setembro de 1954 (fls. 55). Não obstante, após uma série de buscas, descobriu-se que à época do casamento com Aracy, José estava casado regularmente com W. de A. F., cujo enlace matrimonial aconteceu em 25 de julho de 1942 (fls.66/67). Em 05 de dezembro de 1956 o casal apresentou o desquite amigável que fora homologado pelo juiz. Somente em 14 de novembro de 1980 a separação consensual foi convertida em divórcio. Desta forma, entende a impossibilidade de validar o documento levado a registro, posto que, o 2º matrimônio seria nulo de pleno direito e não expressaria a veracidade exigida dos documentos apresentados.
Na impugnação, a interessada aduziu que na data da compra do imóvel seu genitor já estava desquitado da primeira mulher e casado com Aracy, sua genitora. Assim, entende que mesmo se fosse declarado nulo o segundo casamento, isto não seria óbice ao registro do instrumento de compra e venda e alienação fiduciária, visto que não mudaria a sua situação de única herdeira do bem, conforme decisão judicial emanada da 9ª Vara da Família e Sucessões – Foro Central Cível (fls. 73/74).
O Ministério Público opinou pelo indeferimento do pedido e remessa do feito às vias ordinárias (78/80).
É o relatório. DECIDO.
Com razão a suscitada. No Código Civil de 1916, o desquite comunni consenso era um dos modos de terminação da sociedade conjugal e estava previsto no artigo 315, III, autorizando a sentença nele proferida e devidamente homologada, a separação dos cônjuges e a extinção do regime matrimonial dos bens.
No caso em tela, verifica-se à fl 66 que o desquite ocorreu de forma amigável e consensual em 05 de dezembro de 1956. Portanto, o imóvel, adquirido em 17 de junho de 1960, não integrava o patrimônio conjugal, não sendo passível de partilha à época do desquite.
Assim, de qualquer maneira, não caberia a meação do imóvel à Sra. Walquiria. Conforme narrado nos autos, R. J. casou-se com Aracy em 14 de setembro de 1954, no regime da comunhão total de bens, enquanto seu primeiro casamento ainda estava em vigor. No entanto, no contrato de compra e venda firmado, o estado civil dele constava como desquitado e não casado. Neste compasso, impende notar que a interessada fez o pedido de retificação do estado civil de seu genitor, porém, fora-lhe negado porque o Oficial reconheceu a invalidade do 2º matrimônio com base no artigo 1.521, VI, do atual código civil.
De extrema importância salientar que a questão da herança já foi solucionada nos autos do processo judicial nº 0901419-03.1995.8.26.0100, que tramitou perante a 9ª Vara da Família e Sucessões – Foro Central Cível. Assim ficou decidido na sentença lavrada: “Vistos. Preenchidos que foram os requisitos legais, hei por bem ADJUDICAR à R. C. J. A., os bens deixados pelo falecimento de R. J. e A. O. J., constante das declarações de fls. 53/55 destes autos de ARROLAMENTO, para que produza seus jurídicos e legais efeitos, ressalvados erros, omissões e eventuais direitos de terceiros. Transitada esta em julgado, inexistindo tributos em aberto, e já tendo sido feita a devida conferência pela Fazenda do Estado de São Paulo, expeça-se alvará para venda do único bem inventariado e arquivem-se os autos. P.R.I.C.”.
De acordo com o andamento processual, verifica-se que já houve o arquivamento dos autos no dia 27 de junho de 2014, tendo em vista que não foram interpostos recursos. Não compete ao Oficial adentrar no mérito da decisão que homologou a adjudicação em favor da interessada.
No mesmo sentido, a r. decisão da emanada desta 1ª Vara de Registros Públicos, de lavra do MM. Juiz Narciso Orlandi Neto: “Não compete ao Oficial discutir as questões decididas no processo de inventário, incluindo a obediência ou não às disposições do Código Civil, relativas à ordem da vocação hereditária (artº 1.603). No processo de dúvida, de natureza administrativa, tais questões também não podem ser discutidas. Apresentado o título, incumbe ao Oficial verificar a satisfação dos requisitos do registro, examinando os aspectos extrínsecos do título e a observância das regras existentes na Lei de Registros Públicos. Para usar as palavras do eminente Desembargador Adriano Marrey, ao relatar a Apelação Cível 87-0, de São Bernardo do Campo, “Não cabe ao Serventuário questionar ponto decidido pelo Juiz, mas lhe compete o exame do título à luz dos princípios normativos do Registro de Imóveis, um dos quais o da continuidade mencionada no artº 195 da Lei de Registros Públicos. Assim, não cabe ao Oficial exigir que este ou aquele seja excluído da partilha, assim como não pode exigir que outro seja nela incluído. Tais questões, presume-se, foram já examinadas no processo judicial de inventário. (Processo nº 973/81)”.
Portanto, em caso de eventual desacerto da r. sentença proferida no âmbito jurisdicional, poderá o eventual interessado se valer dos recursos e ações previstos no ordenamento jurídico. O que não se permite, conforme a jurisprudência do C. Conselho Superior da Magistratura, é que a qualificação registrária reveja o mérito da sentença judicial que já transitou em julgado: “Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Formal de partilha – Inobservância do princípio da continuidade – Inocorrência – qualificação registral que não pode discutir o mérito da decisão judicial – Recurso não provido. (Apelação Cível nº 0909846-85.2012.8.26.0037)”.
Por todo o exposto, julgo IMPROCEDENTE a dúvida suscitada pelo 6º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo e determino o registro do instrumento apresentado. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios. Encaminhe-se à Serventia extrajudicial os documentos originais, após o trânsito em julgado desta decisão, que deverão ser retirados pelo interessado no prazo de 15 dias. Oportunamente, arquivem-se os autos.
P.R.I.C.
(D.J.E. de 15.09.2014 – SP)