CSM|SP: Registro de imóveis – Instrumento particular de compromisso de dação em pagamento e outras avenças – Irresignação parcial – Inadmissibilidade – Exame, em tese, das exigências impugnadas a fim de orientar eventuais novas qualificações – Título com natureza jurídica diversa da denominação que lhe foi dada – Contrato definitivo de dação em pagamento – Rótulo do contrato que não pode servir de óbice ao seu registro, quando seu conteúdo está de acordo com os princípios registrais – Necessidade, entretanto, de instrumentalização pública – Artigo 108, do código civil – Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000001-40.2013.8.26.0238, da Comarca de Ibiúna, em que é apelante FRANCISCO DA SILVA CASEIRO NETO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE IBIÚNA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NÃO CONHECERAM DO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.

São Paulo, 11 de novembro de 2014.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

VOTO N° 34.118

Registro de imóveis – Instrumento particular de compromisso de dação em pagamento e outras avenças – Irresignação parcial – Inadmissibilidade – Exame, em tese, das exigências impugnadas a fim de orientar eventuais novas qualificações – Título com natureza jurídica diversa da denominação que lhe foi dada – Contrato definitivo de dação em pagamento – Rótulo do contrato que não pode servir de óbice ao seu registro, quando seu conteúdo está de acordo com os princípios registrais – Necessidade, entretanto, de instrumentalização pública – Artigo 108, do código civil – Recurso não conhecido.

Trata-se de apelação interposta por Francisco da Silva Caseiro Neto objetivando a reforma da r. decisão de fls. 57, que manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Ibiúna, referente ao ingresso no fólio real de “Instrumento Particular de Compromisso de Dação em Pagamento e Outras Avenças” (fls. 07/11).

Alega o recorrente, em suma, que o título apresentado a registro equipara-se ao compromisso de compra e venda de imóvel, não devendo o artigo 167 da Lei de Registros Públicos ser interpretado de forma taxativa.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 81/85).

É o relatório.

O recurso deve ser julgado prejudicado.

Os motivos da recusa do registro pretendido foram (a) a falta de previsão legal para o registro, por não constar o título dentre os elencados no art. 167, I, da Lei n° 6.015/73; (b) a inexistência do alvará judicial; (c) a falta de reconhecimento das firmas das partes e das testemunhas no instrumento particular; (d) a ausência de certificado do INCRA e (e) a ausência de certidão negativa do ITR.

O recorrente impugnou inicialmente apenas as três primeiras exigências, concordando com as demais e até juntando documentos para demonstrar o atendimento (fls. 26/32 e docs.) e, ao recorrer, limitou-se a manifestar insurgência contra a primeira exigência, ignorando as demais.

A despeito dos argumentos do apelante, fato é que a jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura é tranquila no sentido da impossibilidade de se prolatar decisão condicional nos casos de impugnação parcial. Nesse sentido, anota-se:

A posição do Egrégio Conselho Superior da Magistratura, como bem ressaltado pelo digno Procurador de Justiça, é tranqüila no sentido de se ter como prejudicada a dúvida, em casos como o que se examina, em que admitida como correta uma das exigências, não sendo a outra cumprida, posto que permanece a impossibilidade de acesso do título ao fólio. Nesse sentido os julgados das Apelações Cíveis números 54.073-0/3, 60.046-0/9, 61.845-0/2 e 35.020-0/2. Posicionar-se de maneira diversa importaria admitir uma decisão condicional pois, somente se atendida efetivamente a exigência tida como correta é que a decisão proferida na dúvida, eventualmente afastando o óbice discutido, é que seria possível o registro do título. A discussão parcial dos óbices, por outro lado, sem cumprimento daqueles admitidos como corretos, possibilitaria a prorrogação indevida do prazo de prenotação, com conseqüências nos efeitos jurídicos desta decorrentes, tal como alteração do prazo para cumprimento das exigências ou a prorrogação da prioridade do título em relação a outro a ele contraditório.” (Apelação Cível n° 93.875-0/8).

Além disso, a juntada de documentos no curso da dúvida – ou de seu recurso – para cumprir exigências feitas pelo Oficial de Registro de Imóveis também a prejudica, conforme jurisprudência deste Conselho:

“A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em conseqüência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n° 60.460-0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n° 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo” (Apelação Cível n° 220.6/6-00, o grifonão está no original).

Prejudicada a dúvida, o recurso não pode ser conhecido, o que não impede, porém, o exame da exigência impugnada a fim de orientar futuras prenotações.

Para Flávio Tartuce, a dação em pagamento é uma forma de pagamento indireto em que há um acordo privado de vontades entre os sujeitos da relação obrigacional, pactuando-se a substituição do objeto obrigacional por outro. Para tanto é necessário o consentimento expresso do credor, o que caracteriza como um negócio jurídico. [1]

Assim, com a dação em pagamento, a obrigação se extingue mediante a execução efetiva de uma prestação distinta da devida. [2]

Pressupõe ela a imediata transmissão da propriedade de um bem para quitação de dívida, razão pela qual o contrato, a partir do momento em que é definida a coisa que será dada em pagamento, e o seu preço, regula-se pelas normas do contrato de compra e venda, conforme dispõe o artigo 357, do Código Civil.

É por essa razão que se permite o ingresso do título da dação em pagamento no registro de imóveis.

Já a promessa de dação em pagamento não extingue a dívida, porque não há transferência do bem. Ocorre, na verdade, a substituição de uma obrigação por outra, o que caracteriza novação, direito pessoal e não real, não sendo permitido, portanto, seu ingresso no registro.

No presente caso, embora se tenha dado o nome de “compromisso” ao instrumento particular firmado entre as partes, está-se diante de contrato definitivo de dação em pagamento, uma vez que encerra negócio jurídico que prevê a substituição da prestação originalmente devida (dívida decorrente de contrato de honorários advocatícios) por uma outra (área de 60.000 m², localizada dentro de área maior de 392.652,87 m², constituída pelos imóveis matriculados sob os n°s 18.893 e 18.894 do Registro de Imóveis da Comarca de Ibiúna), aceita pelo credor.

Os efeitos do referido contrato – notadamente a transferência de parte ideal do domínio do imóvel – têm caráter definitivo e não se confundem com a obrigação futura de demarcação e destaque da área dada em pagamento, de modo que esta não tem o condão de retirar do contrato em exame a sua característica de definitivo.

Sobre as diferenças entre o contrato preliminar e o definitivo, o Conselho Superior da Magistratura, nos autos da apelação cível n° 37.727-0/3, relatada pelo então Corregedor Geral da Justiça Desembargador Márcio Bonilha, assim se manifestou:

Sabido que a natureza e o tipo do contrato fixam-se por seu conteúdo e não pela denominação, ou rótulo, que lhes deram as partes contratantes. Conceitua-se o contrato preliminar como aquele por via do qual ambas as partes se comprometem a celebrar mais tarde outro contrato, que será o contrato principal. Diferencia-se do contrato principal pelo objeto, que no preliminar é a obrigação de concluir outro contrato, enquanto que o do definitivo é uma prestação substancial (Francesco Messineo, Dottrina Generale Del Contrato, pág. 207). (Ap. Cível n° 37.727-0/3, rel. Des. Márcio Bonilha).

Contudo, a denominação do contrato, por si só, não impediria o registro pretendido, pois o que importa não é o rótulo do contrato, mas sim o seu conteúdo.

Tratando-se, porém, de avença definitiva, é indispensável o uso da escritura pública, na forma do art. 108, do Código Civil, sem a qual o registro é inviável.

Ante o exposto, não conheço do recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Notas:

[1] TARTUCE, Flávio. Direito Civil para Concursos Públicos. Vol. 2. 3ª ed. Método: 2008.

[2] TRABUCCHI, Alberto. Instituciones de derecho civil, v. II, p. 52 apud GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. II. São Paulo: Saraiva, 2004.

(DJe de 22.01.2015 – SP)